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ID: 18

Viver: obrigação ou direito?

08/07/2005

Viver: obrigação ou direito?
 

P. Rodrigo Portella *

Volta à baila, nestes últimos tempos, a questão da eutanásia. Talvez mais em um contexto europeu e norte-americano, mas também com reflexos aqui. É um desses temas, como o do aborto, que sempre de novo fazem uma consulta às consciências morais e éticas da sociedade, sejam elas religiosas, governamentais e políticas ou do âmbito do Direito. O caso de Terry Schiavo, nos EUA, e de filmes, como a película espanhola Mar adentro e o longa-metragem norte-americano Menina de ouro repuseram a eutanásia na ordem do dia. Esse tema, como todos os polêmicos, suscita ânimos acalorados e polarizados, dúvidas e questionamentos. Enfim, tem o mérito de nos fazer pensar e observar as sutilezas e complexidades da vida e os limites que temos no trato de questões vitais que não se contentam com respostas simples.

Aqui quero contribuir com poucas e tímidas reflexões sobre o tema. Reflexões de âmbito pessoal, conquanto postas para o debate que precisa ser enunciado. Uma primeira questão que coloco é uma constatação a partir da ótica cristã: a vida é um dom de Deus. Partamos, então, deste dado como sendo pacífico a todos, ou ao menos aos cristãos ou religiosos de outras tradições. Se a vida é um dom de Deus, o que devemos nos perguntar é se uma vida humana condenada ao sofrimento e à dor constantes, dor desumana, é ainda um dom de Deus. Que tipo de vida é um dom de Deus? Simplesmente a vida entendida como funcionamento biológico do corpo, ainda que de modo inconsciente, sem percepção do mundo, da própria vida, ou em meio a dores insuportáveis e incuráveis? De que vida se fala quando se diz que ela é um dom de Deus? Se vida, entendida como dom de Deus, pode ser diminuída ao mínimo das funções biológicas básicas que fazem com que uma pessoa esteja, minimamente, presente biologicamente neste mundo, a despeito de inconsciência irreversível ou sofrimentos medicinalmente incuráveis, então ela, a vida, de forma alguma pode ser cancelada por qualquer decisão humana. Mas se vida, como dom de Deus, não se identifica simplesmente com um funcionamento mínimo automático ou induzido do corpo humano, mas se identifica com bem-estar, condições para se viver ou se tentar viver com dignidade, sem dores insuportáveis e irreversíveis e com alguma possibilidade de consciência, convivência e integração humanas, então a questão muda de sentido. E, nesse caso, seria preciso perguntar se a eutanásia, em alguns casos, não constituiria um ato de dignidade diante de uma vida que já não é mais identificada como dom de Deus, mas que se tornou a manifestação de um “anti-dom”, ou seja, de uma violação ao dom de Deus, uma vida que apenas se constitui em alguns elementos biológicos, mas sem a aura do dom divino, sem ser reconhecida como um sinal de dignidade em existir, em ser dom.

Outra questão, anexa a essa, é: se Deus é o dono da vida (partamos deste princípio), quem é o dono depois de Deus, a medicina e o Estado ou o enfermo, a pessoa em questão? Deve permanecer com maior força o direito da medicina (e do Estado) em prolongar uma vida humana que se encontra na irreversibilidade de sua dignidade enquanto vida para além de somente o funcionamento, induzido ou não, de mínimas condições biológicas de existência, ou deve prevalecer o direito do doente em decidir se quer continuar vivendo sob condições que, por ele, já não são consideradas como vida enquanto dom de Deus, ou seja, vida digna a partir de um ponto de vista extremo? Então, no plano das necessárias decisões cruciais humanas, quando não se é possível consultar um oráculo, mas em que a decisão está entre a ciência médica de prolongamento de vida e a própria pessoa que é alvo deste possível prolongamento de vida, quem tem o direito da decisão final? Depois de Deus, a quem pertence a vida e as decisões sobre ela, à medicina ou à pessoa humana, em sua consciência individual?

Aqui chegamos ao último ponto desta reflexão. Em último (ou primeiro) caso é preciso perguntar: a vida, o vivê-la, é um direito que compete ao ser humano ou uma obrigação que se lhe impõe o ato biológico de funcionamento do corpo, ainda que em meio a dores irreversíveis ou inconsciência sem volta? Ora, se o ato de viver for uma obrigação, independente de qualquer outro fator, ou seja, se o estar vivo biologicamente implica na obrigação de que eu conserve minha vida a priori, simplesmente por estar de alguma forma biologicamente vivo, então, mais uma vez, a eutanásia não se justifica. Porém, se viver não se constitui numa obrigação que me é imposta por Deus ou pela sociedade, mas num direito que cabe a mim; ou, em outras palavras, se a vida é um dom, presente dado, e se com aquilo que me é dado eu posso fazer o que quiser, então a questão toma outro sentido. Ora, não é verdade que tantas pessoas sabem que o fumo, as drogas químicas, a ingestão exagerada de gordura e de bebidas alcoólicas são prejudiciais à saúde, isto é, à vida, e que proporcionam seu enfraquecimento, o surgimento de doenças e a possibilidade de uma morte induzida pela ingestão destes produtos? E não é verdade, também, que a despeito desta consciência, tantas pessoas continuam a usar tais produtos, ou seja, a cometerem um “suicídio lento” em suas vidas? E por que assim fazem? Por que consideram-se donas de suas vidas e com o direito de decidir sobre elas, sobre como preservá-las ou como prejudicá-las, ainda que por alegadas razões de prazer pessoal. Enfim, se este direito de dispormos sobre nossa vida, beneficiando-a ou prejudicando-a, no caso de prejudicando-a num “lento suicídio”, vale para nossa vida enquanto estamos sãos e plenamente conscientes, por que este direito não valeria, também, para uma decisão quanto à questão da nossa continuidade ou não de vida biológica num momento extremo de possibilidades de vida enquanto dom e dignidade já não possíveis, situações irreversíveis?

Enfim, a eutanásia, o sim ou não a ela, se mostra como uma questão de opções prévias de nosso olhar e de nossos conceitos sobre a vida. Envolve nossos pontos de vista em relação à questão do que é vida enquanto dom de Deus, a quem pertence a vida em situações concretas e dramáticas de decisões que temos que tomar, e se viver é um direito ou obrigação, em qualquer circunstância, que nos compete. Dependendo das respostas a estas e a outras questões poderemos nos posicionar frente ao problema. Mas, mesmo assim, ainda quero lembrar: quando se trata da vida, de seus sofrimentos e de suas esperanças, ninguém, creio eu, poderia ditar normas e regras universais de procedimento. Sendo, em última análise, questões muito pessoais, no fim das contas, somente quem vive tais situações extremas sabe os paradoxos dramáticos que elas encerram.

 

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* Rodrigo Portella é pastor na Comunidade Luterana de Juiz de Fora-MG.
 


Autor(a): Rodrigo Portella
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 21653

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