Culto e Liturgia



ID: 2653

Fundamentos bíblicos, históricos, teológicos, antropológicos do Culto

A história entre Deus e as pessoas carrega em suas entranhas a experiência do culto. Culto é aqui concebido como encontro que congrega Deus e um grupo de pessoas, bem como estas entre si. O sujeito do culto é Deus. Deus vem ao encontro da comunidade (Mt 18.20), e Deus de fato ordena que o culto aconteça (1Co 11.24-25: “fazei isto”). O encontro é ação de Deus. As pessoas reagem e aceitam o convite de Deus. Nesse encontro, elas ouvem sua vontade (Palavra de Deus), comungam na sua mesa (Ceia do Senhor) e realizam comunhão entre si. A Deus dirigem oração, adoração, louvor, evidenciam sua disposição de assumir o compromisso da fé, e saem do culto para testemunhar a fé e para servir ao Senhor no contexto em que estão inseridas.

Traços bastante expressivos desse culto estão no primeiro livro da Bíblia, envolvendo o grupo de Noé (Gn 8-9). Diz essa confissão bíblica que, ao sair da arca, a família de Noé ergueu um altar e sobre ele ofereceu sacrifícios. Celebrou culto (8.20). Essas pessoas reconheceram a presença de Deus em sua história. Adoraram esse Deus. Ouviram sua vontade. Foram abençoadas e viveram orientadas por ele.

Esse culto encontro de Deus com pessoas, realizado num contexto determinado, embebido na vida cotidiana é um dos traços que identificou o povo de Deus. E toda vez que o culto foi deturpado, sofreu críticas, e críticas severas (Jr 7.1-11; Am 5.21-22).

No seu tempo, Jesus conheceu esse culto. Celebrou com sua gente. Quando necessário, retomou a crítica feita por profetas. Foi opositor severo ao constatar que um dos lugares separados (consagrados) para o culto tinha sido transformado em covil de ladrões que se apoiavam no aparato religioso (Mt 21.13). Esse culto, que reúne pessoas na presença de Deus – como foi com a família de Noé –, não só recebeu o aval de Jesus (Mt 18.20), como também foi ordenado por ele (1Co 11.24-25).

Atos dos Apóstolos 2.42 traduz a intensa vida em comunhão das primeiras comunidades cristãs, amparada na doutrina dos após-tolos, na oração, na partilha de bens e numa refeição (em cujo centro estava a Ceia do Senhor – não mais como sacrifício de propiciação oferecido a Deus, mas como recepção do sacrifício de Jesus em favor do mundo). Diariamente (v. 46) essas pessoas se reuniam. Sua forma de organização comunitária promovia a inclusão, ao ponto de não haver nenhum necessitado entre elas (4.34), e estava amparada no culto. E isso foi um dos principais motivos do ódio que os líderes do Império Romano cultivaram contra os cristãos de Jerusalém.

Tomando as pessoas na sua integralidade (de forma holística), o culto as congrega e reúne na presença de Deus. O culto é uma parada estratégica necessária ao longo de uma jornada. Reúne pessoas na presença de Deus e faz delas uma comunidade. E, a partir do exemplo de Noé, o culto é realizado num contexto presente (após a saída da arca), em vista de acontecimentos passados (o dilúvio), numa perspectiva futura (o recomeço após a destruição).

No culto, a comunidade encontra-se com Deus. Essa realidade é sinal da ação primeira de Deus. Ele vem e cria comunidade. A comunidade reage. Neste sentido, a atitude de Noé de construir um altar resultou da sua fé. A Bíblia o apresenta como pessoa temente a Deus (Gn 6.22). Sua prontidão para o culto estava ancorada no reconhecimento de que Deus o guardara até ali, juntamente com todos os seres vivos na arca. A adoração de Noé representou uma reação à ação primeira de Deus. O culto, nesse sentido, foi a resposta da família de Noé de que Deus a guiara e salvara.

Num segundo sentido, como reação, o culto traduz uma ação coletiva. E isto traz conseqüências para quem organiza o culto. Dando asas à imaginação, podemos, com base no texto, enxergar a família de Noé preparando o lugar litúrgico (sinalizado pelo altar construído), carregando a madeira para o fogo, carneando os animais para o sacrifício, reunida em círculo para adorar o Senhor, cantando hinos, tendo, todos, a oportunidade de expressar sua gratidão e suas preces. Noutras palavras, essa reação resultou numa liturgia, um conjunto de atos, palavras e formas, carregados de significado, expressos de um certo jeito, numa certa seqüência.

A vida cristã é uma atitude constante de culto, no sentido de que as pessoas cristãs sempre seguem a voz de Deus e dialogam com ele para atuarem no mundo. O apóstolo Paulo traduziu isto ao falar do “culto racional” (Rm 12.1-2), isto é, o culto cotidiano, da vida. Ao mesmo tempo, esse culto diário, de cada indivíduo (que também pode ser articulado de forma grupal), não substitui a necessidade do culto que congrega pessoas num local e horário específicos, para ali ouvirem, experimentarem, adorarem, louvarem, orarem de determinado jeito, com o auxílio de determinados re-cursos. Assim, no todo da vida, no culto diário e constante, destaca-se o culto que congrega pessoas e faz delas uma comunidade. No caso do cristianismo, é ali, no culto, que a comunidade se fortalece na Palavra e na Ceia do Senhor. Ali ela festeja a presença do Ressuscitado. Congregada para o culto, ela se reconhece como corpo de Cristo, criado pelo Espírito Santo, consagrado para ser sal e luz no mundo. E esse culto, em local e hora marcados, acontece de uma certa forma, com determinados recursos, segundo uma liturgia.

Liturgia é tarefa da comunidade
Deus age. Ele vem e a comunidade reunida pode confiar que ele está ali em seu meio. A comunidade reage. E acontece culto. Como ação-resposta da comunidade, o culto necessita de preparo e coordenação. No caso da IECLB, os documentos normativos atestam que Deus vocaciona pessoas, a igreja as prepara e ordena, e as comunidades as escolhem para, entre outras tarefas, pregarem a Palavra e administrarem os Sacramentos.

Antes mesmo dos ministérios específicos, há o ministério de todas as pessoas crentes. E a IECLB advoga o sacerdócio geral de todos os crentes. Neste sentido, convém lembrar que esta Igreja, enquanto ainda não dispunha de pessoas ordenadas, contou com o trabalho dedicado de mulheres e homens que, devidamente incumbidos pela comunidade, pregaram a Palavra e administraram os Sacramentos. O ministério do sacerdócio geral, especialmente na liturgia, revigorou-se a partir dos anos 90. Desde então vem crescendo o papel desempenhado no culto da comunidade pelas chamadas equipes de liturgia. O alvo proposto para essas equipes é o preparo e a coordenação do culto da comunidade. As pessoas ordenadas fazem parte dessa equipe.

Essa tarefa, realizada por pessoas preparadas e autorizadas, a equipe de liturgia, não substitui o papel da comunidade. A equipe não faz o culto para que a comunidade assista a ele. A equipe coordena o culto, e um de seus integrantes o preside. Mas ela não substitui nem elimina o papel que cabe a cada pessoa com seus dons. O culto é ação-resposta de toda a comunidade. A comunidade celebra. O alvo maior de quem coordena e preside é o envolvimento e a participação ativa e significativa da comunidade.

Fonte: Livro de Culto da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
- Portal Luteranos
 


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