A necessidade de um espaço para o culto
O ser humano precisa de espaços para morar, trabalhar, divertir- se e também para cultivar a espiritualidade de forma coletiva. Cada espaço desses é moldado em um formato, de acordo com a necessidade de quem vai utilizá-lo e o objetivo que visa a atender.
Pensemos nas nossas casas, por exemplo. Como é o espaço onde moramos? De que forma o organizamos? Quanto aos objetos e móveis, como estão dispostos?
A nossa casa tem a ver com a nossa identidade, o nosso jeito de ser, não é? Cuidamos bem do lugar que habitamos. De acordo com as nossas condições, nós o organizamos e o decoramos conforme o nosso gosto pessoal. Afinal, a nossa casa é o nosso refúgio, o lugar do nosso descanso, de lazer, das nossas relações mais próximas. Queremos nos sentir bem neste lugar.
Mesmo que a nossas moradias sejam reflexo do nosso jeito de ser, as casas, em geral, seguem um padrão de utilidade: cozinhas, salas, quartos, banheiros, entre outros, e cada compartimento desses possui móveis e utensílios de acordo com a função que ocupam dentro da casa e para as pessoas que ali habitam. Podemos dizer que a organização de cada lugar está relacionada à função que ele ocupa na vida das pessoas e dos grupos.
Quanto ao lugar do culto, como organizamos este espaço e o que o defi ne como ‘espaço do culto’? Antes de entrarmos nestes detalhes, é preciso levar em conta algumas premissas:
- Deus não depende dos nossos templos ou Igrejas para se encontrar conosco - Deus não está preso a um lugar específico. Já no Antigo Testamento, conhecemos um Deus que acompanha o seu povo nas suas peregrinações pela terra de Israel, a exemplo dos patriarcas e das matriarcas, um povo nômade, que se deslocava de acordo com a necessidade. Lembremos da revelação de Deus na sarça ardente (Ex 3), na peregrinação de Israel pelo deserto (Ex 15ss). Lembremos, inclusive, que Deus acompanhou Israel para fora da sua terra, no exílio (2Rs 24.10ss e Ez 1-2). Deus está lá onde o seu povo está. Em Jesus de Nazaré, Deus faz morada entre nós (Jo 1.14) e vai se revelando no encontro com as pessoas, seja a caminho (Lc 24), nas casas (Mc 5.35ss), à mesa (Lc 14.15 ss), nas festas (Jo 2), também nas sinagogas (Lc 4.16ss) e em muitos outros lugares.
- A necessidade de um lugar para o culto é da Comunidade - Como para qualquer ajuntamento de pessoas, precisamos de um lugar para nos reunir. Em princípio, qualquer lugar serve para Deus encontrar-se conosco. Importa, porém, que algum lugar seja designado para o culto, de modo que a Comunidade saiba onde vai se encontrar e se reunir como corpo de Cristo, em culto. A partir da defi nição de um local como lugar de culto, este recebe as características que lhe são próprias.
Os sinais da presença de Jesus na Comunidade em culto
Jesus, após a sua morte e ressurreição, enviou o Espírito Santo ao seu grupo seguidor, o chamado evento de Pentecostes (Atos 2). Dessa forma, se concretizou a promessa dada por Jesus, que diz: Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século. O evento de Pentecostes é o marco do nascimento da Igreja cristã. Desde então, a Comunidade cristã não parou de se reunir, como corpo de Cristo, em assembleia, para realizar o culto.
O culto da Comunidade cristã sempre se caracterizou pelos sinais que o próprio Jesus deixou como indicadores da sua presença entre nós. São os chamados meios da graça, os quais são eficazes não por si só, mas pelo poder do Espírito, que age por meio deles, assim como das pessoas. Desta forma, podemos dizer que lá onde a Comunidade se reúne em nome do trino Deus (Mateus 18.20), onde a Palavra é pregada e os Sacramentos são administrados, lá acontece culto cristão, lá há sinais da presença de Jesus no meio do seu povo.
A Igreja ou o templo como lugar de culto
No início da vida da Comunidade cristã, os cristãos e as cristãs se reuniam nas casas. O importante era ter um local que oferecesse condições de abrigar as pessoas que queriam se reunir para a celebração da Ceia do Senhor, para participar das leituras bíblicas e das orações. Algumas Comunidades usavam espaços diferentes, um para a leitura e a interpretação da Palavra e outro para a Ceia do Senhor. Para o Batismo, elas usavam os lugares onde as pessoas tomavam banho ou, então, um simples riacho.
O número crescente de fi éis fez com que as Comunidades cristãs construíssem ou adaptassem salas maiores para os cultos. Esses locais passaram a ser chamados de Igrejas ou casas de oração. Nessa época, o que importava para a Comunidade cristã era ter um local para a sua reunião e não um prédio com características de templo. Mais tarde, com o crescimento da Igreja cristã, sobretudo quando ela adquiriu liberdade religiosa, surgiu a necessidade de um espaço maior para o culto e os templos recebem características de basílicas e catedrais. Hoje, os templos têm formas externas variadas, mas, em termos de espaços internos, há certo padrão.
Os espaços internos do templo e as suas funções no culto
Passemos, agora, a observar mais de perto a configuração interna do templo, a divisão dos espaços do culto e as suas funções litúrgicas.
Como vimos, o culto cristão se define pelos sinais da presença de Cristo no meio da Comunidade reunida. Esses sinais são visíveis também na forma de organizar o espaço do culto.
Os nossos templos, em geral, possuem dois espaços internos principais, que são:
- Altar – compreende o espaço da frente e abriga o púlpito ou estante de leitura (ou os dois), a mesa da Ceia do Senhor e a pia batismal;
- Assembleia – compreende o espaço dos bancos ou cadeiras onde a Comunidade se assenta. Este espaço, em geral, também é ocupado pelo grupo de Músicos.
O altar possui três importantes centros litúrgicos: mesa da Ceia, a estante de leitura ou púlpito e a pia batismal. Estes são chamados de centros litúrgicos, pois, em torno deles, acontece algo muito específico da liturgia. Na mesa, a Ceia. Na pia batismal, o Batismo. Na estante de leitura ou no púlpito, a leitura da Bíblia e a pregação da Palavra.
Cada um desses centros litúrgicos atende a um objetivo específico do culto, por isso a sua ornamentação é feita de acordo com a sua função.
Na mesa da Ceia, além dos paramentos, colocam-se os elementos e os objetos da Ceia (pão, vinho, pratos/patenas, cálices, jarra e guardanapos). Além disso, alguns poucos símbolos que ajudam a ressaltar a importância da mesa (velas, cruz e um singelo jarro de flores naturais).
Na pia batismal (com ou sem toalha, depende da sua forma), coloca-se água e assim deveria ser a cada culto e não apenas quando há cultos de Batismo, pois este centro litúrgico quer nos lembrar sempre, a cada vez em que nos reunimos em culto, que somos pessoas batizadas e temos um compromisso de fé a partir do Batismo.
A estante de leitura, por sua vez, como lugar da leitura bíblica e, em algumas Comunidades, também como lugar da pregação, poderia ter um formato de modo que pudesse sustentar a Bíblia de frente para a Comunidade, pois é este o centro litúrgico que representa a Palavra, lida e proclamada no culto.
No preparo do altar para o culto, é importante lembrar a importância e a função destes três centros litúrgicos, para que não ofusquemos estes lugares com aquilo que, em princípio, não lhes pertencem. Por exemplo, não encobrir a mesa com objetos que não são da Ceia. O mesmo vale para a pia batismal e para o púlpito. Em geral, este cuidado e esta atenção valem para todo o complexo do altar.
Às vezes, o altar está tomado de outros objetos, tais como caixas de som, instrumentos musicais, fios e até enormes vasos de flores e samambaias decorativas. Devemos sempre lembrar que o altar está voltado para a função da pregação da Palavra e da administração dos Sacramentos. Neste sentido, os objetos e os móveis que estão lá visam a atender este objetivo. O grupo musical e os instrumentos também têm um objetivo específico. Eles ajudam a Comunidade a expressar o seu louvor a Deus no culto, por isso eles deveriam estar o mais próximo possível da Comunidade.
Qual seria a melhor forma de assegurar a participação da Comunidade no culto? No culto, a Comunidade se movimenta, canta, senta, levanta, gesticula, dirige-se para o altar, no momento da Ceia, do Batismo, entre outros. A Comunidade precisa de um bom espaço para se locomover. Ao organizar o espaço do culto, cuidemos deste detalhe não menos importante, de participação no culto. O espaço da congregação precisa ser generoso, aconchegante, acolhedor, permitir-lhe a movimentação.
Neste sentido, é sumamente importante facilitar o acesso às pessoas com necessidades especiais e idosas. Este é um aspecto que não se pode descuidar. Especialmente, nesta área, a Comunidade cristã deve dar testemunho à sociedade. Caso contrário, como ela poderá pregar sobre o amor cristão se pessoas no seu meio ficam impedidas de chegar às Igrejas, ao altar da comunhão, ao espaço batismal, aos banheiros e demais áreas? Existem regras e determinações seguras para adequar espaços litúrgicos às necessidades das pessoas.
A conversa continua
Este assunto não termina aqui. Há muitos outros aspectos do espaço litúrgico que podem ser aprofundados, inclusive em reuniões de grupos da Comunidade. Entretanto, a título de conclusão, acrescento o seguinte: o lugar do culto é especial. Por ser um local dedicado ao encontro do Deus-conosco, o Emanuel, ele é sagrado.
Como tal, nós cuidamos e zelamos por ele, com amor e carinho, assim como fazemos com a nossa casa, mas o espaço do culto tem características próprias. É um espaço comunitário e atende às necessidades do culto, visa a dar destaque aos sinais da presença de Cristo no nosso meio.
Neste intuito, sempre que formos preparar o lugar de culto, perguntemos: qual é a melhor forma de destacar os sinais da presença de Cristo? Também na questão do espaço do culto, vale o que está escrito em João 3.30: importa que Cristo cresça e eu diminua
O lugar do culto é especial: por ser um local dedicado ao encontro do Deus-conosco, o Emanuel, ele é sagrado. Também na questão do espaço do culto, vale o que está escrito em João 3.30: importa que Cristo cresça e eu diminua.
Cat. Dra. Erli Mansk, graduada em Teologia, com ênfase no Pastorado e em Educação Cristã, com Mestrado Profissionalizante em Liturgia e Doutorado em Teologia Prática (A ritualização das passagens da vida: desafios para a prática litúrgica da Igreja), todos pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, é Coordenadora de Liturgia da IECLB
publicado no Jorev Luterano - agosto 2014