Que é isso companheiro?
Jaqueline Schneider *
Impossível não comentar a charge de um conhecido jornal brasileiro onde aparecem quatro mendigos. Três deles olham espantados para o quarto mendigo que sorri com ar triunfante. Este mendigo sorridente e esfarrapado está sentado no chão (assim como os outros) e tem ao seu lado um saco onde, provavelmente, estão guardados a totalidade de seus parcos pertences. O detalhe da charge, além, é claro do sorriso desafiador do mendigo, é o que está em volta deste mendigo sorridente: paredes blindadas que se evidenciam pelas letras garrafais onde se lê: BLINDEX. O sorriso deste morador de rua tem um ar de: - Agora sim eu quero ver quem vai me espancar no meio da noite!
Parece um pouco brusco resgatarmos, sem maiores rodeios ou apresentações, a temática da violência num espaço que quer ser fonte de ânimo e de esperança. Mas como diz a canção Quem quer cantar do amor não poderá calar da cruz! E muitas vozes tem sido caladas ao longo do tempo no nosso país. Isso sem falar no incontável número de cruzes que tem sido jogadas sobre as costas, a cabeça, o corpo todo desta gente brasileira ao longo dos governos e desgovernos que assolam a nossa terra.
Nossos contemporâneos, gente do nosso tempo, repetem no presente erros históricos. Com sua questionável, xenofóbica e limitada leitura do mundo e da realidade se deixam dominar pelo discurso torto e inflamado do ódio e mostram o seu poder transformador da forma menos racional possível: através da destruição e do ataque à vida do outro. Outro que tão pouco possui e ainda lhe querem roubar o vital: o direito a existir, a viver, a respirar, a dormir nas calçadas de um país que ocupa o 5o lugar entre os que possuem a pior distribuição de renda no mundo. Com estas poucas palavras não se pretende aqui a apologia ou glorificação dos moradores e moradoras de rua. O objetivo é despertar toda esta brava gente brasileira que continua deitada eternamente em berço esplêndido enquanto seus irmãos e irmãs tem seu corpo marcado a ferro e fogo, suas vestes rasgadas, sua comida negada, sua voz calada.
A onda de violência contra os moradores de rua em São Paulo não pode ser apenas mais uma. Hoje, corremos o risco de nos embrutecermos diante das barbáries a que estamos continuamente expostos e que, muitas vezes, nos tornam vítimas e reféns. No entanto, simplesmente fechar os olhos e dizer não é comigo também não é a solução. Cristão e cristã não se deixa intimidar. Não volta simplesmente seus olhos para o céu e espera com expectativa que tudo se resolva no mundo que há de vir...Cristão e cristã se deixa guiar pelo Evangelho, pela Espírito Santo e faz da sua vida o testemunho que um novo modo de ser e de viver aqui e agora ainda hoje é possível. E parafraseando João Cabral de Melo Neto, acrescentaria que chega de tantos Severinos iguais em tudo na vida...E se somos severinos iguais em tudo na vida morremos de morte igual, mesma morte Severina: que é a morte que se morre de velhice antes do trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia. Lembro ainda uma estória de Kahlil Gibran que nos conta que dois homens estavam a procura de Deus. Então um deles, apontou para montanha a sua frente e perguntou: -Vês aquela ermida? Ali mora um homem que há muito tempo virou as costas para o mundo. Ele procura por Deus e nada mais na terra. O outro homem disse: - Ele somente achará Deus quando abandonar a ermida e a solidão e voltar a este mundo, para compartilhar de nossa alegria e nosso sofrimento, quando dançar nas festas de casamento e chorar junto coma gente os nossos mortos. Que Deus nos ajude a sermos cristãos e cristãs que jamais se acostumam com atitudes violentas. Que Deus nos ajude a sermos instrumentos de sua paz no mundo através do comprometimento com a transformação da realidade que nos cerca e da qual fazemos parte! Amém!
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* Jaqueline Schneider faz o seu Período Prático de Habilitação ao Ministério na Paróquia de Limeira
