A edição de outubro de 2007 do Jornal Evangélico Luterano publicou artigo de autoria da Pastora Heloisa Gralow Dalferth, em que ela conta, na primeira pessoa, um pouco sobre a sua biografia de Katharina von Bora, esposa de Martim Lutero.
Katharina von Bora
Entrei na história como esposa do renomado Reformador, Dr. Martim Lutero, mas também tenho uma biografia exclusiva. Tenho uma vida antes do meu casamento e, mesmo durante os 20 anos de matrimônio com Luther, não deixei de ter a minha própria personalidade.
Nasci no dia 29 de janeiro de 1499, em Zülsdorf, junto à Lippendorf, povoado situado ao sul de Leipzig. Meus pais vêm de famílias nobres empobrecidas. Minha mãe faleceu em conseqüência de um parto quando ainda era bem pequena. Depois que meu pai casou novamente, concluíram que o melhor para mim seria entrar em um convento.
Assim, passei minha infância e juventude em dois conventos, primeiro em Brehna e depois em Nimbschen. A vida era de clausura e a rotina repleta de regras, mas o convento me proporcionou uma boa formação. Lá, aprendi a ler e escrever, também em latim, e os conhecimentos sobre ervas e chás que tanto usei junto à minha família e a doentes da comunidade, aprendi no convento.
Estava bem conformada com a idéia de que essa seria a minha vida para sempre. Até que alguns escritos do ‘monge’ Martim Lutero foram camuflados para dentro do convento. Junto com outras freiras, estudei-os a fundo. O que nos tocou demais foi a doutrina da justificação por graça e fé. O nosso Deus é bom e gracioso, seu amor por nós é incondicional e libertador. Concluímos que não precisávamos passar a vida enclausuradas, mas que poderíamos viver livres, até casar e formar uma família. Planejamos tudo e fugimos.
Passei a viver em Wittemberg. Lá conheci o meu primeiro amor: Hieronymus Baumgärtner. Estávamos apaixonados e queríamos casar, porém o fato de sua família não permitir que seu filho casasse com uma ex-monja fez com que ele me abandonasse. Acabei casando com Lutero. No início, não podemos dizer que casamos por amor, mas, com o passar dos anos, aprendemos a nos amar profundamente. Tivemos três filhas e três filhos. Duas filhas nossas faleceram ainda crianças.
Tornei-me administradora do nosso dinheiro e dos nossos bens. Em nossa grande casa, instalei um pensionato para estudantes. Comprei terras e cuidei para que a produção de alimentos fosse suficiente, para não extrapolar o nosso orçamento. Meu esposo não entendia de administração. Até com os editores de seus livros eu negociava!
Participei também, mesmo que em meio a tantas tarefas, do processo da Reforma e das conversas teológicas que aconteciam ao redor da nossa mesa. Lutero me mantinha informada dos acontecimentos, também quando estava longe e por meio das suas cartas. Minha opinião parece lhe ter sido valiosa! Sem dúvida, tudo valeu a pena. A Reforma também teria acontecido sem mim ao lado de Lutero, mas com certeza diferente.
Como Igreja de Confissão Luterana, somos herdeiros e herdeiras também da personalidade inovadora que a Reforma trouxe consigo. Katharina von Bora nos ensina a perder o ‘medo do novo’ e a nos animarmos para mudanças, conforme as situações e as épocas. Segura, pela sua fé, teve coragem de expor sua opinião, ser crítica e até ousada. Não hesitou em ajudar a quem precisasse e até arriscar-se quando necessário. Conta-se que ela nem sempre pôde assistir os cultos de seu marido porque estava ocupada fazendo visitas a pessoas idosas, doentes ou enlutadas. Não deixou de ser mulher, mãe, esposa, feminina, mas sempre lutou pela sua autonomia. Como luteranas e luteranos, somos chamados, a partir da nossa fé, a nos engajarmos em nossas Comunidades e, de cabeça erguida, colocar os nossos dons e as nossas potencialidades em ação em favor do Reino de Deus que já inicia.
Pastora Heloisa Gralow Dalferth
fonte: Jornal Evangélico Luterano, 2007 - outubro