Aconteceu um fato com um pastor em uma pequena comunidade de interior: Ele já tinha ido fazer culto algumas vezes nesta comunidade e, por estar a pouco tempo na paróquia, ainda não conhecia todas as pessoas. Depois de alguns cultos nesta pequena comunidade um fato lhe chamou a atenção. Um senhor de idade já bastante avançada, que sentava sempre no primeiro banco, parecia prestar bastante atenção, mas, apesar de possuir junto a si um hinário e uma bíblia, não fazia uso destes, ou seja, nem os abria. Ficava durante todo o culto olhando seriamente para o pastor. Depois de alguns cultos, meio constrangido o pastor foi conversar com este senhor.
- Seu Anselmo, vejo que o senhor trouxe a sua bíblia e o seu hinário e isto é muito bonito, mas também reparei que o senhor nem os abriu durante os cultos.
O velho senhor tomou o pastor pela mão e o conduziu até uma certa distância do prédio da igreja e apontando para o que se via, afirmou:
- Está vendo aquele cemitério, pastor? Está dentro das minhas terras. Está vendo esta igreja, pastor? Não só foi construída em minhas terras, como eu dei a maior parte do material para a construção. Está vendo o salão da comunidade? Ele também foi construído dentro das minhas terras e os eucaliptos usados para a estrutura e para o telhado saíram daquele meu eucaliptal. Sabe, pastor, Deus está em dívida para comigo!
Outra pequena história está na bíblia: O apóstolo Paulo descreve que diversas vezes havia pedido a Deus que lhe curasse de seu mal, ao que Deus lhe reponde, em II Co 12.9: “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder”.
Estamos nos aproximando da comemoração dos 500 anos da Reforma Luterana, e sempre é bom a gente ser lembrado do centro de nossa teologia. A graça dada por Deus está no centro, pois Lutero disse: Solos Cristus, Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura! Ou seja, somente Cristo, Somente a Fé, Somente a Graça, Somente a Escritura! Nada além disto pode alçar a pessoa humana à salvação. Tudo nos é dado por Deus. Se pararmos para pensar com muita clareza chegaremos à conclusão que, a começar pela nossa vida, passando pela vida de nossos entes queridos, chegando aos nossos, muitos ou poucos, bens, tudo é dádiva de Deus, pura graça. Nada, absolutamente nada, podemos receber ou alcançar pelas nossas próprias forças, mas nos é dado, gratuitamente e bondosamente pelo amor de Deus e este não nos pede absolutamente nada em troca.
Nós, por outro lado, não vemos as coisas desta maneira. Gostamos de cobrar de Deus a nossa atuação. “Eu tenho trabalhado tanto pela igreja”, dizemos em nossas orações, ou, “eu tenho feito tanto pelos pobres e Deus não me recompensa”. “Os membros da diretoria da comunidade trabalham tão duro e ninguém reconhece”. Ou a pior de todas, “Nós temos sempre mantido a contribuição, ou o dízimo, em dia, sempre participados dos cultos e agora a gente passa por isto tudo. Será que Deus não vê?”
Muitas vezes queremos pressionar Deus com os nossos atos, com a maneira que levamos a nossa vida. Nós sempre nos julgamos muito bons, acima da média. Todos nós e, como o senhor da pequena história, gostamos de cobrar de Deus a recompensa pelos nossos atos. Achamos todos que somos merecedores de muito mais do que Deus já nos deu. Dizer que Deus está em dívida para conosco nos parece um absurdo, mas a cobrança que fazemos a Deus em nosso dia-a-dia apenas não verbaliza isto.
“Pela Graça sois salvos”, disse o apóstolo Paulo em sua carta aos Efésios 2.8 e pela graça vivemos. Deus já nos deu tudo, inclusive o direito de sermos chamados filhos e filhas. Nada do que nós possamos fazer irá pagar, recompensar, retribuir o que Dele recebemos. Por mais que nos esforcemos, não é o suficiente. Dentro da lógica até parece que aquele senhor da história pode ter razão, mas na verdade Deus já havia dado antes para ele. Deus nos deu todo de graça, em graça, por graça e a nós cabe botarmos tudo isto a serviço deste seu reino de paz e de amor, nos envolvendo com o projeto de Deus para que todos possam ter desta graça. A graça não pode ficar parada naquele que a recebe, mas deve ser posta a serviço do amor e da misericórdia de Deus.
Amém!