Fazei amigos com o dinheiro da iniqüidade! Lucas 16.1-13
Esse conselho de Jesus nos ajuda a pensar nas escolhas mais significativas da nossa vida, as que têm raízes em nossa personalidade e as que solidificaram-se ao longo de nossa vida por meio de nossas opções. Ouvintes da Palavra, somos também frutos das nossas opções, por isso ser cristão implica em saber quem somos e quais os valores com os quais estamos visceralmente comprometidos.
A parábola de Jesus diz que o patrão quer mandar embora o seu administrador, por isso exige que ele preste contas do seu trabalho. O administrador, consciente do conjunto das coisas que viu ao longo de sua vida, se deixa guiar pelo senso de justiça e não pela aplicação da letra fria da lei. Vai ao encontro das pessoas que têm débitos com seu patrão, o credor, e os favorece. O próprio patrão, posteriormente, o elogiou por sua maturidade ao posicionar-se do lado dos inadimplentes, os pobres. É nesse contexto que surge a frase de Jesus: fazei amigos com o dinheiro da iniqüidade!
Estórias com enredos do cotidiano, ao tratar de assuntos como abundância de recursos e avareza, a parábola nos remete à justificação por fé e graça. As opções do administrador, na boca de Jesus, são diferentes das que tomamos hoje. No nosso contexto sócio-cultural, se cultua a eficácia e os resultados, em que contam a capacidade profissional, o lucro e o êxito, tornando a sociedade fria e exigente. O ser humano para ser alguém, para alcançar sua identidade, deve se submeter a uma disciplina rígida que escraviza e desumaniza, fazendo-nos escravos da produção, do trabalho, do sucesso e da competição. Para Jesus quem experimenta existencialmente a justificação está liberto desse peso infernal. Ele sabe que, apesar de suas limitações e deficiências, é aceito e amado por Deus, seu trabalho tem valor e não se sente coagido a justificar-se diante dos outros.
Por esta razão, o administrador da parábola de Jesus faz outro caminho: ele se torna aristocrata. Somos aristocratas, não por ser intelectuais e elitistas, preconceito de quem desconhece o significado da palavra ou apenas seu lado perverso. Aristocratas são aqueles que sentem-se obrigados pelo que não obriga aos demais. A chamada Noblesse oblige, que os compromete com os perigos inerentes a esta obrigação suplementar, é o que os separa dos demais. Operários sabem que seus colegas do sindicato assumem responsabilidades que os distinguem porque se arriscam mais, e isto os coloca à parte. A compensação pelo risco que correm para defender os interesses dos colegas é a solidariedade deles, que logo se mostra no calor do conflito.
O administrador da parábola tem certa autonomia no exercício de suas funções para melhor realizar esse serviço ao bem comum da comunidade. Mas os que exercem este encargo, correm o risco de serem cooptados por uma minoria aristocrática, agora no sentido perverso, que por estar afastada dos problemas comuns, tende a esquecer o aspecto serviço e a acentuar o aspecto privilégio. Com isso, esse que está obrigado ao que não obriga aos demais, acaba por se afastar da função que originou seu encargo. Toda responsabilidade constitui uma aristocracia, primeiro em seu sentido próprio, e também em sua potencialidade pejorativa: a de desviar em proveito próprio as facilidades essenciais da função.
Para entender o conflito e o papel desse administrador, precisamos nos dar conta de que não podemos esquecer quem somos e nem nosso compromisso. Sendo pessoas que estudam, trabalham, superam dificuldades e se esforçam para ganhar a vida e se portar de forma ética, percebemos como mundo é injusto com muita gente. A maioria dos brasileiros/as não têm acesso a bens, possibilidades e chances. E nós tivemos. Para não se deixar levar pela ilusão do privilégio, a pior das bagagens que os portugueses trouxeram, precisamos saber quem somos e a que se presta nosso trabalho.
A melhor forma de fazer isso é valorizar os que fazem parte dos nossos compromissos, dos que contam com nosso trabalho, dos que contribuíram para que decidíssemos ser quem somos. E desses, ser amigos. É para estes que nosso trabalho pode fazer diferença. Tomar consciência disso não é se culpar porque outros não tiveram oportunidades, nem nos auto-flagelar, nem nos cansar em denúncias orquestradas (de pessoas enfadadas em suas vidas enfadonhas) e nem punir os que não comungam nossos interesses. Mas transformar os frutos da injustiça em serviço, assumir-se como parte dessa gente, demonstrar-lhes sua gratidão, e servir. Numa palavra: ser solidários, amigos e amigas, do povo mais simples.
Assim, fazendo amigos com o dinheiro da iniqüidade, contribuímos com a cidadania e construímos uma sociedade melhor! Que nessa tarefa, Deus os abençoe. Amém.
P.Antonio Carlos Ribeiro