Da dimensão relacional
O processo educacional, seja escolar, comunitário-eclesial ou popular, orienta-se pela máxima de que o ser humano e a sua dignificação são o meio e o fim da educação. A dignificação do ser humano, a partir da justificação pela graça de Deus, norteia a elaboração do projeto político-pedagógico, a construção curricular, a organização dos princípios e ações metodológicas e os critérios de avaliação.
Um dos princípios da dignificação do ser humano é o respeito à sua individualidade. Martim Lutero, baseado na sua compreensão da justificação por graça e fé, formula na introdução do Catecismo Menor: “a ninguém se pode e nem se deve obrigar à fé”. Em decorrência dessa compreensão, deve-se salvaguardar o direito à individualidade e promover a autonomia de pensamento, que consiste na capacidade de reflexão crítica, de discernimento e de tomada de decisões.
A relação entre educador e educando acontece através da experiência dialógica, que é caracterizada pelo saber ouvir, pelo respeito mútuo, pela cumplicidade e pela criticidade. A pessoa do educador atua como mediadora das relações pessoal e dos saberes científicos, teológicos e pedagógicos. Ela atua, também, como provocadora de novos processos de aprendizagem. Diante disso, a atuação do educador não se limita à tarefa de executar o processo educativo, mas integra a função profética, pois proclama a reconciliação da pessoa com Deus, com seus semelhantes, com a integralidade da criação e, em conseqüência, consigo mesma. Ao exercer a função profética, a pessoa do educador contribui com a construção de sinais do Reino de Deus e com a possibilidade de realização dos sonhos e desejos humanos.
Da dimensão institucional
A educação se faz por meio da instituição e da institucionalização de valores e práticas (ações). Para isso, é necessário investir na formação e capacitação continuada das pessoas que ocupam a função de gestoras dos processos pedagógicos e administrativos. Também é preciso investir nos processos de organização do aparato legal, a fim de possibilitar lisura e transparência nas questões administrativas. A gestão se faz por meio do trabalho de diferentes sujeitos que, em equipe, buscam alternativas e soluções para os diferentes afazeres do cotidiano institucional, estabelecendo metas e ações a serem executadas.
É função da instituição eclesial-educacional constituir um projeto criativo de educação. A dimensão institucional supõe a análise do contexto de cada local de ensino, a fim de verificar as possibilidades e as necessidades, com vistas à construção do projeto político-pedagógico. No cenário institucional, regras e leis transitam entre o que já está consolidado – por vezes até engessado – e aquilo que ainda está por ser construído. As regras e as leis são necessárias, pois expressam um dever-ser que organiza e dá razão de ser à instituição. Faz parte de uma instituição pensar e repensar sua função, organização e ação.
A instituição como espaço organizado possibilita às pessoas agruparem-se para cultivar determinada tradição, auxiliar numa situação emergencial, recrear-se, cultuar Deus, fazer algo pelo outro que está desprotegido. Através da instituição, as pessoas reafirmam a singeleza do estar-junto, que é expressão de um viver ético e promotor da compreensão humana.
Da dimensão do conhecimento
O conhecimento é constitutivo do processo de formação e capacitação humana. Ele ocorre tanto de modo informal (na rua, na casa, nos espaços de lazer) como formal (escola, igreja, trabalho). Os processos de aprendizagem e construção do conhecimento acontecem de forma espontânea ou podem ser orientados e conduzidos.
No processo de construção do conhecimento, valorizam-se a tradição, o saber elaborado no decorrer da história da humanidade e a memória histórica, além de incentivar a elaboração de novos conhecimentos, estabelecendo sentido e significação para a ação humana. Uma educação que valoriza a interação sujeito-objeto-ambiente mostra a relatividade do conhecimento que está orientado por verdades dogmáticas ou que é construído sem vinculação com o cotidiano existencial.
Toda ação educativa exige responsabilidade, dialogicidade, amorosidade, reciprocidade; toda ação educativa também apresenta uma perspectiva transformadora. O sujeito que ensina e aprende ou aprende e ensina precisa saber explicar o modo como aprendeu e ensinou, pois o processo de construção do conhecimento envolve o enfrentamento, a dúvida, a produção de novas indagações e a busca de alternativas.
O ato de conhecer é dinâmico, instável, renovador e renovável, pois busca, permanentemente, através da indagação, da curiosidade, a construção de novos saberes. É tarefa da educação investir e auxiliar instrumentalmente no desenvolvimento do espírito investigativo e explicativo. A investigação e a ação educativa mobilizam e organizam o agir humano, seja individual ou coletivamente.
Da dimensão metodológica
Toda e qualquer ação educativa pressupõe princípios metodológicos que orientam a sua operacionalização. Não existem métodos universais que sirvam para todas as pessoas e para qualquer lugar. O que existe é o valor universal de querer consolidar metodologias educativas. Não existem métodos que sirvam para todas as pessoas e para qualquer lugar. O que existe são alguns princípios orientadores:
1. Movimento: constitui-se na relação ordem/desordem/organização. A convivência com essa noção de movimento possibilita o desenvolvimento da capacidade de enfrentar o que já não faz mais sentido e ousar pensar e concretizar o que está por ser feito. A idéia de movimento introduz a noção de que o sentido da vida se dá no próprio ato de existir, de cuidar, de educar, de assistir.
2. Dinamicidade: busca o envolvimento das pessoas de forma integral, valorizando a participação de corpo inteiro. Uma educação dinâmica propõe atividades que motivem a participação de todas as pessoas e usa vários recursos para estimular a aprendizagem, entre eles, estímulos e movimentos corporais.
3. Sensibilidade: baseia-se na percepção de que as sensações (os sentidos) fazem parte da dinâmica da vida. Uma pessoa sensível é capaz de ampliar a sua capacidade de percepção, compreensão e relação com a Criação, fazendo uso dos diferentes sentidos que possui. Outra característica da sensibilidade consiste na capacidade de colocar-se no lugar e na situação do outro e sentir o que o outro sente. Portanto, o desenvolvimento da capacidade de escuta sensível é uma exigência e uma alternativa para qualificar e dignificar a educação.
4. Flexibilidade: estabelece a noção de que o forte se quebra e se rompe. A flexibilidade é a capacidade de enfrentar o risco, o desafio. Ser flexível é ser capaz de mudar a forma de pensar e agir, sem, contudo, perder a identidade, o objetivo ou a vinculação a um projeto coletivo.
5. Lúdico: integra a relação prazerosa, onde predomina o espaço para a solidariedade, a alegria, a liberdade, a criatividade, o crescimento individual e grupal. O lúdico possibilita a criação de espaços onde o bom humor e o bem-estar são experimentados com confiança e liberdade. Através do lúdico, a humanização se realiza, e a própria capacidade humana de viver em coletividade é ampliada.
6. Criatividade: significa a capacidade que a pessoa tem de ousar, de criar, de fazer algo diferente com aquilo que parece já estar consolidado. A capacidade criativa consiste na coragem de criar e dar vida a algo que, aparentemente, é portador de morte, de desordem. A criatividade é a energia e a força que as pessoas têm para poderem dar sentido àquilo que realizam no dia-a-dia.
7. Processo dialógico: consiste na compreensão de que a comunicação ocorre por meio de diferentes formas de expressão. Uma comunicação dialógica acontece quando há duas ou mais lógicas que orientam o processo de fala e construção de idéias. O processo dialógico busca, através da expressão, da argumentação, da construção de idéias, chegar ao consenso e ao estabelecimento de novas formas de compreensão do que está sendo estudado, construído, vivido.
8. Aprendizagem significativa: consiste na implementação de um processo educativo que considere o sentido individual e social dos conteúdos a serem aprendidos. A aprendizagem significativa valoriza o processo e o caminho percorrido, mais do que o acúmulo de informações ou de ações realizadas.
9. Planejamento: a pessoa humana tem necessidade de projetar, de lançar um olhar mais à frente, a fim de organizar e dar sentido à sua existência. A ação de planejar é constitutiva do fazer humano. Por isso, no ambiente educativo, devemos conhecer as diferentes tendências educacionais existentes, tendo o bom senso de acatar procedimentos e idéias coerentes com a concepção educativa que tomamos, mesmo quando elas provenham de culturas diferentes da nossa. A ação de planejar possibilita que a convivência em comunidade seja construída e refeita.
10. Avaliação: a função da avaliação é projetiva. Ela encaminha itinerários e torna possível alcançar os objetivos propostos. A avaliação implica a vontade de querer, cotidianamente, perguntar pelo sentido de nossas ações e decisões. Ela possibilita a intervenção nos processos educativos sempre que necessário e auxilia no exercício das ações pedagógicas compartilhadas.
Esses princípios viabilizam a organização e a realização de um processo de planejamento, avaliação e transformação das práticas pedagógicas. A expressão de uma educação ética, estética, científica, verdadeira, bela, boa manifesta-se na coragem de selecionar e concretizar ações no campo da educação por meio de uma inserção crítica, transformadora e participativa na realidade. Uma educação com essas características acontece quando está preocupada e voltada para a dignificação da pessoa humana em todas as suas dimensões.
Da dimensão ética
A capacidade e a vontade de estabelecer princípios que orientem o agir cotidiano, seja no âmbito individual, seja no âmbito coletivo, podem ser designadas como disposição ética. A educação tem um caráter ético, na medida em que orienta a ação dos diferentes sujeitos numa instituição educacional, pois por meio dela buscam-se soluções e alternativas para os problemas da existência humana.
A ética remete à preservação da vida e ao querer-viver. As diferentes ações éticas que manifestamos, geralmente, estão vinculadas ao lugar onde vivemos e no qual nos sentimos felizes. Conseqüentemente, a ética pode ser entendida como algo pertencente à pessoa que é feliz, construindo-se, assim, a noção de que ser uma pessoa ética é ser uma pessoa feliz, ou ser uma pessoa que está sempre em busca da felicidade individual e coletiva.
A dimensão ética da educação está vinculada ao social, significando os costumes culturais, valores, tradições e tudo aquilo que se refere a um determinado modo de viver em coletividade, de viver o nós. Ela é a expressão do querer-viver global e irreprimível porque expressa o desejo de continuidade de um conjunto social e a responsabilidade que se assume em relação a essa continuidade. A ética remete ao equilíbrio e à relativização dos diferentes valores que formam um conjunto social. A partir dessa compreensão, ela refere-se à necessidade de acordar alguns pontos que são comuns entre os indivíduos que se juntam em coletividade, não só por causa da busca pela felicidade, da capacidade de contemplação e de viver bem no mundo, mas também a partir da percepção de que a inveja, a maldade, a ganância, o poder competitivo também são constitutivos desse ethos que é comum e comunitário.
Um dos preceitos éticos que orientam a prática pedagógica evangélico-luterana é a disposição de cada sujeito de incorporar uma reorientação constante do fazer, de mudar a sua forma de agir ou pensar em determinada situação. A mudança sempre ocorre em função de que o princípio da dignificação humana seja respeitado e validado nas diferentes práticas realizadas. Um outro preceito ético é a solidariedade, ou seja, a ação que se faz a partir de um coração que é sensível à miséria do outro e age em seu benefício.
A dignificação humana e a solidariedade são dois preceitos que orientam e constituem a ética da responsabilidade. Ser um sujeito responsável é ser uma pessoa que está preocupada e ocupada com a preservação e integralidade da Criação.
Fonte: Diretrizes de uma Política Educacional da IECLB