IDENTIDADE LUTERANA Reflexões em 10 capítulos
P. Dr. Gottfried Brakmeier
No Capitulo 3. A primazia do amor de Deus
A IECLB possui escritos que lhe definem a identidade. Esta é bem mais do que uma questão de livros ou de determinada quantidade de documentos. É uma questão de espírito, de compreensão do evangelho, de postura, de mentalidade e práxis. Se temos ou não a mente de Cristo (Fp 2.1-11), é nisto que se decide a identidade luterana. Cristãos de confissão luterana querem ser evangélicos, conduzir a vida de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo, propagar o Evangelho. Apenas isto. Mas eles o querem de maneira conseqüente.
Pois o Evangelho sofre ameaças, principalmente nas Igrejas que expressamente se chamam evangélicas. Nem mesmo a IECLB pode excetuar-se. É comum também entre nós colocar em 1º lugar o que nós devemos fazer: devemos converter-nos, devemos abraçar a fé, devemos assumir um compromisso de vida, devemos renunciar a uma porção de coisas, devemos nos engajar numa luta, devemos mostrar sinais do espírito. É longa a lista de deveres. Coloca-se muita lei no caminho do Evangelho, muita condição a ser cumprida para sermos merecedores da graça.
A Reforma luterana nasceu do protesto contra a transformação do Evangelho em lei.
Quem é cristão verdadeiro? Aquela pessoa que reza muito? Aquela que vive uma vida piedosa? Aquela que assume a luta por justiça e transformação na sociedade? Aquela que foi tocada pelo Espírito?
Lutero diria: Por mais importante que seja, nada disto faz a pessoa ser cristã. Pois o que você faz é secundário. Mas se você colocar seus atos em primeiro lugar, você os transformará em obras meritórias. E estas, diante de D's, não têm valor. Também diante dos seres humanos elas são perigosas. Levam as pessoas a se gabar, a se vangloriar e a se separar dos considerados perdidos. Isso não é maneira luterana de pensar.
Pois, para Lutero, o que está em primeiro lugar é o que D's fez por você. Nisto está o Evangelho. Não é à minha fé que devo a salvação, mas sim, a Cristo que perdoou a mim, pessoa perdida e condenada, e me libertou de todos os pecados, da morte e do poder da maldade. Não é uma decisão ou opção que cria a comunidade e a Igreja de Cristo, mas sim a compaixão de nosso Senhor. Por ele D's nos concede vida, alegria, orientação. Por isto, o essencial na vida do cristão é reconhecer o quanto D's nos amou. É anunciar as suas maravilhas. É falar muito de Jesus Cristo e pouco de si. Disse o evangelista João: Nós amamos porque ele (D's) nos amou primeiro. (I Jo 4.19) Um luterano deveria ser pessoa muito humilde, muito grata, muito evangélica.
Aliás, posso imaginar que esta peculiaridade luterana seja vista por muitos com pouca simpatia. Pois num é perigoso desvalorizar o compromisso humano numa época que cultua o descompromisso? Estamos cansados da passividade em nossas comunidades, da pregação de uma graça barata que não compromete ninguém, estamos cansados do comodismo. Em nossa sociedade sentimos falta da ética, de inconformidade com os desmandos dos poderosos, com o descaso em relação às necessidades básicas das pessoas. As exigências do evangelho, onde ficam?
Então, eu como luterano, diria: É claro que o Evangelho faz exigências e acarreta compromissos. É bom não esquecê-lo.Negar ajuda aos necessitados, não confiar em D's acima de todas as coisas, não mudar de vida, ora isto significa desprezo ao amor de D's. Do Evangelho evidentemente resultam compromissos. Mas a pergunta é: Que é decisivo? Como luterano devo enfatizar: Decisiva é a graça de D's. Antes de exigir, D's dá. Quem aí inverter as coisas vai tornar-se fanático, sectário, dominador. Tal pessoa vai ser incapaz da misericórdia, vai ser uma pessoa da lei, dura, exigente. A Reforma Luterana teve início quando Lutero descobriu que Deus é misericordioso. É juiz, sem dúvida, mas sabe perdoar. Nesta descoberta consiste até hoje uma das características essenciais da identidade luterana.
