Meditação de Abertura da Consulta da Igreja da Baviera
SER, PARTICIPAR, TESTEMUNHAR: EU VIVO COMUNIDADE – Este é o Tema do Ano de 2013 na IECLB.
O Lema bíblico que acompanha o Tema do Ano encontra-se no livro do profeta Isaías 41.10, que diz: Não fiquem com medo, pois estou com vocês; não se apavorem, pois eu sou o seu Deus. Eu lhes dou forças, ajudo e protejo com a minha forte mão.
Nesta meditação, dispus-me a buscar insights nessa palavra de Isaías para o tema da nossa Consulta. No caminho da busca de iniciativas para que a Igreja de Jesus Cristo contribua para a superação da violência, qual a inspiração que encontramos nessa palavra do profeta?
Isaías tinha diante de si pessoas literalmente quebradas! Humilhadas! Dispersas! Castigadas! Exiladas! Pessoas que experimentaram a violência da forma mais cruel possível de imaginar. No século 6 a. C., elas foram arrancadas da sua terra natal e levadas como prisioneiras para o exílio da Babilônia. Percebamos: Isaías não foi enviado para um tempo de férias em uma praia do Nordeste brasileiro! Isaías foi enviado por Deus ao encontro de pessoas que haviam perdido a esperança e a confiança, em si e em Deus.
O livro das Lamentações retrata muito bem aquele momento histórico. O que diziam aquelas pessoas no exílio?
Não tenho muito tempo de vida, e a minha esperança no SENHOR acabou (Lm 3.18).
Fizeste com que as nações olhassem para nós como se fôssemos um monte de lixo e refugos (Lm 3.45).
Isaías confirma que esse era o sentimento do grupo de exilados: Povo de Israel, por que você se queixa, dizendo: “O SENHOR não se importa conosco, o nosso Deus não se interessa pela nossa situação”? (40.27).
Quando Deus vocacionou o Segundo Isaías, essas pessoas já estavam há 50 anos no exílio. Nesse tempo todo, sofreram sob o domínio e a propaganda política de outros povos, sob a adoração de outros deuses. Afinal, Javé era um deus derrotado – assim sentiam. Cercados por outras culturas, exilados perderam a sua memória histórica. A sua identidade estava turva. Pensemos no que tudo aconteceu e mudou nos últimos 50 anos no país onde cada um de nós vive!
Exílio... Violência... Esperança definhada... Visão turva... Violência: instrumento que destrói a memória e apaga o rumo do caminho futuro.
Ali, bem ali onde a violência parece ter vencido, Deus orienta Isaías e lhe diz:
Consolem, consolem o meu povo. Falem carinhosamente aos moradores de Jerusalém e digam-lhes que já terminou a sua escravidão e que os seus pecados foram perdoados (40.1-2). Não fiquem com medo, pois estou com vocês; não se apavorem, pois eu sou o seu Deus. Eu lhes dou forças, ajudo e protejo com a minha forte mão (41.10).
Assim Isaías dá início ao seu ministério. Esse jeito de Isaías exercer o seu ministério profético pastoral é inspirador. Pode inspirar a Igreja diante da violência hoje. Colocando-se como parceiro no caminho das vítimas da violência, Isaías interage com elas. Isaías vai ao encontro, respeita, acolhe, dialoga. A presença profética contribui para o resgate do nome de cada um desses seres humanos vítimas da violência. A presença profética é instrumento para transformar aquela massa disforme, sem nome, manipulada.
Isaías resgata a história: Lembrem-se da rocha da qual foram cortados, da pedreira de onde foram tirados (Isaías 51.1). Pensem no seu antepassado Abraão e em Sara, de quem vocês são descendentes. (...) eu o abençoei e lhe dei muitos descendentes (v. 2). Não tenha medo, pois eu o salvarei; eu o chamei pelo seu nome, e você é meu (43.1).
Através de Isaías Deus confirma que cuida da sua gente. Através do profeta Deus conclamou aquele povo para que reagisse, confiasse, mantivesse acesa a chama da esperança por mudança e recomeço. O tempo para voltar para casa estava chegando! Na fraqueza desse povo violentado iria manifestar-se a mão forte de Deus.
Em Cristo, Deus nos chama a uma relação de confiança com ele. Essa confiança é decisiva diante de momentos de dúvida, de crise, de angústia, especialmente diante dos desafios relacionados à superação das formas de violência na sociedade de hoje. Essa confiança será fonte de força para seguir, não desistir, enfrentar, lutar, servir a Deus. Para mim, o testemunho de Isaías é parâmetro fundamental para o seguimento a Jesus Cristo em nossos dias com vistas à superação da violência.
Como Igreja de Jesus Cristo, na nossa condição de Igrejas luteranas parceiras da ELKB, cremos no Deus que conhece seus filhos e suas filhas pelo nome, os criou, com eles e com elas tem uma história, não vira as costas para eles e elas. Deus é presença viva na superação das formas de violência hoje.
Com base nessa convicção de fé, quero compartilhar com vocês alguns exemplos de violência na nossa realidade brasileira e que apontam para o desafio que temos enquanto Igreja luterana na superação de formas de violência.
1. (Exemplo Jornal Zero Hora de 15.07.2011) Na manhã seguinte à instalação de containers para coleta mecânica de lixo em Porto Alegre/RS, um pai levava os seus dois filhos adolescentes para a escola. Ao passar pela avenida, avistaram os containers. O pai viu e elogiou a iniciativa. O seu filho de 15 anos olhou com descrédito e disse:
- Pai, quantos dias será que vai levar para destruírem o primeiro container?
O pai pensou em reprimir o filho, mas avaliou tratar-se de pessimismo matinal.
Na manhã seguinte, qual não foi a surpresa daquele pai ao acordar com a notícia de que dois containers foram incendiados.
Esse pai ficou revoltado, é óbvio, mas a sua maior mágoa tinha a ver com a reação do seu filho. Esse pai percebeu que o seu filho estava contaminado por um pessimismo realista que perpassa a nossa sociedade. Há uma crise de esperança. Pior, convivemos com pessoas desajustadas diante do patrimônio de todo gênero – escolas, trânsito, prédios, reflexo e fruto de décadas de descaso com a educação.
Enquanto a utopia não vira realidade, esse pai torce para que o fogo dos insanos não destrua a esperança do seu filho na humanidade!
2. O nosso mercado religioso, que acredito não ter parâmetro nos seus países, vive de uma dupla moral e mascara uma realidade de violência sem igual. Falemos sobre a violência contra mulheres. Conforme as estatísticas, das denúncias de agressão contra a mulher no Brasil, 68,8 % se originam na família. A violência física é a mais frequente, alcançando cerca de 56% dos casos, seguida pela violência psicológica, com 28%, a violência moral, com 12% e a sexual, com 2%.
Diante desse quadro, é chocante o relato no livro Até quando? – O cuidado pastoral no contexto de violência contra a mulher praticada por parceiro íntimo:
Meu marido foi para a igreja umas três vezes e depois falou para todo mundo que ‘achou Jesus’, mas parece que ele achou foi o capeta. Desde que virou ‘crente’, ele me maltrata. Ontem, ele deu na minha cabeça com uma garrafa e apertou a minha garganta. Ele já rasgou as minhas roupas e jogou no meio da rua. Ele me humilha na rua. (p. 46)
O relato da atitude desse marido nos traz de forma magistral a violência praticada contra as mulheres e o quanto até mesmo o nome do Deus de Israel, de Isaías, o Deus revelado em Jesus, o nosso Deus é usado para praticar a violência mais sórdida que conseguimos imaginar.
Como no exílio babilônico, a violência está entre nós. Ela vem travestida de muitas formas. Motivadas pelo Espírito do Deus do profeta Isaías, revelado em Jesus Cristo, as Igrejas carregam no centro da sua tarefa o compromisso com a superação da violência, esteja ela presente como e onde for, por isso é tão oportuna esta Consulta.
Não fiquem com medo, pois estou com vocês; não se apavorem, pois eu sou o seu Deus. Eu lhes dou forças, ajudo e protejo com a minha forte mão.
Amém.
P. Dr. Nestor Friedrich
Pastor Presidente
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB