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Schwantes inspirou cidades amazônicas há 30 anos

Pastor, cooperativista e deputado constituinte abriu mão de bens pessoais para sustentar a colonização.

05/01/2009

Norberto Schwantes - Schwantes: um nome na história da colonização do leste mato-grossense / LUIZ SALGADO
Pioneiros se reúnem na Vila Sucuri, em 1972. Gaúchos de ontem... / ÁLBUM PREFEITURA
...e netos daqueles gaúchos, numa cidade que deu certo / CABAYU-DIVULGAÇÃO
Apoio de Geisel pouco valeu / ARQUIVO NACIONAL
Relíquia: Douglas DC3 da Viação Aérea Canarana está na praça central / PEDRO ALCÂNTARA
Luiz Salgado (em foto de 2003) editou jornal em Serra Dourada / NEIDE MAYUMI
Fé e coragem: uma procissão no início dos anos 1980 / ÁLBUM PREFEITURA
Migrantes pioneiros durante uma reunião em Água Boa / AGUABOA NEWS
Troféu: a cobra sucuri de seis metros abatida na selva, em Terranova / ÁLBUM DE PIONEIROS
Água Boa já teve a maior renda per capita do País / DIVULGAÇÃO
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CUIABÁ, MT – Nem o apoio de um general-presidente possibilitou ao pastor luterano, líder cooperativista e depois deputado constituinte Norberto Schwantes (PMDB-MT) tornar realidade, sozinho, o sonho da colonização gaúcha no leste-mato-grossense. Ele derramou sangue, suor e lágrimas para alcançar esse objetivo. Gaúchos chegaram ao Amazonas, ao Amapá e a Rondônia. A saga foi lembrada em dezembro de 2008 por um notável conterrâneo deles, o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Segundo ele, os gaúchos protagonizaram uma grande diáspora (“econômica”) pelo País.

Com certeza, o senador deixou para uma próxima oportunidade a análise do capítulo da primeira grande migração gaúcha para Mato Grosso, que originou três prósperas cidades no Cerrado. Preferiu falar da Amazônia: O Acre tem forte vínculo com o Rio Grande do Sul por ter sido incorporado ao Brasil por um jovem idealista, o gaúcho José Plácido de Castro”, lembrou.

Castro organizou e preparou a Revolução Acreana contra as forças da Bolívia. Os bolivianos queriam ocupar o território onde hoje se situa o Acre. Há pelo menos 30 mil sulistas no Acre. Os gaúchos se concentram especialmente em Rio Branco, Acrelândia, Plácido de Castro e Senador Guiomard.

Na floresta do Nortão, a 650 quilômetros de Cuiabá, Simon chorou ao vê-los deitados em redes, alguns morrendo de malária. Nascia Terranova, mais tarde Terra Nova do Norte. Há quatro anos, num dos corredores do Senado, indaguei-lhe se recordava do fato. Fitou-me os olhos e indagou: Você se lembra que estive lá?.

O grande Estado ainda não dividido – o que só ocorreria em outubro de 1977 – e parecia estar mesmo reservado ao domínio dos latifundiários, seus bois e jagunços. Viu então germinar a semente do cooperativismo.

Evidentemente, houve o revés ambiental. A voracidade dos primeiros moradores acabou com a vegetação nativa. Mais conscientes agora, muitos fazendeiros lamentam a maneira como a ocupação ocorreu. “Não tivemos a menor preocupação com o cerrado, queríamos fazer lavouras. Hoje estamos vendo rios assoreados e as terras virando areia”, contou um dos fundadores de Água Boa, Elcides Salamoni.

Apoio de Geisel: “letra morta”

Entre 1972 e 1978, o primeiro grande surto migratório, resultou no aparecimento de cidades nas regiões Leste e Nortão. Aí apareceu Schwantes nesse cenário desafiador. Gaúcho de Carazinho, filho de um pequeno agricultor imigrante alemão, ele fundou Canarana, Água Boa e Terra Nova.

Os 430 mil hectares de Terranova mudariam a concepção de colonização no Leste de Mato Grosso, com reflexos na Amazônia. Tinha tudo para dar certo, mas teve contra ele a união de forças antagônicas.

Em 1988, o jornalista Luiz Salgado Ribeiro atribuía essas forças “aos mais reacionários especuladores de terra, até a esquerda mais radical do Rio Grande do Sul”. “Pretendiam manter no próprio Estado os agricultores expulsos das reservas indígenas, para forçar uma reforma agrária. Entre uns e outros, também, os militares se engajaram veladamente no combate ao projeto, que havia tirado deles a tão sonhada área para treinamento contra a guerrilha na selva”.

Falência, malária e êxodo

Companheiro de Schwantes, o jornalista que trocou São Paulo por Mato Grosso, não teve dúvida de que essas pressões tornaram “letra morta” o documento assinado pelo general-presidente Ernesto Geisel, garantindo a transferência de terras para a Cooperativa Agropecuária Mista Canarana Ltda.

Resultado disso, conforme contou Salgado no livro Uma cruz em Terra Nova (Scritta Oficina Editorial, 1989): um ano e meio após ter sido iniciado, o projeto estava transformado em um enorme desastre. Flagelados pela malária e sem apoio para produzir, os colonos trocavam seus lotes por velhos automóveis e um mínimo de dinheiro para voltarem ao Rio Grande do Sul. Mais de 60% dos pioneiros abandonavam seus lotes.

Sem ter como receber do governo federal os mais de Cr$ 60 milhões (cerca de US$ 3 milhões, ao câmbio da época) gastos com alimentação, transportes, obras de infra-estrutura, assistência médica e outras despesas feitas com as primeiras 600 famílias de colonos transferidas para Terranova, a Coopercana – cooperativa responsável pelo projeto – quase foi à falência. Ficou sem recursos e sem crédito para prestar um mínimo de assistência aos seus associados dos projetos de colonização da região de Barra do Garças, que também ficaram em situação dramática.

“Este desastre arruinou quase tudo que Norberto havia construído, inclusive seu patrimônio particular. Na época, ele poderia ter feito como muitos ‘respeitáveis’ empresários, que deixam falir seus empreendimentos, mas salvam e ampliam suas fortunas pessoais”, lembrou Salgado.

“Mas Norberto preferiu outro caminho: para saldar débitos, inclusive da Coopercana, da qual era presidente, ele praticamente liquidou sua empresa particular de colonização, dona de milhares de hectares e de uma frota de dois helicópteros, três aviões executivos e quatro DC-3. Depois de ter sido um invejado empresário de sucesso, voltou a ser um simples agricultor”.

O líder que levou migrantes para a BR-163

CUIABÁ – “Foi um ato muito simples a sagração daquela grande cruz de madeira, numa clareira na selva, junto a uma encruzilhada a poeirenta rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), num lugar sem nome, que dias depois se chamaria Terranova e cinco anos após se converteria no terceiro município a ter origem nas andanças de Schwantes pelas áreas selvagens de Mato Grosso.

Não havia ninguém para tocar ou cantar hinos, na improvisada solenidade ecumênica daquela manhã de 3 de junho de 1978. Mas não era necessário. Em estado de graça, Norberto parecia ouvir com o coração a “Aleluia” de Haendel. E não era para menos. Filho de um pobre colono alemão, pastor luterano quase sem querer – foi a única opção que teve para estudar sem pagar –, ele se via ali, diante daquela cruz, transformado em um novo Moisés.

Naquele momento, estava tomando posse de uma terra prometida a mais de 2 mil famílias de pobres colonos, como seu pai, expulsos a flechadas e bordunadas de uma reserva indígena de Tenente Portela, justamente o município onde havia começado sua vida de pastor em uma rejeitada paróquia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana”.

Um jornal no meio do mato

Com essa introdução, Salgado apresentou o livro no qual Schwantes narrou a saga de levar colonos para a Amazônia, algo que fazia com destemor e abnegação, desde 1971.

Tenente Portela foi a última região a ser colonizada no Rio Grande do Sul, nos anos 1940. Eram famosas suas festas de igreja, que quase sempre terminavam em brigas, fim de velhas rusgas ou início de novas. “Tapa era coisa de otário, o que valia era faca ou bala”, relatou Schwantes no livro.

Repórter especial de O Estado de S. Paulo, Salgado bandeou-se para Mato Grosso entre o final dos anos 1970 e o início de 1980, e editou em Serra Dourada – a 300 Km de Barra do Garças – o vibrante Jornal da Terra, ora impresso numa pequena máquina off-set, na escuridão daquele sertão, ora em Cuiabá. Besouros e mariposas foram companheiras inseparáveis, sempre se embolando na tinta e no papel, ele recorda.

Ao mesmo tempo em que escrevia, fotografava, editava, imprimia e dirigia. Viajou para São Paulo, entregou as reportagens e pediu demissão do Estadão. “Cansado de denunciar violência, destruição e desorganização no processo de ocupação da Amazônia, fiquei maravilhado ao ver centenas de famílias lavrando em paz vastas lavouras de arroz, que cresciam exuberantes numa terra em que – anos antes – ninguém acreditava pudesse nascer nem mesmo capim”, relatava Salgado. Seu jornal durou dois anos. (M.C.)

Com câncer, constituinte vota e dita o final do livro

CUIABÁ – “Surgia a possibilidade de eu vir a participar da Assembléia Nacional Constituinte. E a cada aplicação quimioterápica, em Goiânia, eu me enchia de esperanças. O deputado Percival Muniz, candidato a prefeito de Rondonópolis, avisou-me que se licenciaria por 120 dias.

Como primeiro suplente da bancada do PMDB mato-grossense, eu deveria assumir o seu lugar”, contou Schwantes no livro. Participar da elaboração da nova Constituição Brasileira fora o projeto político do pioneiro.

O segundo turno se aproximava. Percival telefonou-lhe, informando sobre a entrega do pedido de licença. Schwantes relatou: “O retrocesso do tumor tinha sido tão espetacular, que ele praticamente tinha sumido. Os médicos já não conseguiam apalpá-lo e a tomografia de controle também não conseguia visualizá-lo. Mas ele era melanoma, o tumor mais traiçoeiro, mais imprevisível; sem programa, o mais fulminante de todos os tumores cancerígenos.

De ambulância, no Congresso

Os médicos Dráusio Varella, de São Paulo, e o médico Raul Chavarria o atenderam. Tomografia de corpo inteiro e laparoscopia foram feitas na aparelhagem do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Apareceram nódulos no fígado, geralmente fulminantes em menos de 30 dias.

Schwantes leu “Com a vida de novo”, de Carl Simonton, um presente que ganhou da equipe de psicólogos do Hospital Araújo Jorge, de Goiânia. Esforçou-se , então, para controlar a doença pela mente. E mesmo diante do dramático diagnóstico, continuou confiante.

“Na volta de São Paulo, a equipe de Goiânia programou novas sessões quimioterápicas e eu não queria perder uma única votação no plenário da Constituinte. Não queria só assinar a Carta, queria merecer essa assinatura”.

Ainda dopado, o deputado voltou a Brasília no dia 1º de setembro de 1988 para o último dia de votação da nova Carta. Chegou ao Congresso Nacional numa ambulância. Estava com flebite e a essa altura o melanoma havia se infiltrado em grandes áreas do fígado, provocando-lhe o inchaço e comprimindo a drenagem da bílis. Ela passou a ser derramada no sangue.

Completamente amarelo, o deputado não se submeteu mais à quimioterapia. Apenas o controle da mente e a fé que reencontrei em Deus fazem parte com que eu não me desespere diante do imenso desejo de viver, de um lado, e a dura realidade de paciente terminal, de outro”, disse naquele momento.

Ditou a Salgado o final do livro, em casa, com vista para o Lago Paranoá, a Esplanada dos Ministérios e a Asa Norte. Schwantes morreu às 16h30 de 17 de setembro, sábado, uma semana depois de ter ditado o último capítulo e uma semana antes de a nova Carta estar pronta para receber a assinatura dos constituintes.

“Não eram necessários maiores sofrimentos a quem havia feito de sua vida um impressionante exemplo do quanto é possível realizar, apenas com capacidade de liderança, espírito de luta e vontade de servir ao próximo. Sem dinheiro e sem poder”, concluiu Salgado. (M.C.)

Dona Gertrudes lembrou os “frutos da luta”

CUIABÁ – Gertrudes Schwantes, mulher do pioneiro, disse no livro: “Três cidades e uma grande cooperativa são os principais frutos da luta de Norberto, no Novo Mato Grosso. Canarana, seu primeiro projeto de colonização, tornou-se município em fevereiro de 1981. Tem 14 mil habitantes e uma área de 13.600 km 2, dividida em 1.307 propriedades rurais.

“Em 1998, suas principais lavouras, inteiramente mecanizadas, produziram 88.200 toneladas de soja, 48 mil toneladas de arroz e 6.000 toneladas de milho. Além de diversas outras pequenas culturas, o município tem mais de mil hectares plantados com seringueiras. Seu rebanho bovino é de 110 mil cabeças. O município tem três agências bancárias, uma cooperativa, três hospitais, 23 escolas municipais com 800 alunos e mais três escolas estaduais com 2.884 alunos”.

Maior renda que o Rio e São Paulo

“(...) Água Boa é município desde dezembro de 1985. Tem 21 mil habitantes e uma área de 12.416 km 2. Suas principais lavouras – soja, arroz e milho – somam 97 mil há e o rebanho bovino é estimado em 180 mil cabeças.

Todo esse patrimônio está nas mãos de aproximadamente 600 proprietários rurais. Graças à sua boa distribuição fundiária e ao trabalho de sua população – segundo pesquisa do IBGE, citada por O Estado de S. Paulo, Água Boa é o município com a melhor renda per capita do País: US$ 1.900 anuais, US$ 200 a mais que as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, ou quase o dobro de Belo Horizonte”.

“(...) Emancipado em maio de 1986 com o nome de Terra Nova do Norte, o terceiro município a ter origem nos planos de Norberto, tem hoje uma população de 60 mil habitantes e uma área de 1.280 km 2. Suas lavouras de milho e arroz, principalmente, somam 30 mil ha. Boa parte da economia gira em torno do garimpo, que tem uma produção média de dez quilos de ouro por dia.

Outra importante fonte de renda são as 40 madeireiras instaladas no município. A cidade tem uma agência bancária, quatro hospitais, cinco hotéis, 12 supermercados, uma cooperativa e três colégios estaduais.

“A Canarana teve em 1988 um faturamento bruto de Cz$ 15,8 bilhões, mantendo sua posição de maior contribuinte do Imposto de Circulação de Mercadorias, em Mato Grosso, com a quantia de Cz$ 785 milhões. Espalhados pela região Leste do Estado, a cooperativa tem armazéns e silos que totalizam uma capacidade de armazenamento de grãos de 267 mil toneladas. Tem ainda uma usina de calcário, supermercados, lojas de peças e implementos agrícolas, campos de produção de semente e fábrica de rações. A coooperativa está desenvolvendo também novos projetos de colonização”. (M.C.)


Montezuma Cruz (montezuma@agenciaamazonia.com.br)
(Fonte: Agência Amazônia de Notícias – 03/01/2009)


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