A Igreja em Tempos de Coronavírus



ID: 3207

Transformar a tristeza em luta!

02/08/2020

 

Mateus 14.13-21
Senhor, abre o nosso coração para a tua Palavra e dá-nos uma Palavra Tua para o nosso coração. Amém.
Estimados rádio-ouvintes:

As palavras e atitudes de Jesus no Evangelho de hoje nos querem ensinar duas coisas:
1. Como transformar uma dor, um sofrimento profundo num sentimento de luta e de esperança?
2. O que Deus espera de nós nessa situação de COVID-19?

O Evangelho que ouvimos começa assim:
Jesus fica sabendo que João Batista havia sido assassinado pelo rei Herodes. Jesus fica muito triste e quer ficar sozinho. Apesar de sua dor, Jesus não parte para um confronto direto com o rei Herodes.

Ele entra num barco e procura uma praia deserta. Mas uma multidão de pessoas vai a procura de Jesus. Uma multidão de pessoas que está com fome e está doente vai atrás dele. Não é pouca gente, não. É muita gente, são mais ou menos 5mil homens, sem contar as mulheres e as crianças. É muita gente procurando ajuda. Ao ver tanta gente necessitada, Jesus esquece por um momento a sua própria tristeza pela morte de João Batista e começa a ajudar curando muitos doentes. As horas passam rapidamente que Jesus nem percebe que vai escurecendo. O lugar é deserto. Os discípulos então dizem para Jesus:
- Já é tarde. E este lugar é um deserto. Não tem nada aqui perto. Mande essa gente embora, a fim de que vão aos povoados e comprem comida. (v.15).
Jesus responde:
- Eles não precisam ir embora. Deem vocês mesmos comida para eles.
- Mas como? perguntam os discípulos. Só temos aqui cinco pães e dois peixes! A constatação dos discípulos parece ser: Nossos recursos são poucos e não alcançam para tanta gente. O problema é grande e nós temos somente 5 pães e 2 peixes.

Diante desta constatação, Jesus não faz nenhuma mágica, mas realiza um milagre. Mágica seria se Jesus tivesse colocado um lenço sobre os 5 pães e os 2 peixes, pronunciando algumas palavras mágicas – tipo abracadabra –, em seguida, ao tirar o lenço, de repente aparecessem milhões de pães e peixes. Jesus não fez mágica, e sim realizou um milagre. Ele ensina o que fazer para acompanhar as pessoas nos momentos de crise.

O primeiro passo para o milagre é organizar as pessoas em pequenos grupos. Depois, Jesus dá graças a Deus pelos dons da vida, pelos pães e pelos peixes, embora não sejam muitos, mas os reconhece como dádivas de Deus. O texto não diz isso, mas eu me imagino que nesse momento Jesus pode ter perguntado se as pessoas que estavam ali não tinham nada para agradecer a Deus. Se elas não tinham nenhuma dádiva de Deus? É nesse momento que acontece o milagre no coração das pessoas que passam a compartilhar os recursos de que dispõem.

A fartura, anunciada por Isaías 55, cumpre-se por intermédio de Jesus na alimentação das cinco mil homens, sem contar as mulheres e as crianças (diz o Evangelho).
A forma de Deus agir é sempre coletiva. A tristeza de Jesus foi superada pela ação coletiva. Assim as nossas tristezas, as nossas depressões também podem se resolver quando conseguirmos ver e agir em favor das necessidades de outras pessoas. Lembro que em Brumadinho, no meio de 2019, depois de 6 meses do rompimento da barragem que matou 272 pessoas, o grande desafio foi transformar a dor do luto dos familiares em força para continuar a vida. A Vale tinha juntado aquelas pessoas na morte – e agora o grande desafio era continuar juntos pela vida. Mas como fazer isso? Como transformar a morte em uma nova vida? A dor da morte de um familiar querido a gente nunca supera. A gente precisa aprender a conviver com ela. A Palavra de Deus diz que só o amor é tão forte como a morte (Ct 8.6). Por isso, para conviver com a dor – é preciso amar. E amar é fazer alguma coisa boa por alguém. É envolver-se com alguma causa social. Entrar num grupo de amigos(as). Participar de um grupo de apoio ao meio ambiente. Envolver-se em algum grupo pastoral na igreja.

O amor pode transformar nossos poucos recursos em milagres. Um milagre para a vida dos outros e um milagre para conviver com as nossas próprias dores.
Nesses tempos de COVID-19, recebi de um pastor W.Fuchs um artigo chamado MARTIN LUTHER UND DIE PEST (Martin Lutero e a peste). O artigo se referia ao ano de 1527 quando a peste negra era forte na Alemanha. Estima-se que na Europa algo entre 80 milhões de pessoas tenham morrido. Alguns dos motivos para tamanha catástrofe – além da falta de antibióticos, que nem existiam ainda – eram a sujeira e o esgoto a céu aberto que predominavam nas cidades e nos povoados. O lixo era jogado na rua e a água não era tratada. Ratos estavam por toda parte. Naquela época ninguém sabia que a peste era causada por uma bactéria chamada Yersinia pestis. As pessoas achavam que a peste era um castigo de Deus.
Mas, hoje se sabe que a peste negra começou a se desenvolver nas marmotas na Ásia Central. As pulgas que picavam esses bichos mordiam também os mercadores que iam para a Europa. Em algum momento, as pulgas com a bactéria contaminaram também os ratos europeus. E foi então que a epidemia começou a se alastrar mais rápido que um foguete.

Gatos teriam ajudado muito a controlar a peste. O problema é que os felinos andavam em falta. Tudo porque os bichanos – especialmente os negros – eram associados à bruxaria, talvez por seus hábitos noturnos, sua habilidade e seu jeitão independente. Junto com os gatos também as mulheres independentes eram consideradas bruxas. Eram discriminadas, perseguidas, muitas vezes mortas e incineradas. Os felinos eram perseguidos por todo lado. Na vila medieval que deu origem a Ypres (Bélgica), os gatos eram atirados do alto de uma torre em todo início de primavera, para simbolizar a expulsão dos maus espíritos. A tradição permanece até hoje, mas com gatos de pelúcia, no lugar dos de verdade.

Desta forma, houve uma época em que já quase não havia gatos na Europa. Sorte dos ratos. Sem precisar correr dos gatos, tinham muito mais tempo para se multiplicar – e espalhar o terror da peste negra com mais velocidade ainda.

Quando a peste negra era detectada numa vila, então era muito comum que os moradores fugissem desse lugar, muitas vezes deixando para trás os familiares mais próximos que apresentassem sintomas da doença. Certa vez o pastor da cidade de Breslau mandou perguntar a Martim Lutero se ele deveria recomendar as pessoas da sua comunidade que também fugissem da peste. Lutero respondeu o seguinte: Tentar salvar a própria vida e cuidar do corpo é uma tendência natural implantada por Deus. Muitas pessoas na procuraram salvar suas vidas quando estas corriam perigo.
Mas, argumenta Lutero, existem pessoas que não devem fugir, mas devem permanecer em seus postos mesmo quando correm risco de vida. Entre essas pessoas, ele inclui os pastores (Jo 10.11). Pois quando as pessoas estão morrendo, então é que elas mais precisam de atendimento espiritual para fortalecer e confortar suas consciências por meio da Palavra e do sacramento, para que possam superar a morte pela fé.

Igualmente, autoridades e funcionários públicos devem permanecer em seus postos para governar e proteger o povo, impedindo que o caos se estabeleça (Rm 13.4). Se, porém, devido à sua fraqueza, quiserem fugir, eles só poderão fazê-lo se deixarem substitutos capazes em seu lugar. Da mesma forma, ninguém pode fugir abandonando órfãos ou outras pessoas necessitadas de cuidado sem providenciar alguém que cuide deles.

Lutero dizia que o diabo tenta impedir que ajudemos nosso próximo, criando em nós horror e nojo diante da pessoa doente. Devemos resistir a seus ataques, sabendo que ajudar o próximo é algo agradável a Deus e a todos os seus anjos. Também resistimos ao diabo recorrendo à poderosa promessa com que Deus encoraja aos que servem aos necessitados: “Bem-aventurado é aquele que ajuda os necessitados, o Senhor o livra no dia do mal” (Sl 41.1-3; Sl 91.11-13).

Por outro lado, diz Lutero, também existem pessoas que tentam a Deus ao agir de forma precipitada e imprudente, não tomando cuidados para proteger-se da morte e da peste. Tais pessoas não tomam remédios e não evitam lugares e pessoas infectadas, levam a doença na brincadeira, tentando mostrar que não têm medo dela. Diz Lutero: “Isto não é confiar em Deus, mas tentá-lo. Deus criou medicamentos e nos deu inteligência para proteger e cuidar bem de nossos corpos para que possamos viver em boa saúde. A pessoa que não toma os devidos cuidados e assim prejudica seu corpo, corre o risco de cometer suicídio aos olhos de Deus. E, se essa pessoa ficar doente e depois contagiar outras pessoas, ela será responsável perante Deus por assassinatos.

Lutero diz que um cristão deve pensar assim: “Pedirei a Deus que misericordiosamente nos proteja. Então vou fumigar, ajudar a purificar o ar, dar remédios e tomá-los. Evitarei lugares e pessoas onde minha presença não é necessária para não me contaminar e, desta forma, talvez me infectar e contagiar outros e assim causar sua morte como resultado de minha negligência. Se Deus quiser me levar ele certamente me encontrará e eu terei feito o que ele esperava de mim”.

O reformador defende o isolamento de pessoas contaminadas pela peste, mas estas precisam receber a devida assistência e não devem ser abandonadas. Por outro lado, pessoas contaminadas devem tomar cuidado para não transmitir a doença a outros. Lutero ainda acrescenta que, em Wittenberg, a doença foi causada pela sujeira, e assim a preguiça e o descuido de alguns levou à contaminação de outros. Por isso ele foi um grande incentivador de obras sanitárias públicas.

As recomendações e os conselhos de Lutero e as palavras e atitudes de Jesus de sair da tristeza através da solidariedade e do amor continuam sendo bastante atuais. Eles continuam válidos, porque são provenientes da Palavra de Deus.

Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso Pai e a comunhão do Espírito Santo permaneçam no meio de nós. Amém.
 

MÍDIATECA

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