“Jesus e os discípulos estavam a caminho, subindo para Jerusalém. Jesus ia a frente. Os discípulos estavam espantados, e aqueles que iam atrás estavam com medo.” (Mc 10,32)
Andando nos passos de Jesus, estamos a caminho de Jerusalém. Os caminhos de subida a grande cidade, centro nervoso da Judéia. O espanto e o medo dos/as discípulos/as está posto! O medo vem do perigo a vista. Os perigos do conflito. Os conflitos sempre assustam, espantam e causam muito medo em muitas/os. O conflito sempre é atemorizador e por vezes, paralisante. Melhor seria não subir para Jerusalém. Por que ir até lá se poderiam continuar a dar voltas pelas redondezas do interior da Judéia, Galiléia e até Samaria? Afinal, tantas e tantas pessoas ainda queriam ouvir, ver, saber as Boas Novas do Mestre.
E Jesus, com toda convicção, subiu para Jerusalém. Acompanhado do cego Bartimeu que o chamou de “Jesus, filho de Davi” a alguns momentos atrás. Reconheceu nele uma liderança política da tradição de Davi, alguém muito importante para os judeus. Muitos o repreenderam quando nomeou Jesus assim, pois nisto havia risco. O “cego” viu mais além dos outros, e mesmo sabendo do risco o seguiu. A sua fé o fez enxergar e seguir o “filho de Davi” a Jerusalém.
As Boas Novas viram realidade quando passam por dentro do conflito. E Jesus sabia disto. Os/as discípulos/as foram tomados de espanto. Espalhar Boas Novas sem passar por Jerusalém viram atos assistenciais. O povo liberto do Êxodo precisou passar pelo deserto, o lugar do perigo neste caminho, enfrentar a fome, sede, os grupos amalecitas. Já diz a tradição bíblica que os caminhos de Deus são estreitos, são pedregosos. E é assim. Tem deserto. Tem Jerusalém. Tem cruz.
A vida anunciada pela Boa Nova do Evangelho não escapa de Jerusalém. E isto nos espanta, nos deixa com medo. Irmã Dorothy (assassinada em 2005) poderia ter abandonado sua comunidade, a missão na Amazônia e não ter subido a Jerusalém junto com Jesus. O deserto a caminho da libertação e a subida a Jerusalém faz muitos desistirem. A porta é estreita! A noite de vigília das 10 virgens é longa! A pedra do túmulo é grande e pesada! O caminho da Glória de Deus é um cálice de sangue.
Mas é preciso ir a Jerusalém! Não por busca de sofrimento, auto-flagelo e confusão para virar mártir. É preciso se colocar cara a cara com os que tem uma prática de promessa de vida ao povo de forma perversa: com os doutores da Lei e os chefes dos sacerdotes (Mc 10,33). Promessas, propostas, exigências, ilusões, em nome de Deus, para a vida do povo. Autoridades, autoritarismos, enganos, ilusões, manipulações, extorções, cooptações... Agora, cara a cara, estava posta a prova da Boa Nova para o povo. Através do conflito com as autoridades. Enfrentamento às formas de poder autoritário. Isto dá espanto. Isto dá medo. Isto faz desistir do caminho.
Jerusalém assusta. O poder nos encanta e nos assusta. As formas de poder culturalmente conhecidas pelos quatro cantos do mundo, via de regra, não são Boa Nova para o povo. Estas formas de poder construídas sobre o autoritarismo e centralismo – veja Gn 11, na narrativa da torre de Babel – atravessam nosso cotidiano, nas relações, nas formas como fazemos nossas instituições, desembocam em muita miséria e fome, destruição do planeta e todos os males sob os quais estamos sofrendo cada qual um pedaço. E não tem jeito, temos que colocar-nos cara a cara diante dos que detém poderes desta forma como Jesus o fez.
Cuspiram, torturaram, humilharam, mataram... a Jesus e tantas/os companheiros, na comunhão de todos/as os/as santos/as. Mais não tem outro jeito na história da salvação da tradição judaico-cristã e na história da humanidade. Muitos das nossas irmãs/os tiveram coragem de subir a Jerusalém com Jesus. Podemos ter espanto, podemos ter medo. Deus nos animará todos os dias e em todos os momentos neste caminho. Jesus vai a frente! “Fazei isto todas as vezes que comerdes deste pão e tomares deste cálice, em minha memória.”
Haidi Jarschel
Pastora IECLB – Santo André (SP)