“Bem-aventurados vocês, que agora têm fome, pois serão satisfeitos. Bem-aventurados vocês, que agora choram, pois haverão de rir.” Lucas 6.21
Essas palavras bíblicas nos lembram que estamos com fome, não somente a fome física, da falta de alimentos, de um teto, de ter o básico para viver, ou como diria Lutero, na Explicação sobre a petição do Pai-Nosso, quando pedimos: “O pão nosso de cada nos de hoje”, precisamos de “tudo o que se refere ao sustento e às necessidades da vida.”
São várias as necessidades da vida, além das que foram mencionadas acima. Rir também é uma delas. E é por isso que o Evangelista registra também o riso. “Bem-aventurados vocês, que agora choram, pois haverão de rir”.
Como país, somos conhecidos pela nossa alegria, nosso riso, nosso jeito alegre e vivo de ser. Não é assim que estamos vivendo nos últimos meses. Nossa capacidade de rir e sorriu deu lugar à dor e ao sofrimento que advém de tantas mortes evitáveis em função do COVID. Vivemos um tempo de luto, um grande luto coletivo, não há em qualquer lugar do país inteiro uma única pessoa que não tenha sofrido direta e indiretamente alguma perda. Como rir diante da morte de tantas mães, pais, amigos, amigas, tios, sobrinhos, primas, enfim, uma quantidade de pessoas que não são só uma catalogação de relações familiares. Cada pessoa é importante e cada pessoa importa.
Como rir? Como sorrir? Como voltar a ser o país do carnaval? Da alegria?
Na igreja, a muito tempo se perdeu uma tradição importante do riso no âmbito do culto ou da missa. Vocês já ouviriam falar do Riso Pascal?
Essa tradição começou na Baviera, e perdurou por mais de mil anos, e foi se perdendo. Sendo que deve ter durado até 1911. O riso pascal, como o próprio nome já indica, ocorria no Domingo da Páscoa, mas não só. E era uma forma da comunidade poder voltar a se alegrar após o período de penitência e preparação para a Páscoa. O objetivo principal do riso pascal era fazer as pessoas rirem e sorrirem. Para isso, o sacerdote contava piadas, anedotas no qual se contavam histórias com caráter popular, popularesco e até obsceno. E isso era feito para “expressar a vida nova inaugurada pela Ressurreição” (http://ideiaspoligraficas.blogspot.com/2019/03/o-risus-paschalis-e-teoagapia.html), e assim rir de tudo aquilo que se coloca contra a vontade de Deus, contra a vontade da vida e da ação de Deus.
Na Bíblia podemos encontrar o riso sob diversas formas.
“No Antigo Testamento, o riso aparece em momentos de remissão [de perdão e de perdoar]. Assim é com o riso de Abraão e Sara, que riram ao receber a notícia do cumprimento da promessa de um filho na velhice (Gn 17.17). O sorriso do Senhor é sinal de benção (Nm 6.25); um coração alegre é remédio contra as doenças (Provérbios 17.22); as festas santas deveriam ser regradas por risadas efusivas (1RS 1.40); e a alegria se transforma em exaltação pela salvação (Hc 3.18), por que a risada do Senhor “é a vossa força” (Neemias 8.10). No Novo Testamento, a orientação é “Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos” (Fl 4.4); pois é assim que o sinal da benção aparece para aqueles que testemunham que “[...] os discípulos estavam cheios de alegria e do Espírito Santo” (At 13.52 - http://periodicos.est.edu.br/index.php/tear/article/view/2627/0).
Como rir diante de tantas injustiças? Tantas mortes? Tanta violência? Tanto sofrimento?
O riso pode ser algo libertador. Porque, o humor nos faz refletir sobre aquilo que realmente é importante. Não rimos das coisas que não são importantes. Rimos daquilo que nos é importante e que requer de nós uma conversão, uma mudança de perspectiva e de olhar. Não rimos somente para rir. Nós rimos porque o humor quanto feito com responsabilidade nos faz refletir sobre a nossa situação, e de como ela é cômica diante da tragédia que vivemos. Cômica porque ela poderia ser diferente, se tivéssemos feitos outras escolhas ou tomado uma outra ação, é o riso justamente zomba daquilo que podemos fazer de forma diferente.
Como nos lembra o agora saudoso Paulo Gustavo, pai, marido, filho, amigo, sobrinho, primo “rir é um ato de resistência”.
Que diante de tantas barbaridades e sofrimento possamos nos sentir “bem-aventurados”, ou traduzindo essa palavra de uma outra forma, que nós nos sintamos “salvos” por Deus quando nos faltar o motivo para o riso. E que ao mesmo tempo sejamos tão “bem-aventurados” para poder sorrir e rir, após enxugarmos dos nossos olhos todas as lágrimas (Ap 21.4).
E como nos lembra Provérbios: “Mesmo no riso o coração pode sofrer, e a alegria pode terminar em tristeza.” Provérbios 14.13
Hoje estamos tristes, com saudades, mas o Senhor há de nos dar o motivo para voltar a sorrir e a rir em meio ao coração sofredor.