Quando você ouve a palavra QUARESMA, qual o primeiro pensamento que vem à sua mente?
Conversando com pessoas de nossas comunidades sobre a quaresma, as primeiras palavras são: “Antigamente era diferente. Na quaresma não se fazia bailes, não se podia dançar, não se fazia festa, casamentos. Hoje, não existe mais isso. Até os idosos fazem baile na quaresma.” Até mesmo o jejum não é mais observado.
Realmente, os tempos mudaram. “O que fazer?”, muitos me perguntam. Uma coisa está clara: voltar ao passado não é possível. Mas, a partir do significado deste tempo da quaresma, precisamos encontrar um caminho para que este tempo não se transforme em algo vazio e sem sentido e que vá se perdendo ao longo dos anos.
Precisamos considerar que abstinência de bailes e festas são sinais externos, visíveis, são expressão do significado da quaresma, que quer nos confrontar, que quer nos lembrar novamente o sofrimento de Jesus rumo ao calvário e sua morte cruel na cruz. Na quaresma, lembramos do evento salvífico e definitivo onde Deus mesmo age em favor de toda a humanidade – não só para o seu tempo, mas em favor da humanidade em todos os tempos – também para nós hoje.
Por isso, a quaresma não quer ser vivida somente com os olhos voltados para o passado, onde nos recordamos da crueldade das pessoas na época de Jesus. Quaresma quer nos fazer olhar para a nossa realidade hoje e nos fazer ver: assim somos nós, assim são os seres humanos: cruéis, malvados, desumanos. Não somente naquele tempo – não somente Judas, Pilatos, os sumos sacerdotes, os soldados romanos, as pessoas que gritaram “crucifica-o”, todos envolvidos na tortura, condenação e execução de Jesus -, mas também nós hoje somos cruéis e desumanos.
Precisamos lembrar: o sofrimento de Cristo continua em todos os que sofrem por causa do egoísmo e da injustiça da nossa sociedade. “Eu afirmo que todas as vezes que vocês deixaram de ajudar a uma destas pessoas mais humildes, de fato foi a mim que deixaram de ajudar”, diz Jesus em Mateus 25.45.
Além de lembrar o sofrimento de Cristo, quaresma quer nos chamar à conversão, à mudança de atitude, quer nos ajudar a repensar nossos caminhos HOJE.
Diante da pergunta: “o que fazer para que a quaresma não seja algo vazio e sem sentido para nós e corra o risco de se perder ao longo da poeira do tempo?”, é preciso ir por um novo caminho. Já que voltar ao passado não é possível – sem bailes e festas neste período – é necessário ter outra forma de tornar visível o significado da quaresma. Mesmo o jejum “permanece dentro de uma esfera individualista: tudo gira em torno do próprio eu e se expressa em sentimentos de remorso e dor solitária que se penaliza por uma espécie de auto flagelação espiritual com traços saudosistas. “Afligem as suas almas e acham o seu próprio contentamento”. (Is 58.3)” (Bertholdo Weber, em Proclamar Libertação IX, p. 51)
Mas não é esse o jejum que Deus quer. “O verdadeiro jejum agradável a Deus consiste em solidariedade e ação de amor em favor do próximo.” (Bertholdo Weber, Proclamar Libertação IX, p. 51)
Nos diz Deus em Isaías e Oséias:
“Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? (Isaías 58.6,7). “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” (Oséias 6.6)
A partir da referência bíblica, deveríamos fazer da quaresma um período intensivo de resgate da solidariedade, onde haja denúncia das estruturas sociais injustas que geram sofrimento e pobreza, onde haja gestos concretos, ações concretas de solidariedade em relação aos que sofrem. Nos diz o pastor Bertholdo Weber: “(...) podemos... levantar sinais do Reino de Deus em nosso meio através de exercícios comunitários que buscam concretizar esta solidariedade e esta partilha fraterna.” (Proclamar Libertação IX, p. 55)
Quaresma é o convite ao arrependimento à mudança de atitude, é convite à solidariedade. Deixar de lado o nosso egoísmo, nossa ganância e nos voltarmos ao próximo que precisa de nós. Que saibamos viver este tempo gratos pelo que Deus fez e faz por nós através de Jesus Cristo e que esta gratidão nos leve de encontro àquele que sofre.
P. Elton Pothin
Pastor da IECLB em Petrópolis - RJ.
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