Luteranos em Contexto



ID: 2650

Estudo Bíblico 21 - Romanos 3.23-24 - Somente a graça

Mulheres em Tempos de Coronavírus

19/10/2020

Estudo Bíblico 21
Juliana Hoelscher Silveira - Estudante de Teologia
Sabrina Senger - Teóloga
Programa de Gênero e Religião – Faculdades EST

Tema: Somente a Graça - Marie Dentiére
Texto bíblico: Romanos 3.23-24

Neste momento devocional queremos refletir sobre um dos quatro pilares que são princípios teológicos da Reforma Protestante Luterana: “Solla gratia”. O movimento da Reforma propôs um retorno da igreja ao evangelho de Jesus Cristo, em oposição a tradições, leis e autoridades que já não se orientavam pelos ensinamentos das Sagradas Escrituras. Um texto bíblico que provocou e inspirou o reformador Martim Lutero é Rm 1.17, que diz: “visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá por fé”. A preocupação pela justiça de Deus era também a preocupação pela salvação. Neste texto bíblico, Lutero encontrou acolhimento para seus anseios e medos ao concluir que pela fé nós somos pessoas justificadas por Deus.

Em Romanos 3.23-24, lemos: “pois todas as pessoas pecaram, e carecem da glória de Deus, sendo justificadas gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus”. Através do escrito do apóstolo Paulo aos Romanos, compreendemos que a Graça de Deus é a fonte da nossa justificação, que é concedida por Jesus Cristo, através da fé. Ou seja, não é por obras que vivemos a salvação, a libertação. A graça independe de nossas obras. Refletir a partir da graça de Deus é então nos eximir da responsabilidade sobre nossas ações? Obviamente não. O mais inusitado e revolucionário sobre pensar a graça de Deus: não há nada que possamos fazer para alcançar a salvação, pois não a alcançamos por mérito, diferente do que era afirmado no contexto de indulgências em que se deu a Reforma e do que é afirmado hoje, na América Latina e Caribe, em que teologias fundamentalistas justificam o sofrimento como parte do caminho para salvação (“esta é a tua cruz”) ou como impossibilidade de receber a benção da libertação do sofrimento, por falta de fé ou por não viver como Deus espera que uma pessoa de fé viva.

Muitas mulheres e homens dedicaram boa parte de sua vida para denunciar abusos da igreja e falsas doutrinas que exploravam a fé das pessoas no século XVI. Por causa da estrutura patriarcal e machista geralmente temos acesso apenas às histórias de reformadores homens. Hoje compartilhamos a história de Marie Dentiére, contemporânea de Lutero que dedicou sua vida a contribuir com as reflexões e transformações ocasionadas pela Reforma Protestante. Sua contribuição foi reconhecida de forma parcial no Muro da Reforma, em Genebra na Suíça. Parcial porque para os reformadores homens foi colocada uma estátua. Para ela, apenas uma pedra, nem sempre percebida por quem visita o monumento.

Sabe-se muito pouco sobre o início da vida de Marie. Ela nasceu por volta de 1495, Tournai, Bélgica. Marie foi para o convento bastante jovem e lá teve acesso à biblioteca. Foi no convento agostiniano que, em 1524, conheceu os escritos de Lutero e adotou os princípios da Reforma. Fugiu do convento para a cidade de Estrasburgo, na qual tinha uma comunidade que havia aderido ao movimento da Reforma, liderada por Katharina Schütz Zell e Mateus Zell. Posteriormente casou-se e foi morar na Suíça.

Marie participava ativamente do Movimento da Reforma. Escreveu e publicou cartas colaborando com os movimentos da Reforma Protestante. A convite de Calvino, escreveu o prefácio de um de seus sermões. Escreveu uma carta à Margarida de Navarra, irmã do rei da França, pedindo pelo fim das desigualdades entre homens e mulheres que impediam as mulheres de assumir integralmente suas responsabilidades como pessoas de fé. Defendeu o direito das mulheres em obras como “Defesa das Mulheres” e “Uma carta muito útil”. Trabalhou em campanhas de evangelização, mesmo sofrendo críticas pela liberdade que essa tarefa demandava, indo de um lugar para outro anunciando o Evangelho. A história de vida de Marie serve de ilustração e inspiração para nosso tempo, onde muitas vezes, em diversos espaços, somos privadas e silenciadas. Marie foi uma rebelde, no sentido de não limitar-se às permissões da época, e sim, agir conforme sua fé.

A Graça de Deus pode ser experimentada e reconhecida de diversas formas na história. Deus nos ampara, fortalece e anima para movimentos e transformações em favor da dignidade e plenitude da vida, impactando especialmente aquelas que se encontram em condições mais vulneráveis na sociedade. A luta de Marie não significou imediatamente mudança sobre os direitos das mulheres naquela época. Porém, contribui na luta que ainda carregamos hoje para superar ambientes e relações excludentes e violentas.

Que a Ruah divina nos mantenha em fé e nos dê coragem, assim como deu a Marie, para que não nos conformemos com as injustiças. Pedimos para que quando estivermos cansadas e cansados nos refugie, proteja e congregue. Que o bondoso Deus criador, mantenedor e libertador nos anime e acompanhe. Amém.

Para refletir:

- Como você experimenta a graça de Deus na sua vida?

- Você conhece mulheres que te inspiram na construção de justiça de gênero?


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