Tema do Ano 2013 – Texto-base
Tema: SER, PARTICIPAR, TESTEMUNHAR Eu vivo comunidade
Lema: Isaías 41.10: Eu sou o seu Deus. Eu lhes dou forças, ajudo e protejo com a minha forte mão.
Ajuda, proteção, mão forte – de onde e para quê? Estando na terra estranha, no exílio, sem perspectiva de futuro, o povo de Israel desesperou. Ali apareceu o profeta Isaías e anunciou que a situação dada não permaneceria como estava. Se a resistência das pessoas acabara, o Deus Javé não sucumbira. Ele é ajuda, proteção, mão forte. Deus cuida da sua gente! E assim, em nome de Javé, Isaías conclamou esse grupo para que reagisse, confiasse, mantivesse acesa a chama da esperança por mudança e recomeço. Chegara o tempo de retorno à terra natal! Na fraqueza de Israel iria manifestar-se a mão forte de Deus.
Em Jesus Cristo, esse Deus cuidador torna-se pessoa e confirma que age, é mão forte, sobretudo em meio às nossas fraquezas, os nossos “exílios”. O apóstolo Paulo entendeu essa aparente contradição assim: “quando sou fraco, então é que sou forte” (II Coríntios 12.10). Deus está com quem por ele foi criado. E a sua presença e ação se fazem na proporção inversa à nossa fraqueza e à sua aparente ausência. É esta a fé que nasce e sustenta pessoas onde essa mensagem é anunciada (Rm 10.17). E aqui está o cerne da espiritualidade cristã.
Essa presença de Deus é experiência pessoal (At 3.16). Revela-me que sou sua criatura; que sou indivíduo. Mas não é experiência individualista. Cremos e confessamos que Deus quer seu povo reunido e congregado em comunidade (At 2.42-47). Comunidade cristã é o espaço coletivo da manifestação de Deus (Mt 18.10). A comunidade é espaço coletivo privilegiado para encontrar-se com Deus e, através dele, exercitar o ministério do cuidado mútuo. Comunidade cristã é, por excelência, espaço que acolhe pessoas, que permite a experiência de estar na companhia de Deus. Através dele e da força que ele concede, nos sentimos na companhia de pessoas que nos querem bem e que caminham conosco solidariamente. E isso não acontece por mérito das pessoas que formam uma comunidade. Isso nos é dado; dado por Deus. Ele é que nos reúne, está conosco e nos acompanha na jornada da vida. Levanta-nos quando caímos. Assim é e assim manifesta-se a sua graça.
Disso cabe tirar consequências em relação à igreja, pois, em geral, nós participamos onde nos sentimos bem. Gostamos de estar com quem nos acolhe. Na verdade, precisamos disso como pessoas. E essa necessidade torna-se ainda maior quando somos confrontados com nossas limitações e fraquezas. Há motivos para buscar esse acolhimento na comunidade cristã?
Nosso problema de hoje não é o exílio vivido por Israel. Nosso problema são os inúmeros fatores do nosso contexto que levam pessoas ao desespero. Nossos dramas e motivos para desesperar devem-se, por exemplo, à insegurança crescente, à competitividade, à incerteza diante do amanhã, ao desenraizamento, à exclusão, à relativização, à destruição dos laços familiares e comunitários, ao desengajamento. E esse desespero fica ainda mais agudo quando tudo isso é tido por muitos como se fosse resultado de falhas pessoais e, por isso mesmo, problema privado. Diante dessa realidade, do ponto de vista cristão, comunidade é espaço ou precisa ser percebida como espaço no qual se quer participar porque lá se vivencia que Deus nos acolhe, congrega e dá forças. Ele é ajuda, proteção, mão forte. É isso que a vida comunitária permite experimentar. E é esse cuidado de Deus por nós que nos faz cuidadores recíprocos e suas testemunhas em todo lugar.
Essa convivência comunitária caracteriza a comunidade. Na comunidade acontece o amor fraterno. Comunidade cristã é assim. Bem por isso, essa convivência transcende os contornos da comunidade. Por um lado, quem experimenta o amor fraterno esforça-se por ultrapassar as fronteiras da comunidade. Por outro lado, exatamente por ter essa característica, a comunidade irradia e torna-se instrumento nas mãos de Deus no contexto em que está inserida. Por exemplo, “não-violência e renúncia ao domínio só se podem realizar no contexto da realidade social, e elas querem transformar exatamente esta realidade”. Comunidade é, desse modo, sociedade de contraste ( G. Lohfink, Como Jesus queria as comunidades?, SP, Paulinas, 1987, p. 82, 159, 171). Portanto, comunidade é, ao mesmo tempo, convivência e testemunho.
É convivência que cria e mantém unidade. Na comunidade cristã, o indivíduo é parte – membro – de um corpo maior. O “exílio” individual é percebido e assumido coletivamente. Desse modo, o membro encontra na comunidade a segurança que o cotidiano nega.
Porque redunda em convivência, a participação comunitária pode representar privação de liberdade. Na medida em que passo a integrar um conjunto, preciso abrir mão da individualidade absoluta. Portanto, na construção da unidade comunitária tem-se a tensão entre a segurança que, em meio aos exílios individuais, se busca, e a liberdade individual irrestrita da qual não se gosta de abrir mão.
Comunidade é convivência das diferenças (diversidade) que caracterizam a rica Criação de Deus. Não por acaso, comunidade viabiliza a inclusão e promove o respeito ao diferente. Esta é sua bandeira permanente. É por isso que também são distintas as possibilidades de engajamento na comunidade. Isso explica a multiplicidade de grupos e de frentes de missão numa comunidade.
Comunidade é convivência que desperta e aperfeiçoa seus membros para o exercício da vocação, encorajando pessoas a canalizar seus dons – em sentido bem amplo –, servindo na Missão de Deus, seja pela participação nas iniciativas da comunidade, seja como presença cidadã, como, por exemplo, pela postura ética diante da coisa pública.
Com isso já se aponta o papel da comunidade como testemunho. Comunidade está em contexto. Por promover a paz que vem de Deus, comunidade é testemunha do Evangelho através do que ela fala e através da sua forma de ser. Como tal, movimenta-se e é contraste ao que na sociedade moderna coloca pessoas na condição de exiladas. Como na mensagem de Isaías, comunidade é testemunha da resistência e da esperança anunciadas pelo profeta.
Um dos principais meios de manifestação desse testemunho é o serviço diaconal. Trata-se do conjunto de ações sem interesse próprio e transformadoras de sofrimento, que encarnam o amor radical de Jesus. Na diaconia se expressa de forma magistral a relação entre fé e amor. Fé e amor perfazem a natureza do cristão. A fé recebe, o amor dá; a fé leva a pessoa a Deus. O amor aproxima do próximo. Através da fé, ela aceita os benefícios de Deus. Através do amor, ela beneficia seus semelhantes (Martim Lutero).
Desse modo, o testemunho da comunidade prima pelo cuidado. Por saber-se amado por Deus, o membro da comunidade não se ocupa consigo mesmo de forma egoísta, mas dispõe do seu tempo e dedica os seus dons com vistas ao cuidado do outro e da outra. Sabendo-se cuidado, o membro cuida; a comunidade cuida.
Em 2012, o Tema do Ano analisou a comunidade cristã a partir da perspectiva da juventude: compreendendo a juventude, o que é uma comunidade jovem? Em 2013, a pergunta que o Tema levanta é pelo lugar da pessoa na comunidade – o cuidado com ela, sua experiência de ser pessoa, de ser pessoa livre para pensar e discernir, e de integrar a comunhão – e o seu papel, através da comunidade, em relação à sociedade.
Pela ação de Deus através das pessoas congregadas, comunidade cristã é espaço de estabelecimento de vínculos, de organização em grupos, de cumplicidade, de resgate da história, de criação de identidade, de cura, de testemunho público, de liberdade para pensar e discernir, de articulação da missão de Deus confiada a seus filhos e às suas filhas. E é essa a igreja que queremos ser, mais e mais. Dela pessoas sentem-se movidas a participar e a corresponder aos valores do Reino de Deus. É em relação a essa igreja que os membros da IECLB dizem com alegria e convicção: Aqui em sou membro! É desse grupo, a comunidade cristã, que eu faço parte! Essa comunhão eu integro! Companhia assim eu sempre quero ter! Eu vivo em comunidade!
P. Nestor Paulo Friedrich
Pastor Presidente