“Contribuição” tem muitas formas. Podemos contribuir com o nosso tempo, nossas capacidades, experiências, forças, bens materiais. Assumir um cargo na comunidade a exemplo daquele do presbítero, não deixa de ser uma maneira de contribuir. E ela é de extrema importância. A comunidade evangélica luterana vive da contribuição de seus membros. Se não mais houver membros contribuintes, ela vai morrer.
Isto vale também para a “contribuição financeira”, assunto este no qual vamos concentrar a nossa atenção. É verdade que a comunidade cristã vive da palavra de Deus. É esta a fonte de sua vida. Não é o dinheiro que desperta a fé. Mas seria um engano entender isto como licença para descuidar das finanças. Estas garantem o funcionamento da comunidade, a pregação da palavra, a infra-estrutura de sua missão. Trata-se de uma evidência que não necessita de justificação. Todas as instituições, incluindo a igreja, necessitam de verbas para custear seu trabalho. Assim também as comunidades da IECLB.
Já que a filiação a uma comunidade religiosa é voluntária, tudo depende da contribuição espontânea de seus membros. Não é como no estado que pode obrigar o cidadão a pagar os impostos. Sonegação de impostos até mesmo é considerada crime. Na igreja as coisas são diferentes. A comunidade luterana não pode impor “leis”. Ela deve apelar à boa vontade de seus membros. É verdade que a IECLB estabelece diretrizes, ela define normas, quando se trata do salário dos obreiros, por exemplo, ou da contribuição das paróquias à administração central. Mas a IECLB sabe que não pode forçar nada. Ela necessita da compreensão, da disposição e do apoio de seus membros.
Por isto ela deve investir na motivação. É fundamental conseguir o consentimento dos membros com os gastos, com o uso dos recursos, com o modo da arrecadação. Contribuição tem a identificação das pessoas com a comunidade por premissa. É importante que as pessoas se orgulhem da sua igreja. Membros motivados vão contribuir com alegria. O grau de satisfação dos membros tem reflexos no caixa da comunidade. Eu costumo dizer que dinheiro não é questão material, e, sim, espiritual. Em comunidade viva não vai faltar dinheiro. Claro, se os membros forem pobres, também os recursos serão escassos. Por isto mesmo proíbe-se medir a fé da comunidade com base no volume das finanças. E, no entanto, muitas comunidades pobres contribuem com bem mais do que comunidades ricas, lamentavelmente. Nem sempre riqueza é sinônimo de generosidade.
A partir do exposto eu vou tentar responder três perguntas que me parecem fundamentais quando se trata de contribuição. A primeira é: Por que devemos contribuir? A segunda: Que significa “contribuição” em termos exatos e precisos? E a terceira: Como gerenciar contribuição de modo “evangélico”? Trata-se de refletir sobre o porquê, sobre a compreensão e finalmente sobre a prática da contribuição em nossas comunidades.
Quanto à primeira pergunta referente ao “porquê” da contribuição, inicio constatando que todo membro da comunidade é contribuinte - ou então deixa de ser membro. Não existem membros isentos de contribuir. No imposto de renda, sim. O estado isenta pessoas com renda abaixo de determinado limite. Isto não se aplica na igreja. A razão é muito simples: Não existe “membro” do corpo que não cumpra determinada função. Todos os membros são importantes, disse o apóstolo Paulo em 1 Co 12, todos receberam o seu carisma, todos têm algo a contribuir. Quem o nega se afasta do corpo e deixa de ser membro. Aquele membro entra em “disfunção”.
Este é um dos fortes argumentos em favor da “contribuição geral de todos os crentes”. Existem outros. Lembro que como cristãos sabemos das nossas dívidas junto a Deus. Nós vivemos, sem nenhuma exceção, do que Deus nos deu e dá. Isto vale tanto em termos materiais como espirituais. Vivemos do que a natureza nos dá e vivemos do que o evangelho nos dá, a exemplo de fé, amor e esperança. E Deus sempre dá de graça. Será demais agradecer a Deus por isto? Isto não só com as nossas palavras, com a boca, como também com as nossas ofertas. Quem não sabe agradecer, é duro de coração, cego com relação às dívidas com Deus, deixa de ser gente para se tornar robô.
No capítulo 9 da sua primeira carta aos coríntios o apóstolo Paulo defende o direito de ser remunerado pelas comunidades. Ele o faz com unhas e com dentes. Entre outras coisas ele pergunta: “Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito recolhermos de vós bens materiais”? ( 1 Co 9.11) Existe uma correlação entre ambas as coisas. A pregação da palavra do evangelho deve ter retorno financeiro. Isto não só em termos de salários como em também em termos de participação na missão da igreja. É por isto que Paulo procura motivar as suas comunidades para uma coleta em favor dos cristãos de Jerusalém, de onde partiu o evangelho. Isto em 2 Co 8 e 9. Portanto, dinheiro na comunidade se destina não só ao pagamento de salários e outras despesas da própria comunidade. Ele se destina também para levar adiante a missão da Igreja maior. Se as paróquias quiserem cobrir apenas os custos internos e deixam de olhar para além de seus muros, a IECLB jamais será igreja missionária.
Com isto já nos aproximamos da segunda pergunta que diz respeito à compreensão da contribuição. Já deve ter ficado claro que contribuição não é “pagamento”. A gente não paga a Deus por suas dádivas, a gente agradece. Eu não pago pelo direito de ser membro de minha comunidade. Foi Deus que me deu este “direito”, e isto por graça, pelo batismo, pelo chamado do Espírito Santo. Naturalmente o dinheiro serve para “pagar” serviços. Também é verdade que pela minha filiação eu adquiro direitos na paróquia, a exemplo o de um “enterro religioso”, muito embora estes direitos estejam condicionadas a ainda outras premissas. Eles estão definidos em estatuto. Mesmo assim importa não esquecer que antes de perguntar pelos meus direitos devo perguntar pelos meus deveres. A comunidade não é um clube criado para atender determinadas necessidades de seus sócios. Ela é o corpo de Cristo, constituída de membros. Na igreja não existem sócios, só existem membros e estes são como vimos contribuintes por natureza.
É interessante que na igreja dinheiro parece ser um tabu. A gente não gosta de falar. Trata-se de um assunto de alta sensibilidade. Imaginando quais poderiam ser os motivos penso que são diversos. Prevalece ainda a idéia que fé e dinheiro são coisas que não se misturam. Ademais, as pessoas procuram economizar, segurar os gastos e cortar despesas. E onde o corte menos dói, é na contribuição à igreja. Para muitos se trata de algo como um supérfluo. Cabe à comunidade mostrar que isto é um trágico engano, ou seja, é necessário trabalhar o tema dinheiro na comunidade. É verdade que o “lucro”, ou seja, o proveito não seja visível de imediato. É como na educação. Os frutos demoram a aparecer. Não são diretamente visíveis.
Assim acontece também com a comunidade. E, no entanto, sua falta vai resultar em doloroso empobrecimento das pessoas. Fé é um assunto por demais precioso para dele descuidar e não merecer investimento. A IECLB precisa de dinheiro para levar adiante a divulgação do evangelho e espalhar o espírito evangélico-luterano entre o povo. Um mundo sem fé, amor e esperança se torna frio, violento, brutal. Então, convém sepultar o estranho constrangimento frente a assuntos financeiros. Dinheiro é nada sujo quando colocado a serviço da causa boa.
Assim como a contribuição não é pagamento, assim ela também não deve ser confundida com uma aplicação financeira. Reside aí o grave equívoco das assim chamadas religiões da prosperidade. Menciono tão somente a “Igreja universal da graça” ou a “Igreja universal do Reino de Deus”. Estas descobriram que com a fé se pode fazer bom negócio. Nestas igrejas dinheiro é o que não falta. Transformaram a igreja de Jesus Cristo numa bolsa de valores, na qual se investe para ganhar. Deus, tal o raciocínio, não fica devendo a quem investe dinheiro em sua igreja. Vai retribuir com bênçãos em termos de sucesso, de cura, de ascensão social, de prosperidade. Aliás, isto se você crê. Caso Deus o despedir de mãos vazias, o culpado é você, porque não creu o suficiente. Este é o aspecto diabólico nessa história. Pode criar traumas nas pessoas por culpá-las de falta de fé em caso de insucesso. Trata-se de uma modalidade de explorar a ingenuidade do povo. Contribuição é outra coisa. Pelas bênçãos de Deus podemos e devemos rogar. Mas jamais as podemos comprar.
Quanto à terceira pergunta, ou seja, com relação à prática da contribuição inicio dizendo que ela deve ser proporcional. É este o princípio bíblico. Permito-me citar uma palavra de Jesus. Ele disse: “Mas a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e aquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão.” Assim lemos em Lc 12.48. As responsabilidades se graduam e acordo com as capacidades, os dons, as potencialidades. E estas não são iguais. Entre os membros da IECLB existem os melhor e os pior situados. Por isto mesmo a contribuição não pode ser igual para todos.
Eu sei que o princípio da proporcionalidade sofre contestação nas paróquias. Alega-se outro princípio, a saber, o da igualdade de direitos e deveres.
Ora, este princípio passa ao largo da realidade social em nosso país, no qual prevalece a desigualdade. Somente proporcionalidade fará jus à situação. E não é somente a desigualdade econômica que a recomenda. Também outras desigualdades deverão ser consideradas. Como eu já disse, os carismas dos membros são diferentes. Por isto são exortados a se servirem mutuamente. Isto de acordo com a “lei de Cristo” que, conforme o apóstolo Paulo, consiste em carregarmos as cargas uns dos outros (Gl 6.2). A comunidade cristã deveria ser um exemplo de tal “fraternidade”. Aliás, nem se trata de fraternidade. Trata-se simplesmente de uma questão de justiça.
Quero sublinhar que proporcionalidade não deve ser confundida com “percentualidade”. Para quem ganha um salário mínimo cinco porcento de sua renda pesa bem mais no orçamento familiar do que no caso de uma renda de dez salários. Na verdade é extremamente difícil senão impossível fixar o significado de proporcionalidade em números exatos. Ela exige boa dose de espontaneidade a critério do contribuinte. O que a paróquia deveria fazer é definir a contribuição média de seus membros para então apelar aos melhor situados a contribuir com mais e abrir a possibilidade de contribuir com menos se os recursos forem escassos. Apostar na espontaneidade apenas, não funciona. Os membros precisam de orientação e de motivação. Devem ser dadas diretrizes. Existem modelos para tanto que tem funcionado a contento. Mas volto a dizer que isenção de contribuição deve ser evitada. Ninguém é tão pobre ao ponto de não poder contribuir com absolutamente nada.
Com a mesma determinação se deve cuidar para que não ocorra a exclusão de membros por motivos de pobreza. Muitas vezes eles se auto excluem porque consideram pobreza uma vergonha. Ora, o membro com menos recursos é tão valioso quanto aquele com muitos. Pobreza pode ter motivos alheios à nossa vontade e nem sempre resulta de culpa. E mesmo se isto for o caso não há porque abandonar a comunidade. Certamente há como resolver a pergunta pela contribuição que, aliás, é uma questão também de dignidade. Eu me sentiria mal se devesse me sentir como peso morto na paróquia.
E se um membro atrasar a contribuição? Sei que esse é um dos problemas candentes. Ora, em princípio há que se distinguir entre os que não podem e os que não querem contribuir. Penso que uma conversa fraternal vai resolver muito. Não basta baixar uma “lei”. É preciso conversar. Ademais é importante haver certa flexibilidade na procura por soluções. Estas não devem exigir o impossível. A que se deve o atraso na contribuição? Creio que um pouco de boa vontade a maioria dos casos poderá ser resolvida. Mas com isto eu entro num campo em que vocês colegas pastores e presbíteros têm muito mais experiência do que eu, razão pela qual termino aqui minhas reflexões.
P. Gottfried Brakemeier
em palestra proferida no Sínodo Nordeste Gaúcho em março de 2013