A Igreja em Tempos de Coronavírus



ID: 3207

Vidas em Comunhão em tempos de Pandemia | Atos 2.42-47

25º Domingo após Pentecostes

14/11/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

Em 2020 e em parte de 2021 experimentamos um grande deserto chamado pandemia de Covid-19 que nos trouxe também muita cede de comunhão, sede de abraços, sede de união, fome de comermos e sede de bebermos juntos da Ceia do Senhor, deixando-nos imersos em solidão e carência, especialmente as pessoas mais idosas. Ao mesmo tempo, ministros e ministras empenharam-se ao máximo para que a Palavra de alento e consolo pudesse chegar aos lares das mais diversas maneiras possíveis, seja pela internet ou até mesmo pelo rádio.

E – como há tempo para tudo – chegou o tempo de lentamente e cuidadosamente retornarmos às atividades presenciais. Porém, tenho percebido que há quem ficou “mal-acostumado” com as transmissões online e – mesmo tendo condições de saúde e locomoção – não possuem mais a sede de estar como povo de Deus no culto presencial, mesmo que as comunidades adotem todos os protocolos para que a vida continue sendo cuidada e preservada.

Não há como ser Igreja de Jesus sem haver contato humano. As transmissões online foram uma importante ferramenta para que o Evangelho fosse levado aos lares e às pessoas em um período dominado pelo medo e pelas incertezas em relação ao futuro. Contudo, é preciso compreender que os cultos online devem ser uma exceção na vida dos cristãos e não a regra. Os cultos online devem ser uma ferramenta de evangelização aos de fora e de edificação aos que – por motivos de saúde ou locomoção – não podem comparecer às atividades presenciais. Entretanto, para todos aqueles que tem condições para tal, está na hora de retornar para a Igreja e olhar os/as irmãos/ãs face a face.

Claro, ainda não podemos dar aquele abraço aconchegante e nem abaixar a máscara para sorrir com tanta alegria para quem está próximo de nós. Mesmo retornando, ainda encontramos limitações diversas, afinal de contas, a pandemia ainda não acabou. Porém, apenas quem experimenta a comunhão encontra a alegria que é estar na presença de Deus com outras pessoas que creem e confessam a mesma fé.

No ano de 2014, a IECLB tinha como Tema do Ano o título “ViDas em Comunhão”. A letra “D” em vermelho simbolizava o sinal vermelho de um semáforo informando que seria a hora de parar a fim de que pudéssemos refletir sobre as nossas vidas. Em 2020, paramos bruscamente como nunca antes em nossas vidas. Agora, lentamente recebemos o sinal “amarelo” e “verde” para que com atenção e cuidado possamos voltar ao presencial. Por isso, hoje vamos ouvir sobre a comunhão. O que a Palavra de Deus tem a nos dizer sobre isso?

1 COMUNHÃO VERTICAL

A primeira e mais importante comunhão apontada nas Sagradas Escrituras é a comunhão vertical. Esta é a comunhão Deus ↓ Ser Humano e Ser humano ↑ Deus. Ela já é expressa no primeiro mandamento: não devemos ter comunhão com outros deuses, mas somente com o Deus que tirou o povo de Israel da escravidão no Egito (cf. Êxodo 20.2-3). O texto bíblico de 1 João 1.3 deixa isto bem claro: “Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.”

É para esta comunhão que o ser humano foi criado. A comunhão de Deus com o ser humano foi concreta até a queda. Adão e Eva viviam com Deus no Jardim do Éden. Tinham comunhão plena com Deus. Com a queda, porém, esta comunhão foi quebrada. O relacionamento entre Deus e ser humano foi cortado. Isaías vai interpretar isso dizendo que “os nossos pecados nos separam de Deus” (Isaías 59.2). Se há algo que quebra a comunhão de Deus com o ser humano é o pecado. Por isso o ser humano foi expulso do Jardim e da comunhão plena com Deus. Embora essa separação, Deus não quis perder a comunhão conosco, por isso ele mesmo veio até nós em Jesus Cristo (cf. João 1.14). Deus se torna humano para termos comunhão com ele. “Em Jesus amigo temos mais chegado que um irmão,” diz um hino. Aquilo que foi desligado na queda é ligado em Jesus Cristo. Nele, Deus e ser humano novamente podem conversar. Só temos comunhão com Deus por causa de seu Filho Jesus Cristo. Nele, a separação que havia entre Deus e nós foi destruída. No abismo que nos separava de Deus foi construída uma ponte, a ponte é o próprio Jesus. Somente por meio dessa ponte é que o ser humano pode chegar a Deus (cf. João 14.6). Somente Jesus é o caminho para termos comunhão com Deus. O movimento pela comunhão parte de Deus para o ser humano. Nós não podíamos mais ter comunhão com Deus. Nós não conseguimos subir até a altura dele, mas ele desceu até nós.

Mesmo sendo pecador, o ser humano poderia optar por seguir os desígnios de Deus. No Antigo Testamento não temos a palavra comunhão. Este é um termo usado somente no Novo Testamento. No entanto, existem termos no Antigo Testamento que expressam a ideia de “comunhão com Deus”. Um dos termos é andar com Deus1. Mesmo havendo a distância de Deus por causa do pecado, podia-se andar com Deus, isto é, fazer a sua vontade. Temos os seguintes exemplos de pessoas que andaram com Deus: Enoque (cf. Gênesis 5.21-24). Inclusive, Enoque não morreu, mas foi levado diretamente ao céu. Enoque foi alguém que experimentou comunhão plena com Deus; Noé (cf. Gênesis 6.9). Também ele andava com Deus. Por isso, Deus o poupou e sua família do grande dilúvio. Já o Salmista nos diz no Salmo 1.1 “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores.” Ou seja, feliz aquele que não anda com estes, mas que anda com Deus. Andar com Deus significou para estes homens viver com Deus, meditar na sua palavra, orar, falar com Deus. A própria Trindade é uma comunhão: do Pai com o Filho e com o Espírito Santo. Se o próprio Deus é uma comunhão entre si, porque nós desejamos vivermos sozinhos, sem Deus e sem o próximo? É por isso que a partir da comunhão que o ser humano tem com Deus por meio de seu Filho Jesus nasce outro tipo de comunhão:

2 COMUNHÃO HORIZONTAL

Sem a comunhão horizontal, nenhum de nós estaria aqui hoje. Enquanto a comunhão vertical é Deus ↓ Ser humano e ser humano ↑ Deus, a comunhão horizontal é a comunhão ser humano ↔ ser humano. Em Gênesis 2.18, o Senhor Deus diz: “Não é bom que o homem fique sozinho. Vou-lhe arranjar uma companhia apropriada para ele.” O leão tinha a leoa, a formiga macho tinha a formiga fêmea, o gato tinha a gata, o elefante tinha a elefanta. O homem, porém, não tinha ninguém. E agora? Deus tem uma grande ideia: Vou-lhe dar um maravilhoso presente: a mulher. Deus fez o homem dormir um sono profundo, a primeira anestesia da história. Tira uma costela dele e disso faz a mulher. Nossa, que lindo! Então, chega-se a Gênesis 3 onde encontramos a primeira discussão do casal. Um passa a culpa para o outro. O homem afirma que a culpa de terem comido o fruto proibido é de Deus: “a mulher que tu me deste”. Mas nem por isso o homem e a mulher deixaram de ter comunhão. Em Gênesis 4.1 encontramos outro termo que fala de comunhão no Antigo Testamento: “Adão teve relações2  com Eva, sua mulher, e esta ficou grávida.” Isto significa que um casal fazer sexo também é ter comunhão. Nossa sobrevivência humana depende, consequentemente, da comunhão. Se homens e mulheres não mais se casarem e não mais terem relações, a existência humana deixará de existir. Percebam, a comunhão permeia a existência humana do início ao fim. Se nossos pais não tivessem tido comunhão, nenhum de nós estaríamos aqui hoje. A comunhão permeia a vida humana de tal forma que a comunhão de um casal gera filhos de maneira que estes filhos também vão achar cada um seu companheiro e companheira gerando nova comunhão que vai gerar novos filhos, etc. Só existimos por causa da comunhão que podemos chamar também de família. Quando uma família não tem comunhão, temos somente uma casa. Quando a família possui comunhão, aí temos um lar.

Outro termo usado no Antigo Testamento que expressa a comunhão horizontal é união, associação, comunidade3. O termo aparece no Salmo 133.1 onde o salmista, com muito vigor, diz “oh como é bom e agradável viverem juntos os irmãos”. O salmista expressa sua alegria de viver em comunidade. Para ele, estar junto com os irmãos é sinônimo de alegria, não de peso. Esta palavra aparece também em Miquéias 2.12 onde o profeta diz que Deus vai novamente “colocar todos juntos como ovelhas no aprisco”. A partir da comunhão vertical, temos também a comunhão horizontal. A partir da comunhão com Deus, temos a comunhão com o nosso próximo. A comunhão na Igreja não é outra senão a comunhão das famílias.

No Novo Testamento o termo comunhão aparece com muito mais evidência. Isto nos aponta, novamente, que a partir da pessoa e obra de Jesus Cristo a comunhão tanto com Deus como com os irmãos se tornou algo muito mais concreto. Como lemos em Atos 2.42 e 44 no início desta prédica: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações (...). Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum.” Estes dois versículos expressam exatamente como os primeiros cristãos viviam a sua comunhão. O próprio texto dá o significado para esta palavra: tinham tudo em comum. Comunhão é a união do comum. O que temos em comum? Jesus Cristo, o Filho de Deus. A partir dele, podemos e devemos nos reunir em comunidade. A comunhão dos cristãos não é a comunhão de uma gente perfeita, mas justamente a comunhão de pecadores. É desta comunhão que o Novo Testamento fala. Inclusive, esta é a comunhão promovida pela Santa Ceia: ela não é o recreio dos justos4, mas a comunhão de pecadores arrependidos. Por amor à brevidade, não citarei todas as passagens do Novo Testamento que falam de comunhão5, senão ficaremos aqui até amanhã. Destacarei apenas uma passagem. Em 1 João 1.3 João diz: “mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo”. Ele está exortando a comunidade a ter tanto a comunhão com Deus, mas também a comunhão dos irmãos. No v. 6 ele afirma que “Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade”, ou seja, quando os cristãos estão em comunhão, isto deve ser coerente com a vida que levamos também fora da comunidade. O jeito como vivemos lá fora precisa condizer com o jeito que vivemos na Igreja. Caso isso não aconteça, a comunhão é falsa.

Amados irmãos, amadas irmãs,

as pessoas estão cada vez mais individualistas e sozinhas. A pandemia agravou bastante esta situação. O resultado desta solidão que enfrentamos é o vazio. As pessoas estão ficando “ocas”. Elas procuram individualmente preencher este vazio, mas não conseguem. Chega-se a um ponto onde nada mais faz sentido, nem mesmo viver. A solidão tem arrasado com famílias inteiras. A falta de comunhão em casa tem separado casais e filhos. Lares foram simplesmente substituídos por casas e apartamentos. Nas grandes cidades, as pessoas nem mesmo conhecem seus próprios vizinhos. Eu que venho de uma cidade com menos de dez mil habitantes estranho muito isso. O comodismo, a falta de contado tem produzido no ser humano o desespero.

Porém, a Igreja é o lugar onde o ser humano pode encontrar o amor através da comunhão. Assim como o amor é vertical e horizontal (amar a Deus e amar ao próximo), a comunhão é o exercício do amor. “O ser humano só encontra o seu sentido quando se entende na busca por Deus, o que elimina a sua busca de ser Deus6. É na Igreja que temos comunhão com Deus, por isso, também comunhão com o outro. Na Igreja, a relação eu ↔ tu é importante. Sem isso a Igreja não sobreviveria. O remédio para a doença individualista somente pode ser encontrado na comunhão com Deus. A partir desta comunhão, o próximo não é somente um próximo distante de mim, mas é transformado em meu irmão. A sobrevivência do ser humano depende da comunhão, mas ainda mais de uma comunhão saudável. A Igreja é o lugar onde você tem lugar, onde Deus o recebe por meio dos irmãos na fé. Deus criou seres individuais: homem e mulher, cada um na sua particularidade. Mas quando homem e mulher entram em comunhão surge a vida. Da mesma forma a Igreja é o corpo de Cristo. Todos fazemos parte deste corpo. A comunhão do corpo de Cristo é igualmente vital. Precisamos dela, necessitamos dela para viver. Isto nos leva a nos perguntarmos também como tem sido a nossa acolhida diante daqueles que são novos na fé, novos em sua participação na comunidade. Viver com Deus é também viver com o próximo. Sem a comunhão presencial onde é percebida a importância de estar diante do próximo, o ser humano procurará ser seu próprio deus e não deixará que Deus seja Deus.

A Igreja é convidada a andar na contramão da sociedade. Se a sociedade é individualista, devemos nós adotar a comunhão. Se a sociedade não quer comunhão com Deus, devemos nós ter e promover esta comunhão. Se nossa sociedade deseja ser doente, devemos nós ser o remédio. Aprendamos que a partir da comunhão com Deus, temos também comunhão com nosso próximo e que ambas são necessárias e vitais para que a vida faça sentido. Sem comunhão, o ser humano é vazio, sem sentido e oco. Como Igreja, tenhamos comunhão entre nós mesmos em santa união como corpo de Cristo. Paulo, em 1 Coríntios 1, critica cristãos que começam a ter inveja e que criam partidos dentro da Igreja. Nisto, ele exorta à unidade. Como certa vez afirmou o P. Charles Spurgeon “se somos fracos em nossa comunhão com Deus, seremos fracos em tudo7. Amém.


25º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO B

14 de Novembro de 2021


P. William Felipe Zacarias

1 הָלַךְ (halach). in: HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010. p. 110-111.

2 יָדַע (yada). in: SCHÖKEL, Luís. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997. p. 268-270.

3 יַחַד (yahad). in: SCHÖKEL, 1997. p. 273-275.

4 Frase do P. Prof. Dr. Roger Marcel Wanke.

 

5 Por exemplo: Romanos 15.2; 1 Coríntios 1.9; 14.2; 10.16; 2 Coríntios 6.14; 13.13; Gálatas 2.9; Filipenses 2.1; 3.10; Filemon 6; 1 João 1.3, 6 etc.

 

6 Conforme PASSIG, Nelder. “A Comunhão: Uma Breve Abordagem Bíblico-Sistemática”. Ensaio Monográfico. Orientador Dr. Claus Schwambach. São Bento do Sul: FLT, 2013. p. 4, Agostinho, Dietrich Bonhoeffer, Stanley J. Grenz e Paul Tilich concordam com esta mesma tese.

 

7 SPURGEON, Charles. apud: COLLEY, Peter. Perseverança. São Paulo: Biblioteca 24horas, 2011. p. 71.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 42 / Versículo Final: 47
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 65179
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