O dia 06 de janeiro é o dia de desarmar a árvore de Natal, tirar os piscas-piscas e encaixotar os enfeites. É o Dia de Epifania, o dia do Batismo do Senhor Jesus. Marca o fim do tempo de Natal e suas festas, e o início do tempo de trabalho. Jesus batizado começa a trabalhar, vai se revelando às pessoas mais próximas, e logo cumprirá a Missão de Anunciar a Boa Nova a todos os povos e Culturas.
Essa época de Epifania é uma boa hora para refletir e planejar o ano vindouro, especialmente para delinear os caminhos nos quais passarão a fé e a vida da Igreja. Qual será a ênfase da Missão da Igreja? Entre tantas possibilidades, proponho uma reflexão sobre um dos pontos mais débeis e também mais antigos do testemunho do evangelho entre nós evangélico-luteranos, qual seja, a questão da etnia e da cultura.
A questão étnica já era questão complicada no tempo de Jesus, bem o sabemos, com toda a dificuldade entre judeus e samaritanos; também na Igreja cristã primitiva, com toda a dificuldade de falar não só para judeus, mas também para gentios. E nós, evangélico-luteranos, para que povo ou tipo de gente anunciamos o evangelho de Jesus Cristo?
Basta correr os olhos pelos bancos durante o culto para perceber que a Igreja Luterana é uma igreja para pessoas brancas. Essa evidência é comprovada pelos números do IBGE: entre todas as igrejas e religiões do país, as igrejas luteranas são as mais brancas. Apenas 4% de seus membros não são brancos. Comparando esse índice ao de outras Igrejas do país, essa discrepância fica ainda mais evidente:
Brancos
Negros
Pardos
Igreja Luterana
95,8
0,7
2,9
Assembléia de Deus
44,0
7,0
47,5
Igreja Metodista
62,1
6,7
29,3
Igreja Universal
46,5
9,2
42,8
BRASIL
53,7
6,2
38,4
Que lições tirar desses números?
Primeiro, o reconhecimento da preciosa vocação luterana no Brasil, sua histórica vinculação étnica aos descendentes de imigrantes europeus, e também a característica familiar e rural da membresia.
Segundo, o reconhecimento do descompasso entre a idéia geral de ser Igreja para todas as pessoas no Brasil e a realidade que parece criar espaços eclesiais mais atrativos para determinadas culturas.
Terceiro, o reconhecimento de que, apesar de todos os esforços missionários, catequéticos e diaconais em contrário, a Igreja parece perpetuar um indesejado apartheid espiritual, reservando a piedade luterana quase só para pessoas brancas.
E quarto, o reconhecimento da invisibilidade luterana no país, fruto sobretudo da timidez evangelizadora de seus membros, e do modelo descompromissado da piedade luterana no cotidiano.
Que desafios esses números apresentam?
Primeiro, o desafio evangelizador: impulsionada por sua vocação diaconal, teológica, pastoral e ecumênica, a Igreja Luterana precisa seguir buscando uma fórmula para transformar-se também numa potência espiritual/evangelizadora.
Segundo, o desafio étnico: criar espaços e processos comunitários para tornar as pessoas negras e pardas também espiritualmente visíveis, e não só diaconal ou socialmente visíveis! Como testemunhar a Jesus Cristo do jeito luterano envolvendo pessoas negras e pardas não só nas obras sociais, mas também na vivência da espiritualidade?
Terceiro, o desafio teológico: A questão é saber se os desafios acima podem ser vencidos sem se passar por caminhos tidos idicamente como teologicamente incorretos, seja o testemunho proselitista, sejam ações afirmativas tipo cotas, sejam apelos litúrgicos emocionais ou, sobretudo, a diaconia evangelizadora.
Quarto, o desafio vocacional: há poucas almas realmente evangelizadoras na Igreja. E poucas vezes estamos realmente dispostos a mexer na estrutura comunitária tão confortável aos membros. Como convencer uns aos outros de que talvez seja até necessário diminuir as atividades de preservação da fé dos membros atuais e enfatizar a difusão da fé para novos membros? Nas palavras do Pastor Presidente Walter Altmann ao Concílio da Igreja em 2006: “[na IECLB] tem prevalecido uma pastoral de atendimento, visando o fortalecimento das comunidades estabelecidas, o acompanhamento dos membros evangélicos de confissão luterana em suas necessidades espirituais e a transmissão da fé à geração seguinte. São práticas eclesiais necessárias essas. Mas a missão de Deus não se limita à preservação da fé. Ao contrário, ela abrange também, e necessariamente, a difusão da fé. Somos chamados a testemunhar Cristo e dar razões de nossa fé nele para dentro das mais diferentes realidades, também ‘além fronteiras (...) geográficas, culturais, sociais, de gênero e outras mais”.
Um bom início seria tratar a questão étnica como tema de Campanha da Igreja nos próximos anos. O testemunho da revelação de Jesus como o Cristo vai pelo caminho de todos os povos, nações, culturas e cores. Caminho urgente e evangélico, porque a diversidade tem mais Graça!
Adilson Schultz
Pastor na IECLB em Belo Horizonte, MG