Lutero traduziu a Bíblia e escreveu catecismos exatamente com o propósito de educar o povo cristão e conduzi-lo à maioridade na fé (cf 1 Coríntios 3.1s). [...] Pessoa cristã deve saber por que crê e o quê. Em razão disso, formação teológica não é privilégio de uma classe especial, e, sim, causa popular. (BRAKEMEIER, G)
1. Introdução
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) tem como fundamento o evangelho de Jesus Cristo na forma das Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos. A principal missão da igreja cristã é divulgar e testemunhar essa boa notícia. Isso acontece pela ação do Espírito Santo e em cumprimento à ordem dada por Jesus, conforme Mateus 28.18-20.
Jesus estabelece a prática do Batismo e do ensino como parte do compromisso de fazer discípulos. Disso decorre uma característica do ser igreja de Jesus Cristo: o compromisso com a educação cristã. Para atender a esse compromisso responsavelmente, a igreja promove diversas ações de educação na fé para as diferentes fases da vida. O Plano de Educação Cristã Contínua da IECLB (PECC) pretende afirmar a importância da educação cristã na missão da igreja e subsidiar suas diferentes instâncias para avaliar e planejar as ações de educação cristã.
O PECC está alicerçado no evangelho de Jesus Cristo, ancorado teologicamente no Batismo e a serviço da missão de Deus no mundo. Nesse sentido, o PECC é parte integrante do Plano de Ação Missionária da IECLB (PAMI) 2008 – 2012. No PAMI, a educação cristã é apontada como um eixo transversal que perpassa as quatro dimensões da missão: evangelização, comunhão, diaconia e liturgia. Dessas dimensões decorrem ações para a formação missionária.
O PECC apresenta um referencial teológico e um referen¬cial pedagógico para orientar o planejamento e a execução das ações educativas promovidas nas diferentes instâncias da IECLB. O PECC quer ajudar todas as instâncias da IECLB a identificar as fragilidades e as ênfases na formação dos membros.
Por isso é necessária a elaboração de um diagnóstico antes do planejamento das ações educativas. O planejamento, orientado pelas ênfases e pelas lacunas indicadas no diagnóstico, pode oportunizar um processo contínuo de educação cristã para todas as fases da vida. O PECC oferece linhas orientadoras para a educação cristã; no entanto, as ações de educação cristã precisam ser planejadas e executadas por cada instância a partir de suas necessidades e atribuições.
Uma das referências do PECC são as Diretrizes da Política Educacional da IECLB, que oferecem princípios teóricos para a educação cristã na IECLB. Desse modo, também fica evidenciado que o PECC faz parte de um processo histórico, conforme apresentado a seguir.
2. Fatos da história da educação cristã contínua na IECLB
Desde a origem da IECLB, a educação é componente essencial de sua missão. No caso particular da educação cristã, ela vem sendo discutida intensamente nos últimos trinta anos em diferentes fóruns, como podemos constatar a seguir.
Em 1973, houve uma profunda reflexão sobre o ensino confirmatório. Decorrente dessa reflexão foi realizada uma Consulta sobre Educação Cristã e Ensino Confirmatório, que resultou na aprovação em Concílio de uma moção para implementação do Catecumenato Permanente (1974). Na década de 1980, o Departamento de Educação e o Departamento de Catequese realizaram duas consultas sobre educação cristã. Em 1990, como resultado dessas consultas, foi aprovado, por parte do Conselho Diretor da IECLB (CD), o documento intitulado Diretrizes de uma Política Educacional da IECLB. Outro marco importante para a educação cristã na IECLB é a aprovação em Concílio Geral do Ministério Compartilhado (1994), enfatizando o sacerdócio geral de todas as pessoas que creem. Tal sacerdócio pressupõe a educação cristã contínua de todas as pessoas batizadas.
Em 1996, o CD aprovou a criação do Fórum Permanente de Educação e Formação. O Fórum sofreu uma reestruturação em 1998, passando a ser denominado Comissão de Formação e Educação. Essa comissão promoveu a realização de consultas nacionais, que resultaram em um novo documento sobre educação na IECLB, denominado Diretrizes da Política Educacional da IECLB, aprovado pelo conselho da igreja na reunião de 21 e 22 de novembro de 2003, que substitui o documento aprovado pelo CD em 1990.
Em 2003, o Departamento de Catequese organizou o Fórum Nacional de Ensino Confirmatório, no qual se renovou o desafio de “planejar uma Política de Formação Cristã Continuada, à luz do Batismo, para toda a IECLB”. A partir de então, ocorreram alguns encaminhamentos: constituição de um Grupo Coordenador de Educação Cristã Contínua (2005); planejamento e realização de três seminários nacionais de ECC (outubro de 2005, maio de 2006 e outubro de 2007); constituição do Departamento de Educação Cristã da IECLB – DEC (2006); maior integração entre o DEC e a Coordenação de Diaconia; decisão de elaborar um programa de educação cristã.
Ainda outros eventos se ocuparam com a questão da educação cristã. Em 2005, a presidência da IECLB promoveu o Fórum Nacional de Avaliação da Reestruturação da IECLB, que fez recomendações relacionadas à formação na igreja.
Em 2006, foi realizado o Fórum Nacional de Missão da IECLB, onde se fez uma avaliação do PAMI 2000-2007. Essa avaliação deu início a um processo de planejamento do Plano de Ação Missionária da IECLB (PAMI 2008-2012), que estabeleceu a educação cristã, ao lado da comunicação e da sustentabilidade, como seus eixos transversais.
O XXV Concílio da Igreja em Panambi (2006) deu total apoio à caminhada conjunta que os sínodos e Secretaria Geral/Departamento de Educação Cristã estão trilhando com vistas à construção do programa de educação cristã para todas as fases da vida a partir do Batismo.
Observando o processo narrado acima, constata-se que a educação cristã exige constante atenção por parte da igreja e que, em diferentes épocas e contextos, houve iniciativas com vistas a rever e dar maior ênfase às ações de educação cristã. E é dentro desse processo histórico que ocorreram, recentemente, três seminários nacionais de educação cristã contínua na IECLB. Os seminários contaram com a participação da Secretaria de Formação, do Departamento do Educação Cristã, da Coordenação de Diaconia, de representantes sinodais e dos três Centros de Formação Teológica. O resultado desses três seminários é a elaboração do Plano de Educação Cristã Contínua. Portanto o PECC é fruto de uma reflexão conjunta, de construção coletiva. O PECC – como fruto desse processo coletivo – está inserido nessa história de constante renovação e procura de uma melhor articulação da educação cristã na IECLB.
3. Objetivos do Plano de Educação Cristã Contínua
Geral
Orientar, teológica e pedagogicamente, todas as instâncias da IECLB na avaliação, no planejamento e na execução de ações de educação cristã para todas as fases da vida, com vistas ao melhor cumprimento da missão de Deus.
Específicos
- Apresentar a fundamentação teológica e pedagógica, as áreas temáticas e as formas de atuação que orientam o planejamento das ações de educação cristã.
- Auxiliar na identificação de ênfases e lacunas na educação cristã, promovida pelas diferentes instâncias.
- Identificar, a partir dos documentos normativos, as atribuições de cada instância da IECLB relacionadas à educação cristã.
- Oferecer uma proposta pedagógica e indicar conteúdos para o planejamento das ações do eixo transversal educação cristã do PAMI 2008-2012.
- Auxiliar cada instância da IECLB a estabelecer metas para a ECC.
4. Fundamentação teológica para a educação cristã
A educação cristã contínua encontra fundamentação teológica na Bíblia, no Batismo e na confessionalidade evangélica luterana.
A Bíblia indica parâmetros e princípios éticos essenciais para uma educação baseada no agir educativo de Deus. Esse agir tem na ação de Jesus seu exemplo maior. O Batismo nos é dado, é graça de Deus, e compromete a comunidade a educar na fé cristã ao longo de toda a vida. A confessionalidade luterana também aponta para uma prática educativa baseada na liberdade, na aceitação e na abertura para o diálogo e no sacerdócio geral de todas as pessoas que creem. A Bíblia, o Batismo e a confessionalidade evangélica luterana contêm os princípios básicos que fundamentam e orientam o planejamento e a execução de ações de educação cristã propostas pelo PECC.
4.1 – Bíblia e educação cristã
Educação como lembrança dos feitos de Deus
A tarefa de educar é mandamento que provém de Deus: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Deuteronômio 6.6-7). É no convívio familiar que se ensinam e lembram os grandes feitos de Deus, mantendo e fortalecendo a confiança no Deus libertador.
Ensinar os mandamentos, fazer discípulos e evangelizar é um processo educativo que mantém viva a memória da ação divina e atualiza valores e princípios orientados na fé em Deus.
A prática do amor
O amor é elemento básico da existência humana e da relação com Deus. Todos os mandamentos convergem para ele: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22.37,39). O amor a Deus como entrega total implica confiança plena em Deus e agir ético a partir da observância dos mandamentos. O amor ao próximo nos faz reconhecer que somos semelhantes, mutuamente dependentes e responsáveis uns para com os outros. Educar para a prática do amor é despertar sentimentos de desprendimento, liberdade, compaixão, solidariedade. O amor a si mesmo, nesse sentido, leva à valorização pessoal e à autoestima, sem cair no egoísmo, pois está vinculado ao amor ao próximo e a Deus.
O serviço como essência cristã
Deus nos chama a servir na comunidade e no mundo. O serviço (diaconia) é uma característica central da igreja e do ser cristão (Marcos 9.33-37;10.35-37). Servir uns aos outros é ação comunitária. Diversos tipos de serviço tornam possíveis a promoção da vida e a edificação de comunidade.
A educação cristã é serviço de Deus entre nós, voltada para todas as pessoas, sem qualquer discriminação. Educar para o serviço é anunciar o evangelho em palavra e ação, demonstrando, através da ação diaconal, a nossa fé.
A esperança vivida
A prática da esperança permite olhar para além dos problemas e desencantos. Ela motiva e inspira a vivência de um projeto de vida digna e justa. Nesse sentido, esperança é atitude ativa, que exercita a promoção da dignidade humana e o serviço ao próximo (Romanos 12.12-14).
Educar para a esperança é mostrar que ela é inspirada na ação de Deus entre nós e experimentada no testemunho de fé e de ações de justiça.
A reconciliação com Deus e com o próximo
O pecado afasta-nos de Deus, mas Deus nos procura em amor e bondade e oferece-nos o perdão. Em Cristo, somos reconciliados com Deus (Romanos 5.11; 2 Coríntios 5.18). A misericórdia de Deus é a fonte da reconciliação.
Educar para a reconciliação é anunciar a misericórdia e o perdão de Deus. Esse anúncio visa a atitudes concretas: reatar as relações com Deus e as relações com outras pessoas. A consequência da reconciliação é a paz.
O diálogo e o respeito como expressão de unidade
Uma comunidade cristã é plural por natureza. Como parte de um corpo, cada membro tem sua função. A diversidade está baseada no princípio da complementaridade: todos os membros trabalham para que o corpo funcione (1 Coríntios 12.12-27). Preservar a unidade significa agir com respeito, valorizando cada pessoa no seu modo de ser. Também significa apostar no diálogo como forma de aproximação e resolução de conflitos. A unidade na igreja é alcançada quando ouvimos as escrituras, interpretamos a tradição confessional e dialogamos como irmãs e irmãos.
Educar para o diálogo e o respeito é anunciar e viver a unidade como dom gracioso de Deus, que somos chamados a receber e a preservar (Efésios 4.1-6).
4.2 – Batismo e educação cristã
O Batismo marca o início da vida cristã, e seu fundamento encontra-se no ato salvífico de Deus através de Jesus Cristo. O Batismo expressa a autodoação de Deus, seu amor pelo ser humano, amor que na tradição luterana é incondicional. O Batismo é um ponto de partida no qual se assinala o início de uma vivência cristã, de uma apropriação diária e contínua do que significa a promessa de Deus.
O Batismo é um presente de Deus, dado graciosamente a cada pessoa através da igreja. O Batismo afiança (indicativo) que Deus me e nos ama, que Deus enviou seu Filho para minha e nossa redenção e salvação.
Esse presente vai sendo experimentado diariamente na vivência pessoal, familiar e comunitária da fé. Para isso, a pessoa que foi ou quer ser batizada (criança ou adulta), bem como os pais e padrinhos, necessitam de orientação, preparo, acompanhamento e formação. Conforme Mateus 28.18-20, os discípulos são enviados a todo o mundo com a missão de batizar e ensinar as pessoas. Portanto Batismo e educação cristã estão intimamente relacionados. O Batismo é celebrado na comunidade, a qual assume o compromisso de orientar e educar a pessoa batizada na vivência e no crescimento da fé por toda a vida.
Através do Batismo, cada pessoa é integrada ao corpo de Cristo e chamada a exercer o sacerdócio geral de todas as pessoas que creem, conforme 1 Pedro 2.9. Pelo Batismo, que concede a presença e a ação do Espírito Santo, cada pessoa torna-se capaz e digna para anunciar o Evangelho e testemunhar o amor de Deus.
Uma das consequências do sacerdócio geral é que todas as pessoas batizadas são responsáveis pelo ensino e pela aprendizagem na fé. Pela graça de Deus e pela ação do Espírito Santo, crianças, adolescentes, jovens e adultos ensinam e aprendem no estudo da Palavra, na partilha, na convivência, no serviço ao próximo e nas celebrações.
4.3 – Confessionalidade e educação cristã
Justificação por graça e fé
Em Jesus Cristo, Deus revela-se ao mundo como aquele que, por sua misericórdia, resgata a criação toda e, em especial, a dignidade humana. A oferta de sua graça e o dom da fé, frutos do amor incondicional de Deus, dispensam a necessidade de retribuição, pois a ação de Deus antecede qualquer intenção humana.
O amor e a graça de Deus desafiam o educar para a aceitação, para a abertura e o diálogo que buscam a dignidade individual e comunitária através da justiça social e econômica e o zelo pela integridade de toda criação.
A liberdade cristã
A liberdade cristã não é uma conquista humana, mas fruto da ação de Deus entre as pessoas. Cristo faz de nós pessoas livres para viver o amor de Deus de uma forma responsável a cada dia.
A pessoa cristã está sob o amor e a graça de Deus que, por gratidão alegre, se sente convocada a agir em favor dos outros. A pessoa cristã sabe que não é senhora de sua vida, mas que Cristo é seu Senhor. Assim sendo, ela é livre para fazer escolhas com discernimento e critério.
Educar na perspectiva da liberdade cristã é promover uma educação que avalia constantemente o processo educativo na intenção de evitar qualquer forma de imposição ou constrangimento no ensino do evangelho.
Sacerdócio geral de todas as pessoas que creem
Deus chama por intermédio de Jesus Cristo e envia seus seguidores a pregar o evangelho. O sacerdócio geral de todas as pessoas que creem é o ministério de Jesus confiado a cada pessoa no Batismo e a cada comunidade que professa Jesus como Senhor e Salvador.
O sacerdócio geral de todas as pessoas que creem tem relação direta com a compreensão do ministério compartilhado na IECLB. Por meio dele, as pessoas, a partir dos dons recebidos do Espírito Santo e do chamado ao discipulado, exercem atividades distintas na promoção do evangelho. As diferentes funções e atividades exercidas devem ser vistas como serviço em favor do testemunho do reino de Deus e da integridade da criação. Nesse sentido, o sacerdócio geral exige também o exercício da cidadania e a compreensão de que a responsabilidade social e política é exercida por cada pessoa em conjunto com outras.
Educar na perspectiva do sacerdócio geral de todas as pessoas que creem desafia à promoção de um processo de ensino e aprendizagem participativos, em que todos são responsáveis pela comunicação do evangelho a todas as pessoas. Ao mesmo tempo, esse sacerdócio cria uma comunidade de iguais, sem negar as diferenças, estimulando relações de parceria e o protagonismo nos processos de ensino e aprendizagem.
5. Fundamentação pedagógica
Toda experiência educativa tem em sua base uma proposta pedagógica, pois a ação a ser realizada tem em si uma intencionalidade, mesmo que essa, às vezes, esteja oculta ou subentendida.
A pedagogia é o conjunto de ideias, princípios, doutrinas, métodos que orientam uma ação educativa. Ela é o resultado da reflexão e da sistematização da ação de educar. E, por ser resultado da reflexão sobre o ato de ensinar-aprender, a pe¬dagogia está constituída de ideais e concepções de mundo, de sociedade, de pessoa e de educação, seja na dimensão do ensino, seja na de aprendizagem.
O diálogo teologia-pedagogia contribui para que o processo de planejamento, execução e avaliação do ensino, no campo da educação cristã, possa ser refletido, inovado, reconstruído com vistas à formação de sujeitos que estão em permanente condição de aprendizes na fé cristã.
A educação cristã tem como referência a ação pedagógica de Jesus. Ele educava através de gestos e palavras. Partia da experiência de vida (João 4.1-30); contava histórias (Marcos 4.2); questionava leis, tradições e posições estabelecidas (João 8.1-11); recebia ou ia ao encontro das pessoas marginalizadas (Marcos 10.13-16; Lucas 19.1-10); caminhava com seus discípulos (Lucas 24.13-35) e tinha abertura para dialogar com as outras pessoas e delas aprender (Marcos 7.24-30). Também suas curas tinham aspectos educativos. Deixava as pessoas manifestarem sua vontade (Marcos 10.46-52); derrubava preconceitos (Marcos 5.25-34); valorizava a atitude de fé das pessoas (Marcos 2.1-12).
As primeiras comunidades cristãs assumiram a missão de educar com muita coragem e criatividade (Atos 8.26-40). Desde então, a igreja prioriza a educação cristã, capacitando as pessoas para atuar na missão de Deus no mundo e para exercer plenamente o sacerdócio geral.
A confessionalidade luterana, em diálogo com a pedago¬gia, também dá indicativos para a ação pedagógica na educação cristã. A partir do amor gracioso e libertador de Deus, a educação baseada na confessionalidade luterana é inclusiva e promove a participação efetiva de todas as pessoas envolvidas no processo educativo; valoriza cada ser humano; preserva sua individualidade e desperta para o compromisso cristão.
Na realidade atual, cresce a necessidade de uma educação que considere o ser humano em sua totalidade. Essa proposta de educação funda novos olhares, que entendem o ser humano integrado não só com o outro, mas também com o planeta. Nesse sentido, parece-nos que as novas compreensões, que pensam o ser humano em sua integralidade, são necessárias para que o processo educativo seja significativo.
É nessa perspectiva que o PECC apresenta a definição de educação cristã contínua (5.1) e destaca um conjunto de indicativos metodológicos para a educação cristã (5.2).
5.1 – Conceitos e definições
Educação
A educação é um processo de ensino e aprendizagem que está em permanente transformação. Ela é transformada pela ação do ser humano e produz transformações nos que dela participam. A educação envolve toda a vida das pessoas e está relacionada à aquisição, à elaboração e à produção de conhecimentos, sensibilidades, valores, práticas e atitudes.
Educação cristã
Educação cristã é um processo pessoal e comunitário de aprendizagem dos conteúdos da fé. Ela acontece na família e na comunidade e reflete-se nas ações e atitudes do dia a dia, que é a vivência cristã no mundo. A educação cristã não acontece de uma só vez, mas vai sendo construída e compreendida conforme as perguntas e as preocupações de cada fase da vida, de forma contínua e permanente.
A família e a comunidade têm um compromisso com a educação cristã a partir do Batismo. Na família, a educação cristã acontece na convivência diária: momentos de oração familiar nas refeições, leitura da Bíblia, narração de histórias bíblicas para as crianças, participação nos diferentes grupos da comunidade. Na comunidade, os conteúdos de educação cristã são oferecidos e vivenciados em diferentes espaços de aprendizagem. O espaço de aprendizagem comum a todas as pessoas luteranas é o culto comunitário. O culto é o centro da vida comunitária e da fé. Mas há também outros espaços de aprendizagem que atendem necessidades, contextos e públicos específicos: grupos de crianças, ensino confirmatório, grupos de jovens, grupos de estudo bíblico, grupos de OASE, grupos de casais, entre outros.
O PECC, ao apresentar orientações para o planejamento da educação cristã, ajuda no fortalecimento das ações educativas nos grupos já constituídos e também na ampliação das ações de educação cristã, buscando atingir novos públicos. A interação entre os diferentes grupos da comunidade pode fortalecer o processo contínuo de aprendizagem.
Educação cristã contínua
Educação cristã contínua auxilia no processo de desenvol¬vimento integral e contínuo, que desperta e alimenta a fé e intervém na maneira como as pessoas vivem o dia a dia (seus modos de expressão, suas escolhas, suas ações etc.). Esse processo acontece através da apropriação, da elaboração e da produção de conhecimentos, sensibilidades, valores e práticas, com base nos fundamentos da fé cristã, conforme Lutero: Jesus Cristo, Escritura, Fé, Graça.
Por desenvolvimento integral e contínuo entende-se, pois, a educação que considera as diferentes dimensões da personalidade (cognição – afetividade – atitude) e as diferentes fases de desenvolvimento da vida humana, porque acontece ao longo de toda a vida. A educação cristã contínua estabelece princípios, compromissos e desafios para a educação, em permanente diálogo com a fé cristã.
Para que essa educação cristã seja contínua, as diferentes instâncias da igreja elaboram o seu planejamento de tal forma que oportunize e provoque a reflexão sobre as dúvidas e perguntas relacionadas à fé cristã, que vão surgindo ao longo da vida.
5.2 – Indicativos metodológicos
A educação faz parte da vida e acontece em diferentes espaços e de diferentes maneiras. Na igreja, a prática educativa oportuniza aos membros a educação contínua na fé, capacitando-os à vivência missionária de seu sacerdócio cristão.
As pessoas buscam respostas para suas dúvidas, consolo para suas aflições, orientação para sua vida. Elas aprendem de diversas maneiras. Existem várias metodologias que podem orientar o processo educativo. Não há um único método a ser seguido por todos ou que sirva a todos. Cada contexto exige uma metodologia. É necessário planejar as ações educativas a partir de cada realidade. Mas há alguns indicativos que orientam o processo de ensino e aprendizagem. São eles:
Valorizar a experiência de vida das pessoas
O diálogo sobre as vivências diárias das pessoas contribui para a compreensão da palavra de Deus. Ao ler ou estudar um texto bíblico em grupo, pode-se motivar as pessoas a falar sobre suas experiências pessoais. Dessa forma, o conhecimento sobre a palavra de Deus não é transmitido de uma pessoa para outra, mas é construído através do diálogo e da partilha, em que todas as pessoas podem contribuir com sua experiência de vida.
Concretamente, a valorização da experiência de vida acon¬tece quando as pessoas têm espaço e sentem-se à vontade no grupo para contar o que está acontecendo com elas: suas alegrias, suas tristezas, seus sonhos e suas preocupações. O desafio é relacionar essas experiências com o estudo da palavra de Deus, buscando nela orientação para a vida.
Envolver todo o corpo
Educação cristã envolve todo o ser e passa por todos os sentidos. Ou seja, a educação também acontece através de gestos, símbolos, expressão corporal. As diferentes formas de comunicação podem ser usadas nos encontros, nas celebrações e nos cultos para ampliar e diversificar as possibilidades de reflexão sobre os conteúdos da fé. A Ceia do Senhor é um exemplo em que todo o corpo é envolvido na aprendizagem de que Deus vem ao nosso encontro. A comunidade reunida, o movimento de ir com outros ao altar, o cheiro, a cor e o gosto da uva e do pão, o sentimento de comunhão e inclusão, tudo isso revela e expressa a graça e o amor de Deus.
Despertar a capacidade criativa de cada pessoa
Deus nos criou à sua imagem e semelhança (Gênesis 1.27), dando-nos a capacidade de criar. A educação cristã desperta a criatividade das pessoas quando trabalha a partir de diferen¬tes linguagens. A música, o teatro, as artes plásticas e outras atividades artísticas contribuem para o processo educativo. Essas formas de ensinar e aprender possibilitam que as pessoas descubram e desenvolvam suas potencialidades.
Humanizar a educação através da alegria
As pessoas gostam de estar em ambientes alegres e que lhes dão prazer. O ato de brincar oportuniza às pessoas o autoconhecimento e o conhecimento do outro em sua verdadeira essência. Ele amplia a capacidade humana de viver coletiva¬mente. Nesses espaços, o conteúdo da educação cristã traduz-se em gestos, expressões, jeitos, canto e dança. Ambientes assim propiciam a criatividade, a liberdade, a solidariedade, o crescimento individual e grupal. Nesse sentido, a brincadeira e a alegria humanizam a educação.
Dialogar com liberdade sobre dúvidas e perguntas
Durante toda a vida, há diferentes situações que preocupam e geram dúvidas e perguntas. Uma maneira de promover a educação cristã é abrir espaços para que as pessoas possam expressar suas dúvidas, conversar sobre elas e buscar orientação no diálogo com outras pessoas, bem como na leitura e no estudo da Bíblia. Quando crianças sentem um clima de confiança e respeito, elas fazem perguntas, porque sabem que serão ouvidas e atendidas. Essas perguntas levam as pessoas adultas a refletir sobre as questões levantadas, motivando o diálogo e a busca por respostas. Nesse processo educativo, todos contribuem, aprendendo e ensinando.
Servir ao próximo
A ação diaconal contribui para a educação cristã, e a educação cristã fortalece a ação diaconal. O estudo da palavra de Deus fundamenta a prática do servir ao próximo e, ao mesmo tempo, as experiências diaconais enriquecem a reflexão em torno da palavra de Deus. A palavra de Deus fortalece e encoraja para ir aos lugares onde estão os mais fracos e mar¬ginalizados, lá onde a miséria grita mais alto. Afinal, Deus está lá, preferencialmente, e chama pessoas para ali servir. Esse serviço que brota da palavra de Deus também transforma. Transforma quem serve, quem é servido e as situações que causam sofrimento e injustiça.
Valorizar o processo e o caminho percorrido individualmente
Cada pessoa é única e compreende o mundo ao seu redor a partir de suas experiências de vida. Na experiência educativa, os processos de aprendizagem são diversos, e o conhecimento é construído individualmente na interação com as outras pessoas, na pesquisa individual e coletiva, na exposição de um conteúdo. Cabe a quem ensina respeitar e valorizar o caminho percorrido por cada pessoa.
Planejar as ações educativas de forma flexível e aberta
O planejamento faz parte da vida humana em todos os aspectos e também é assim quando se trata da educação cristã. O planejamento possibilita que a convivência em comunidade seja construída e refeita. O próprio ato de planejar é educativo, pois pressupõe o conhecimento, a participação, o diálogo, o respeito aos diferentes processos de aprendizagem das pessoas envolvidas. Nesse sentido, o planejamento precisa ser flexível e sensível às situações locais, às preocupações e necessidades do grupo, às intervenções das pessoas envolvidas na ação educativa.
Avaliar a caminhada
A avaliação não acontece só no final da ação educativa, mas durante todo o processo. Ela auxilia a perceber até onde os objetivos foram alcançados e aponta elementos para reorganizar e planejar as práticas educativas. A educação entendida como um processo pressupõe a participação de todas as pessoas também no ato de avaliar. Nesse sentido, a avaliação educa porque reconhece todas as pessoas como sujeitos da ação educativa.
Por entender a educação cristã como um processo que se estende por toda a vida e permite um desenvolvimento integral, os quatro pilares da educação indicados pela UNESCO podem ser considerados no planejamento e execução das ações de educação cristã. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) entende a educação como forma de promover o desenvolvimento humano. Cada pessoa é sujeito na construção de competências e habilidades que lhe permitem alcançar o desenvolvimento pleno e contínuo. Os quatro pilares são:
- Aprender a conhecer – visa o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, para que o ser humano aprenda a compreender o mundo que o rodeia.
- Aprender a fazer – engloba experiências espontâneas, ensinando a pôr em prática os conhecimentos através de comportamentos eficazes e da capacidade de discernimento e criatividade.
- Aprender a viver com os outros – reflete sobre a diversidade, as semelhanças e a interdependência entre os seres humanos e a capacidade de cooperação de cada pessoa.
- Aprender a ser – leva em conta a pessoa integral, desenvolvendo a identidade e os talentos da pessoa a partir do autoconhecimento, da autocompreensão, da imaginação, da criatividade, da liberdade de pensamento, dos sentimentos e da capacidade de discernimento.
Os indicativos metodológicos e os quatro pilares da UNESCO apontam para um processo educativo dinâmico, que pode ser questionado e transformado. Essa abordagem metodológica favorece uma educação integral que considera o ser humano em todas as suas dimensões e fases da vida. A educação cristã orientada por esses indicativos metodológicos pressupõe que as pessoas envolvidas no processo educativo sintam-se co-responsáveis pela aprendizagem na fé.
6. Áreas temáticas
As áreas temáticas do PECC apresentam temas de estudo que servem de base para o planejamento das ações de educação cristã. As quatro áreas temáticas – consideradas prioritárias no PECC – são Bíblia, confessionalidade, missão e contextos. Na área temática Bíblia, são apontados critérios que ajudam na leitura e interpretação da Sagrada Escritura. Na confessionalidade, são destacados critérios teológicos da confissão luterana. Na missão, são relacionadas as quatro dimensões da igreja missionária conforme o PAMI 2008-2012. Na área temática contextos, são apresentados temas do contexto social, político, econômico, cultural e religioso, que perpassam a vida pessoal e comunitária.
6.1 – Bíblia
A Bíblia encontra-se entre os fundamentos da fé cristã. Ela não é apenas um entre tantos outros livros de histórias, reflexões e orações, mas é a Escritura Sagrada da fé cristã. Ela é a palavra de Deus. Através dela, Deus fala, manifesta sua vontade e convida pessoas a uma decisão. Sua intenção não é apenas informar, mas sobretudo despertar e sustentar a fé, a esperança e o amor. Ela orienta a fé, as decisões e a conduta da igreja toda e de seus membros em particular. A Bíblia mostra e define o que significa ser uma pessoa cristã. Educação cristã contínua pressupõe, portanto, formação bíblica e só pode ser imaginada com ela. A formação bíblica busca promover a edificação pessoal e comunitária, a transformação de mentes e de estruturas e a vivência plena do ser cristão.
Dentre os critérios dessa área temática destacam-se os seguintes:
a) O conhecimento bíblico
A Bíblia é uma verdadeira biblioteca, ou seja, um livro com uma quantidade extraordinária de conteúdos. Muitos deles, além de estar na base de nossa fé, estão também na base de nossa cultura, de nossos princípios e de nossas tradições. Nossas comunidades devem ser auxiliadas a ampliar seu conhecimento bíblico.
b) A formação da Bíblia
A Bíblia não é um livro que caiu do céu. Ela possui uma história de formação que vem sendo pesquisada ao longo dos anos. Quem sabe como surgiram os livros da Bíblia e como se formaram o Antigo e o Novo Testamentos possui uma ferramenta preciosa em suas mãos para tornar a Bíblia um livro mais familiar e mais próximo de sua realidade.
c) O contexto da Bíblia
Algumas partes da Bíblia foram redigidas três mil anos atrás, e as partes mais recentes, há quase dois mil anos. Não apenas o contexto histórico da Bíblia é diferente do nosso, mas também seus contextos geográfico, cultural, econômico e religioso. Mesmo que a Bíblia contenha uma mensagem universal e para todos os tempos, é preciso conhecer o contexto em que ela se formou, para entender o impacto de seus textos sobre nossa realidade.
d) Métodos de interpretação da Bíblia
Algumas pessoas interpretam a Bíblia exatamente como está escrita, sem olhar para o contexto. Outras ainda a interpretam a partir de um enfoque ou realidade específica ou a partir de seus próprios interesses. Por isso é necessário oferecer e exercitar métodos de interpretação bíblica, para que as pessoas aprendam a colocar a Bíblia e a realidade em diálogo constante, num contexto comunitário, celebrativo e de oração.
6.2 – Confessionalidade
A IECLB é herdeira do movimento de Reforma da Igreja no século XVI. Naquela época, os reformadores quiseram reforçar que pertenciam à santa, apostólica, universal e una igreja, firma¬dos no ensinamento dos apóstolos que pregavam a boa-nova da salvação em Cristo. A IECLB, junto com outras igrejas de confissão evangélico-luterana, tem critérios que marcam sua confessionalidade e que são determinantes para a educação cristã.
Destacam-se os seguintes critérios:
a) Salvação somente por graça, mediante a fé
Em Cristo, Deus mesmo nos torna justos e nos dá a salvação. Deus nos reconcilia consigo não pelo mérito de nossas obras, mas por graça. É pela fé na ação de Cristo em nosso favor que podemos alcançar a paz. Da fé na salvação, que não depende de nossas obras, brotam a alegria e a gratidão, que se manifestam nas atitudes em favor do próximo.
b) Liberdade cristã
Como pessoas livres, podemos cooperar para transformar este mundo. Educação cristã na fé acentua o duplo sentido da liberdade cristã: a fé nos faz livres de ter de construir a própria salvação, pois confiamos na salvação que vem de Deus. E a fé nos faz livres para agir em favor da vida em abundância para toda a criação.
c) Existência sob a cruz
Essa existência nos aproxima de um Deus que é amor e misericórdia. Viver como discípulo e discípula é perceber a presença e a proximidade de Deus onde ele parece estar ausente. É entender que não somos nós que encontramos Deus, mas é ele que nos encontra em nossa solidão e desespero. Educação cristã ajuda a compreender que viver sob a cruz de Cristo possibilita que nos conheçamos inclusive como nem sempre queremos.
d) Somos justos e pecadores
Quando somos vistos a partir da obra que Deus realizou por nós e em nós, somos justos. No Batismo, fomos marcados com o sinal que liberta do pecado e da culpa. Porém ainda vivemos sob a influência do mal que reina neste mundo. Paulo expressou essa realidade assim: “Não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço” (Romanos 7.19). Por isso existência cristã só é possível onde há confissão e absolvição dos pecados diariamente. A confissão de pecados e o perdão de Deus alimentam nossa alegria de viver.
e) Sacerdócio geral de todas as pessoas que creem
As pessoas precisam de orientação fundamentada no evangelho para suas buscas pelo sentido da vida. Isso, por sua vez, não resulta em fé individualista, mas conduz a algo que é uma característica fundamental da IECLB – e nas outras igrejas luteranas – e que é parte essencial da educação cristã contínua: o sacerdócio geral de todas as pessoas que creem. A igreja de Cristo quer membros do corpo de Cristo com maturidade de fé, de sorte que permita a cada membro ler e interpretar a Bíblia com liberdade e saber testemunhar a esperança que tem (1 Pedro 3.15).
6.3 – Missão
A missão é obra de Deus. Ele é o doador e o executante da tarefa. A missão é um dom da graça de Deus. Não depende da igreja e tampouco do ser humano. Ambos são instrumentos do agir de Deus em favor de seu mundo. Essa forma de entender a missão faz de cada pessoa e da comunidade toda testemunhas do evangelho, que abraçam a fé e promovem a paz na terra. A missão de anunciar e viver o evangelho não é um programa ou uma tarefa entre outras. Missão faz parte da própria compreensão do povo de Deus presente na realidade, na qual é convocado a ser o evangelho da paz.
A missão e a educação cristã estão inter-relacionadas. A educação cristã acontece em função da missão, e, ao mesmo tempo, a missão é objeto de estudo da educação cristã. A igreja prioriza a educação cristã, capacitando as pessoas para cooperar na missão de Deus no mundo e para exercer plenamente o sacerdócio geral.
Conforme o Plano de Ação Missionária da IECLB 2008-2012, a evangelização, a comunhão, a diaconia e a liturgia são as quatro dimensões da missão, que – no caso do PECC – são apontadas como conteúdos de estudo da educação cristã.
a) Evangelização
A evangelização concentra-se na exposição explícita e in¬tencional do evangelho, visando a uma resposta pessoal de fé e ao ingresso no discipulado cristão vivido em comunidade. O objetivo maior da evangelização é que o ser humano se deixe cativar pelo Deus que cria, reconcilia e salva.
Por realizar majoritariamente o Batismo de crianças, o compromisso de evangelizar as pessoas batizadas é ainda maior, pois quem foi despertado para a fé deve receber instrução confiável e prática sobre como viver a fé no dia a dia. A igreja precisa ocupar-se com o ensino das formas elementares da espiritualidade cristã: a prática da oração e da leitura e meditação da Bíblia.
A evangelização cabe à comunidade local. Para que ela aconteça, é preciso que seus membros sejam orientados sobre os elementos fundamentais da fé e da doutrina e capacitados para o testemunho do evangelho nas mais diversas situações.
b) Comunhão
A igreja que brota da ação missionária e redentora de Deus tem a comunhão em sua essência. A edificação de comunidades missionárias em nosso meio passa pela conscientização de que o evangelho proclamado vai refletir a comunhão comunitária. O jeito de ser da comunidade (acolher, integrar, incluir, valorizar, cuidar) tem um grande impacto missionário.
A comunidade voltada para o objetivo de vivenciar a comunhão está disposta a refletir sobre como se estabelece a interação entre as pessoas, como são tomadas as decisões, como é oportunizada a participação dos membros.
c) Diaconia
Em Jesus Cristo, Deus veio ao mundo e serviu às pesso¬as, principalmente àquelas em situação de maior fragilidade. Com isso Deus nos mostrou um jeito de ser e de viver nossa fé, baseado no amor e no serviço ao próximo. Por isso educar as pessoas na fé cristã é também educá-las para a diaconia.
- Educar para a diaconia é despertar para o amor mútuo e para o serviço, valorizando integralmente todas as pessoas – crianças, jovens, adultas e idosas –, motivando-as a servir conforme seus dons.
- Educar para a diaconia é educar para a solidariedade, aproximando-se das situações e da vida das pessoas e colocando-se a seu lado, sem tirar delas a responsabilidade por sua vida.
- Educar para a diaconia é sensibilizar o olhar para a realidade, levando em conta o contexto em que as pessoas vivem, seus costumes e formas diversas de reagir frente à vida.
- Educar para a diaconia é educar para a paz, para a inclusão e para a dignidade, ensinando um jeito pacífico de resolver conflitos e oportunizando a convivência com o diferente.
- Educar para a diaconia é educar para um olhar crítico das estruturas de poder que ameaçam a vida, denunciando situações e poderes que geram opressão, marginalização e morte, e anunciando a proposta de vida a partir da misericórdia e da justiça de Deus.
d) Liturgia
Liturgia é o jeito como realizamos nosso culto. E a liturgia está diretamente ligada à identidade confessional da pessoa, a seu sentimento de pertencer a uma comunidade de fé, que, por sua vez, está inserida num contexto mais amplo de igreja. A liturgia expressa uma teologia em palavras, em gestos, em ações, em símbolos, em obras de arte e em organização do espaço cultual.
Conhecer as partes da liturgia, sua história, sua razão de ser e seu conteúdo ajuda a fortalecer a identidade e a dar sentido ao ato de celebrar. Dentre os conteúdos que compõem a dimensão da liturgia, destacam-se:
As partes da liturgia – A liturgia é composta de diferentes partes, com significados e funções específicas. Reconhecer essas partes e saber sua origem e sua função auxilia na participação mais efetiva da comunidade nas celebrações.
Vestes, símbolos e gestos na liturgia – A liturgia faz uso de símbolos e de gestos cujo significado original, em geral, é bíblico. Criar espaços para a comunidade refletir sobre esses significados fortalece a fé e a identidade cristã-luterana.
O calendário litúrgico e as cores litúrgicas – O calendário litúrgico, com suas cores e símbolos, proporciona uma constante experiência com o evento salvífico pela repetição ano após ano.
A Ceia do Senhor – À comunidade cristã deve ser oportunizado o estudo da compreensão da Ceia do Senhor, ampliando mais o sentido da ação de graças, comunhão e da diaconia na Ceia do Senhor.
O lugar litúrgico – A IECLB possui critérios para a construção e reforma de igrejas. Conhecer esses critérios auxilia a avaliar aspectos do lugar litúrgico, que podem ser melhorados para que a arquitetura local favoreça a liturgia, suas ações e seu conteúdo.
6.4 – Contextos
O conteúdo da proclamação do evangelho é o mesmo em todos os tempos e lugares. No entanto, esse conteúdo precisa ser atualizado para o contexto no qual as pessoas vivem. Por contexto entende-se a realidade na qual as pessoas estão inseridas. A realidade agrega várias dimensões que compõem o contexto: dimensões social, política, econômica, religiosa e cultural. O contexto é o conjunto dessas dimensões. Esse con¬junto molda e influencia a compreensão que cada pessoa tem do mundo, do evangelho e de si mesma e, ao mesmo tempo, cada pessoa molda e influencia o contexto em que vive. O contexto é, portanto, uma referência metodológica que deve fazer parte do planejamento das ações de educação cristã.
Além de ser um referencial metodológico, o contexto oferece temas para serem estudados. A igreja deve ocupar-se com os temas que fazem parte da vida das pessoas e da comunidade. Olhar para o contexto e refletir sobre ele, orientado pela palavra de Deus, ajuda na definição da tarefa missionária da igreja. Por isso é imprescindível que as ações de educação cristã propostas em todas as instâncias da IECLB contemplem o estudo de temas que perpassam a vida pes¬soal e comunitária nos contextos social, político, econômico, cultural e religioso.
a) Contextos social, econômico e político
A mensagem da igreja perdeu forças na orientação da sociedade em seus traços fundamentais. A sociedade construiu fundamentos que dispensam a palavra das igrejas e das demais instituições religiosas. O modelo econômico determina, em grande parte, as relações sociais, contribuindo para a desigualdade que gera uma multidão de subempregados e empobrecidos. O poder político, aliado ao poder econômico, numa associação perversa, resulta num quadro de corrupção crônica e generalizada. Os efeitos desse modelo de desenvolvimento também são sentidos no meio ambiente. A natureza sofre as dores do progresso a qualquer preço.
Diante desse quadro social e econômico, que se guia pela lógica da exclusão da maioria, a igreja cristã precisa identificar espaços onde é possível colocar sinais do reino de Deus no mundo.
Compreender como a sociedade funciona, organiza-se e quais as relações de poder que se estabelecem ajuda a identificar o contexto de atuação missionária.
b) Contexto cultural
O evangelho não se confunde com a cultura, mas essa é a condição necessária para a sua encarnação. Por isso é preciso compreender a cultura para manter a fidelidade à dinâmica da encarnação da palavra de Deus.
A sociedade pós-moderna tem traços culturais peculiares. A diversidade cultural é cada vez mais explícita no mundo globalizado. No entanto, o gênero, a raça, a etnia, a religião, a orientação sexual e até mesmo a língua têm sido usadas como base para excluir pessoas.
Outros elementos que caracterizam a cultura pós-moderna são a ausência de limites, a necessidade de um consumo exagerado, a busca do prazer a qualquer preço e a supervalorização da estética em detrimento da ética. Isso demonstra uma crise de referências que produz um ser humano cada vez mais frágil e dependente de fatores externos.
Essa sociedade multicultural exige da fé cristã um constante exercício de amor e tolerância frente à diversidade. E, por outro lado, pede um profundo compromisso com o evangelho encarnado, que se contrapõe a todas as situações que oprimem e tolhem a liberdade das pessoas.
c) Contexto eclesial e religioso
A lógica do mercado também está presente no contexto religioso. Se em tempos idos as instituições religiosas faziam os indivíduos dobrarem os joelhos, na sociedade contemporânea, marcada fortemente pelo individualismo, as instituições religiosas vêm sendo forçadas a se dobrar diante de necessidades dos indivíduos. É crescente a busca por experiências religio¬sas que fogem da mensagem de um Deus crucificado. Essas experiências prendem-se ao aqui e agora e desconsideram a esperança cristã.
Essa lógica apropriada pela religião afeta as igrejas tradicionais. Por isso a IECLB precisa articular e traduzir a reflexão teológica para dentro da realidade encarnada.
O estudo e a compreensão do contexto religioso devem apontar para a necessidade de fortalecer a fé e de aprofundar o conhecimento sobre a IECLB, sua doutrina e estrutura, reforçando o compromisso com a proclamação do evangelho.
A missão de Deus no mundo acontece em diferentes con¬textos. A IECLB é chamada a assumir sua tarefa missionária na realidade social, política, econômica, cultural e religiosa brasilei¬ra. Isso implica reconhecer-se como parte dessa realidade, com um papel importante no anúncio do reino de Deus. Ela precisa olhar para sua história no país, reconhecer o seu potencial ecle¬siológico e teológico e traduzi-lo para o lugar específico onde cada pessoa vive e testemunha sua fé de confissão luterana.
7. Formas de atuação
As formas de atuação são meios pelos quais as instâncias da IECLB oferecem os conteúdos da educação cristã a todas as pessoas. O PECC indica três formas prioritárias de atuação para o planejamento das ações de educação cristã: articulação, publicação de materiais e formação. As formas de atuação, junto com as áreas temáticas, podem operacionalizar e orientar o planejamento das ações de educação cristã.
A partir da relação entre PECC e PAMI, essas três formas de atuação são instrumentos para o planejamento das ações do eixo transversal Educação Cristã do PAMI 2008-2012.
A articulação implica reconhecer as necessidades na área da educação cristã, apontar e definir as prioridades, decidir quais serão as iniciativas, promover a comunicação, providenciar os recursos financeiros e organizar um planejamento com metas e prazos. A articulação apoia e viabiliza a elaboração de materiais e a formação.
A partir da articulação, a publicação de materiais implica elaborar, organizar, compilar e publicar materiais que atendam às necessidades locais, sinodais ou nacionais.
Também a partir da articulação, a formação implica promover e realizar seminários e encontros de capacitação de lideranças e de formação básica para todos os membros.
8. Atribuições diante do PECC
O Plano de Educação Cristã Contínua quer orientar e ajudar as instâncias da IECLB na avaliação, no planejamento e na condução das ações de educação cristã, conforme o Art. 6º, incisos III e IV da Constituição da IECLB (III – promover o ensino, a missão e a diaconia; IV – proporcionar o aprofundamento teológico e o crescimento espiritual nas Comunidades). Cada uma das instâncias tem atribuições e responsabilidades quanto à formação cristã dos membros. Os documentos normativos da IECLB permitem identificar as atribuições em termos de educação cristã contínua.
Comunidade
Segundo o artigo 9º do Regimento Interno da IECLB, inci¬sos I e III, compete à Comunidade: “criar, planejar e viabilizar setores de trabalho para atender à sua responsabilidade com (...) a catequese, a evangelização e a missão”; “promover meios necessários à formação evangélico-luterana dos batizados”. Ainda, segundo “Nossa Fé Nossa Vida” (p. 8, 4.ed., 2005), é objetivo da comunidade “promover o ensino e a formação evangélico-luterana das pessoas batizadas”.
Paróquia
Ao Conselho Paroquial cabe “empenhar-se na formação de lideranças e colaboradores” (Reg. Int. Art. 23, inciso VII).
Sínodos
Ao Conselho Sinodal cabe “incentivar e promover junto às Comunidades os projetos de missão, catequese, evangelização e diaconia” (Reg. Int. Art. 38, inciso II).
Conselho da Igreja
Ao Conselho da Igreja cabe “supervisionar o processo de formação teológica e educacional na IECLB em todos os níveis” (Const. Art 30, inciso III).
Concílio da Igreja
O Concílio é o órgão soberano da IECLB e lhe compete “estabelecer o plano de ação da Igreja no território brasileiro (...)”; “promover o debate e a reflexão sobre temas fundamentais e de interesse das Comunidades, Paróquias e Sínodos” (Const. Art. 25, incisos II e III).
Secretaria Geral
À Secretaria Geral cabe “prestar assessoramento e auxílio na coordenação, execução e dinamização das atividades da igreja” (Const. Art. 37 inciso V).
9. Orientações para operacionalização do Plano
de Educação Cristã Contínua em cada instância da IECLB
A partir dessas atribuições definidas nos documentos normativos, o PECC indica os seguintes passos para o planejamento das ações de educação cristã de cada uma das instâncias:
Comunidade
- Avaliar as ações educativas promovidas pela comunidade para cada fase da vida, identificando onde estão contempladas as quatro áreas temáticas: Bíblia – Confessionalidade – Missão – Contextos.
- Diagnosticar lacunas na formação oferecida para cada fase da vida.
- Estabelecer metas e prioridades na Assembleia Geral da Comunidade, conforme estatuto padrão, Art. 21, incisos II, III e VII.
- Planejar e promover ações educativas a partir das metas e prioridades estabelecidas, observando as três formas de atuação e as áreas temáticas.
- Prever no orçamento da comunidade os recursos necessários para que se efetivem as ações de educação cristã planejadas.
- Integrar-se nas ações de educação cristã promovidas pela paróquia e pelo sínodo.
Conselho Paroquial
- Diagnosticar, no âmbito da paróquia, lacunas na formação de lideranças a partir das quatro áreas temáticas: Bíblia – Confessionalidade – Missão – Contextos.
- Estabelecer metas, planejar e promover ações educativas, observando as três formas de atuação e as áreas temáticas.
- Prever no orçamento da paróquia os recursos necessários para que se efetivem as ações de educação cristã planejadas.
- Promover avaliações periódicas e zelar pela unidade das ações na paróquia.
- Acompanhar a reflexão e o planejamento de ações de educação cristã nas comunidades e no sínodo.
- Indicar, incentivar e apoiar pessoas a participar de atividades sinodais voltadas à formação.
Conselho Sinodal
- Criar a Coordenação Sinodal de ECC, de acordo com a realidade e as condições locais.
- Promover a divulgação e o estudo do PECC em eventos sinodais.
- Promover, no âmbito do sínodo, encontros de formação para lideranças.
- Avaliar a proposta de planejamento apresentada pela Coordenação Sinodal de Educação Cristã.
- Oferecer as condições para a implementação do pla¬nejamento sinodal de educação cristã no Sínodo.
- Prever no orçamento do sínodo o valor necessário para que se efetivem as ações de educação cristã pla¬nejadas.
- Avaliar e aprovar os relatórios anuais sobre a Educação Cristã no Sínodo.
Coordenação Sinodal de Educação Cristã
- Identificar, no âmbito do sínodo, lacunas na formação de lideranças a partir das quatro áreas temáticas: Bíblia – Confessionalidade – Missão – Contextos.
- Elaborar e propor ao Conselho Sinodal o planejamento da Educação Cristã Contínua no sínodo a partir das metas e prioridades estabelecidas na Assembleia Sinodal.
- Promover e manter o diálogo com o grupo coordenador de ECC da IECLB e outras Coordenações Sinodais de ECC.
- Elaborar relatórios anuais sobre a educação cristã no Sínodo.
Conselho da Igreja
- Indicar e homologar nomes para a composição do Grupo Coordenador de Educação Cristã Contínua da IECLB.
- Avaliar as propostas apresentadas pelo Grupo Coordenador de ECC da IECLB e dos Seminários Nacionais.
Grupo Coordenador de ECC da IECLB
O Grupo Coordenador tem como tarefa:
- Assessorar o Conselho da Igreja nos assuntos relacionados à educação cristã.
- Coordenar a divulgação do PECC junto aos sínodos.
- Ser o elo entre sínodos, Secretaria Geral e Conselho da Igreja.
- Acompanhar os sínodos através de relatórios anuais por eles enviados.
- Identificar necessidades e lacunas na formação de lideranças.
- Propor, planejar e coordenar seminários nacionais de ECC.
- Divulgar, nas instituições que formam ministros e ministras para a IECLB, as diretrizes da Política Educacional da IECLB e o PECC.
- Estimular a partilha de recursos didáticos produzidos na IECLB.
Secretaria Geral
(Através da Secretaria de Formação, Departamento de Educação Cristã e Coordenação de Diaconia)
- Prestar assessoramento às coordenações sinodais de ECC.
- Promover seminários nacionais.
- Coordenar a elaboração de materiais de abrangência nacional, em conformidade com a missão na igreja.
- Acompanhar e integrar o Grupo Coordenador de ECC da IECLB.
- Prever, no orçamento central, os recursos e as condições para o trabalho do Grupo Coordenador de ECC da IECLB.46
10. Fontes de pesquisa e leituras recomendadas
- Avaliação da Reestruturação da IECLB – Fóruns da IECLB, Volume II. Blumenau: Editora Otto Kuhr, 2006.
- Batismo e Educação Cristã – por uma vivência diária da fé. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2006.
- Diretrizes da Política Educacional da IECLB. In: Textos Orientadores para a Educação Evangélico-Luterana. Rede Sinodal de Educação – IECLB. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005.
- Discipulado permanente – Catecumenato Permanente. In: Germano Burger (Ed.). Quem assume esta tarefa? Um documentário de uma Igreja em busca da sua identidade. São Leopoldo: Sinodal, 1977. p. 87-105.
- Educação: Um Tesouro a Descobrir. UNESCO, MEC. São Paulo: Cortez Editora, 1999.
- Estudos Teológicos nº 3 – 1994 – Ano 34. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia.
- Fórum Nacional de Ensino Confirmatório. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2006.
- Fórum Nacional de Missão – Fóruns da IECLB, Volume III. Blumenau: Editora Otto Kuhr, 2007.
- Fórum Nacional Luterano de Ensino Religioso. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2005.
- Missão de Deus - Nossa Paixão – Texto-base para o Plano de Ação Missionária da IECLB 2008-2012. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2008.
- Missão em Contexto – Federação Luterana Mundial. Curitiba: Encontro Publicações, 2006.
-
Nossa Fé - Nossa Vida – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – 4.ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2005.