“Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” (Ef. 4.15-16).
A imagem do corpo é fascinante quando utilizada por Paulo para falar sobre a Igreja. Ela nos mostra que a Igreja, estabelecida pelo Espírito Santo com base na pregação dos apóstolos (At 2.42), é mais do que uma instituição sócio-religiosa. Antes disso, ela é um organismo vivo, dinâmico, comunitário, no qual o Deus Triúno sopra seu “vento que anima e faz viver, que empurra e faz mover.
A imagem do corpo é significativa porque nos chama atenção para um aspecto essencial na vida em comunidade: os relacionamentos interpessoais.
Não é de hoje que os relacionamentos possuem um papel relevante na vida em comunidade. Na verdade, desde a origem do ser humano, criado como ser relacional à imagem e semelhança de Deus, a interação social tem sido um aspecto primordial para que a vida seja possível e haja paz na Criação de Deus e entre os homens. O grande dilema, é que nos dias de hoje, o individualismo, o utilitarismo, o imediatismo e o relativismo tem levando muitos cristãos a se tornarem cada vez mais artificiais (e por que não virtuais) em suas relações com o próximo. O que fragiliza também, a vida orgânica da Igreja e por correspondência, as nossas comunidades.
No entanto, não há como escapar dos relacionamentos. Muito menos negar sua relevância. Um corpo onde não há interação e cooperação entre os membros, é um corpo morto, ou no mínimo, em coma induzido. Neste ponto, Paulo em sua carta aos Efésios, nos chama atenção para a cooperação. Ele mostra que os relacionamentos precisam acontecer na dimensão da comunhão e estarem marcados pelo amor. Não por último, esta interação entre aos membros é caracterizada pela assim chamada mutualidade bíblica, utilizada por diversas vezes pelo apóstolo em outras cartas através da expressão recíproca “uns aos outros”.
O desejo de Paulo é que tal mutualidade – essa conexão dinâmica de interdependência orgânica da igreja existente entre pessoas feita à imagem e semelhança de Deus – não seja instrumento de manipulação humana em benefício de poucos, mas característica norteadora dos relacionamentos interpessoais em uma comunidade cristã, que sob a marca do amor busca promover a edificação do Corpo de Cristo.
O desafio, portanto, está em investir tempo, dinheiro e nossos dons em iniciativas e atividades que possam fomentar e fortalecer a convivência entre os irmãos e irmãs na fé, com base no próprio amor de Deus que nos aceita e nos coloca para dentro da realidade relacional entre Pai, Filho e Espírito Santo. Como escreveu certa vez Paul Tournier, “Nós temos uma profunda sede de vida, de relacionamentos alegres e livres. Precisamos que nossos amigos nos considerem sem preconceitos, vendo-nos como somos e não através da luneta de uma doutrina moral, de uma teoria científica ou de um diagnóstico médico. Pois é assim que Deus nos olha.”
Por isso, investir em relacionamento é investir nas pessoas, em seus potenciais. É investir em convívios que transpirem reconciliação com Deus, e restauração de vida a partir do perdão. Quando isso acontece, cria-se um ambiente onde se é possível compartilhar ansiedades, sonhos, frustrações, desejos, angústias e alegrias. Onde as lutas deixam de ser pessoais e passam a ser comunitária. Sem os relacionamentos marcados pelo amor e pela mutualidade bíblica, reinará o individualismo e a busca pela edificação pessoal em detrimento dos outros; o sacerdócio geral de todos os crentes poderá ser camufladamente substituído por um “sumo-sacerdócio” pessoal; a comunhão correrá o risco de ficar confinada a encontros semanais formalmente planejados; e a edificação do Corpo de Cristo passará a ser traduzida literalmente por edificação de estruturas eclesiásticas.
Enfim, como diria Bonhoeffer, a presença física de uns com os outros constitui uma fonte de alegria e fortalecimento incomparáveis, que sob a graça libertadora de Deus, “força e fraqueza, inteligência e ignorância, talentoso e sem talento, piedoso e menos piedoso – todas as diferenças individuais dentro da comunidade não serão motivo para falatório, julgamento, condenação, ou seja, motivo de autojustificação, mas serão razões de uns se alegrarem nos outros e de servirem mutuamente”.
E que assim “cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.”
Marcus David Ziemann,
candidato ao Ministerio Pastoral na IECLB, Paróquia de Funil