Presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil



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ID: 2275

Eleições 2004

Carta Pastoral da Presidência

11/08/2004

Em momentos determinantes da sociedade brasileira, a IECLB, no exercício de sua responsabilidade pública, tem dirigido a suas comunidades, em particular a seus presbitérios, e aos integrantes de seu quadro de obreiros e obreiras, sua mensagem de estímulo ao compromisso com a nossa realidade.

O pleito eleitoral é um destes momentos, visto que se reveste sempre de profundo significado e pode abrir caminho para respostas às grandes questões que afetam o desenvolvimento de um país e o futuro de seu povo e instituições. Nesse processo, renova-se a esperança por mudanças que assegurem novas possibilidades de vida numa conjuntura favorável às transformações há tanto reclamadas pelos setores mais desprivilegiados de nossa sociedade.

Qual a responsabilidade da comunidade cristã nas eleições e nos processos políticos? Pelo amor, as pessoas cristãs são servidoras umas das outras (Gálatas 5.13), e esse servir inclui a política. Assim, às vésperas de novas eleições municipais, reafirmamos a nossa responsabilidade, como Igreja de Jesus Cristo, nos assuntos políticos e sociais de nossa pátria, e chamamos a atenção para alguns pontos decisivos no atual cenário político brasileiro.

Eleições: uma questão de todos nós

A importância do processo democrático na ótica e vivência luteranas

Eleições são significativas em uma democracia. Elas são parte fundamental na construção do pacto social que determina os caminhos sociais, econômicos e ambientais no dimensionamento da qualidade de vida de toda a população.

Historicamente, nos mais diferentes países, a comunidade luterana colaborou em muito para que a sociedade tivesse o direito de escolher seus dirigentes. Eleições estão, de certa forma, implícitas na compreensão evangélico-luterana de comunidade como “sacerdócio de todas as pessoas” ou como corpo de Cristo, conforme a compreensão apostólica. Na prática luterana, e também na vivência da IECLB, há eleições para a escolha de obreiros e obreiras nos campos de trabalho, de pessoas integrantes dos presbitérios nas comunidades, bem como para os cargos de Direção da Igreja.

Martim Lutero defendeu o direito das comunidades tomarem suas próprias decisões, enquanto os países e territórios ainda eram governados por reis e príncipes, que não eram escolhidos pelo povo. Eleições são, portanto, preciosos espaços para a comunidade luterana. Esta compreensão foi colocada em prática pelos protestantes ainda no Brasil Império, quando aqui se fixaram a partir de 1824, há 180 anos. Eleições são um importante instrumento para a construção de uma sociedade livre e democrática, com um pacto social consistente, que promova a liberdade, a justiça e a paz.

Hoje, muitas pessoas se mostram indiferentes em relação às eleições. Certamente, esta postura não contribui para a democracia e para o pacto social. No entanto, estamos sendo chamados para o testemunho, também no campo da política, e não podemos nos omitir. Não é possível deixar o destino de um município, estado ou da própria nação na mão de um pequeno grupo, mesmo que este afirme que quer fazer o melhor pelo povo. A visão e a consciência de um pequeno grupo são sempre parciais e limitadas; por isso, devem ser motivo de constante alerta e atenção. Nesse sentido, eleições são um instrumento do amor cristão para libertar a nação de visões e consciências viciadas. Para tanto, pessoas cristãs e não-cristãs atuam no âmbito da política, da economia e da ordem social, mediante o uso da razão. No entanto, essas áreas da vida humana em sociedade, conforme Lutero, estão submetidos às exigências da vontade de Deus, e tudo o que nelas se fizer, mediante a razão, deverá estar a serviço do amor, do atendimento às necessidades humanas do povo, do estabelecimento do direito e da promoção da justiça. Para que este propósito se cumpra, a razão deve ser libertada de seus interesses em proveito próprio e ser capacitada para servir.

O crescimento do “voto evangélico”

Um novo cenário no processo eleitoral


Entre os eleitores no país (hoje cerca de 120 milhões), há um expressivo e crescente número de “votos evangélicos” (aproximadamente 20 milhões de votos). Estes podem, em várias circunstâncias, ser determinantes na consagração de candidatos a cargos públicos. Isso torna os evangélicos um segmento cobiçado do colégio eleitoral, criando o risco de alianças comprometedoras e prejudiciais para o futuro e a credibilidade de nossas instituições sociais, reduzindo o nosso voto a interesses particulares e em benefício de projetos institucionais e paroquiais. Isso significa a distorção de nosso compromisso maior – empenhado, no conjunto da sociedade brasileira, com as necessidades básicas de nosso povo, sem distinções de natureza confessional ou ideológica. Como evangélicos, membros da comunidade luterana, estamos inseridos na realidade social e na política, e não podemos deixar de exercer plenamente o nosso direito e dever de votar com a consciência voltada para a grandeza de uma nação, por sua vez inserida no contexto internacional, como uma voz nova e atuante no clamor universal para um novo mundo de justiça e de paz.

Antigas realidades – permanentes desafios

Promessas e fatos: até onde vai o poder dos candidatos


Em períodos eleitorais, a propaganda dos mais diferentes candidatos e partidos tende a ressaltar as mesmas grandes questões locais e nacionais, prometendo soluções muitas vezes fora de suas capacidades legais ou pessoais.

Uma análise de eleições anteriores demonstra que, tantas vezes, são feitas promessas posteriormente abandonadas ou impossíveis de serem cumpridas na prática. Em conseqüência, a política e o mandato público são vistos, mais e mais, de forma negativa pelo povo. Há temas, por certo, indispensáveis no contexto de nossa realidade. Não é possível esquecer que elementos necessários para a construção democrática de uma nova sociedade são os direitos humanos e a cidadania. E cidadania requer ações como luta contra a miséria, a fome, a doença e o desemprego; esforço para extirpar a violência e a corrupção, as desigualdades sociais e a destruição do meio ambiente; empenho em favor de educação e moradia para todos, de reforma agrária, de libertação do trabalho escravo e de um novo destino para as crianças de rua.

São estes, entre tantos outros, os mesmos velhos e desafiadores problemas que atravessam a nossa história e afetam profundamente o processo de reconstrução do país. Na medida em que buscarmos sua solução ou superação, estaremos contribuindo não apenas para renovar radicalmente a nossa sociedade, mas para oferecer ao mundo uma nova qualidade de vida – e vida em abundância (João 10.10). E, se parece que entramos no mundo da utopia, devemos lembrar que no horizonte de novos céus e uma nova terra, segundo a promessa de Deus (2 Pe 3.13), devemos inserir também nosso sonho libertador guiados pelo Senhor Jesus, que deu a sua vida em favor da humanidade (Jo 3.16), e nos convida e desafia a segui-lo em fé, esperança e amor (1 Co 13.13).

Devemos cuidar também para que esses desafios vitais da realidade humana, resumidamente indicados, não fiquem no terreno de meras promessas, não cumpridas talvez por falta da constante vigilância que o momento exige de todos nós. Isso porque nossa atuação na política e na sociedade não termina com o voto. Muito pelo contrário, é com ele que começa e se aprofunda a nossa responsabilidade pública como pessoas cristãs.

Pontos de partida para a mudança

Olhando para a realidade dos municípios brasileiros

As eleições municipais – e sua significação para o poder local - estabelecem um parâmetro fundamental para o exercício da cidadania, preparando-nos para outras instâncias da prática democrática, predominantemente em termos nacionais. Agora, porém, como cidadãos e cidadãs responsáveis, temos a oportunidade de enumerar os problemas mais graves e urgentes em nosso município e na cidade onde vivemos.

Pensando em cada um dos nossos municípios, podemos levantar uma série de perguntas que poderão guiar nosso discernimento político e nossa decisão de voto. Seguem alguns exemplos: Será que estamos no bom caminho? A cidade está arborizada? Nossas ruas, rios e córregos estão limpos? O trânsito é tranqüilo e ordenado? É possível circular de bicicleta sem risco de perder a vida? E em cadeira de rodas? É possível conversar sem competir com propagandas gritadas e carros de som? As festas terminam sem violência? Todas as crianças e jovens estão na escola? As pessoas recebem prontamente o adequado atendimento à saúde? Todos os adultos têm trabalho e ocupação dignos? (Cf. Luis Felipe Cesar, Ponte Velha). Se a resposta a essas perguntas for não, estamos pelo menos melhorando? As leis e os projetos públicos estão na direção certa? A política é transparente? A população pode participar nos processos de decisão e nos programas ou é mero objeto?

Estas e muitas outras perguntas, de acordo com cada realidade, podem servir de base para um oportuno diálogo com as candidatas e os candidatos, principalmente os de origem evangélica, dando-lhes a assessoria possível, fazendo-lhes sentir as expectativas da população e as exigências do próprio Senhor da vida. Cada comunidade saberá, nos limites de seus municípios e cidades, quais as maiores e mais urgentes necessidades do povo – e as formas de culto e de conscientização que estimulem os seus membros –, sem esquecer a influência que exerce na própria sociedade local, na reivindicação das soluções adequadas a cada situação.

A responsabilidade pública da comunidade cristã não se esgota com a participação nas eleições. Ela se estende ao longo do mandato das pessoas eleitas. Nesse tempo ela adquire a face da vigilância e da consciência crítica. Cabe-nos vigiar e contestar as autoridades, sempre que descumpram os seus compromissos e deveres para com o povo e a sociedade, como ainda dizia Lutero: “Não é subversivo criticar a autoridade quando ocorre livre, pública e honestamente no ministério ordenado da palavra de Deus. Ao contrário, é uma rara virtude louvável e nobre, até mesmo um serviço a Deus especialmente grande.”


Responsabilidade pública dos cristãos

A política como instrumento para a promoção da vida digna

A palavra “política”, na sua origem, tem o significado de “administrar as coisas públicas em favor de todos os cidadãos”. Isso significa que o amor ao próximo usa a prática política como instrumento eficaz para solucionar os problemas do nosso povo e promover a renovação da vida em todas as instâncias sociais. E assim chegaremos ao município e à cidade que desejamos, ao mundo melhor com que sonhamos.

Lutero colocava o Evangelho acima de todas as coisas. Ainda assim, não se descuidava dos assuntos políticos, econômicos, sociais, culturais – como expressões da responsabilidade provinda da fé, diante de Deus e do próximo. Podemos entender a relação entre fé e política, a partir de suas colocações, como uma prática sob a soberania de Deus, Senhor tanto da Igreja como do Estado. Na Igreja alimentamos nossa fé pela palavra e pelos sacramentos. Em nossa vida pública exercitamos a justiça e o cuidado para com os mais fracos como propósito divino contra a tentação das injustiças e das exclusões. Através da política e do Estado (leis, programas, movimentos sociais, partidos e governos) exercitamos nosso amor para com o próximo, atendendo o povo em suas necessidades e anseios por uma vida digna.

Porto Alegre, 11 de agosto de 2004

Walter Altmann
Pastor Presidente da IECLB
 


Autor(a): Walter Altmann
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Presidência
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Manifestação oficial
ID: 12579

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