A Igreja em Tempos de Coronavírus



ID: 3207

Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! - Salmo 104

Autoria P. Me. Alexander Busch

03/06/2020

 

Estimados irmãos e irmãs em Cristo,

“Bendiga, minha alma, o SENHOR! SENHOR, Deus meu, como tu és grandioso! Estás revestido de glória e majestade” (v 1). Com esta palavra inicial, com este convite o salmista chama a comunidade, o povo de Deus, a louvar e bendizer ao Senhor da criação. O Salmo 104 é um hino de louvor, um canto de gratidão pela criação de Deus. Nele encontramos ecos do conhecido texto de Gênesis 1 que, bem sabemos, narra a criação do mundo. O culto online não permite que façamos a leitura de todo o salmo. São 35 versículos. Mas quero lhes encorajar para, ainda hoje, antes de dormir, a ler todo o salmo e bendizer ao Deus doador da vida. Pois diferente de um livro de biologia, que analisa a vida do ponto de vista da ciência, o salmo 104 é linguagem poética. Não é linguagem que quer explicar, mas sim poesia que nos convida a se encantar com a beleza e diversidade da criação de Deus.

Mesmo sendo breve o nosso tempo online, destaco aqui alguns paralelos entre o Salmo 104 e Gn 1. Pois o salmista nos versos 2 e 3 louva a Deus pela luz, pelo firmamento da terra, pelas águas. Seu louvor corresponde aos três primeiros dias da criação. O salmo prossegue exaltando Deus como Deus presente, agindo e dando forma à sua criação, conforme sua vontade. “Elevaram-se os montes, desceram os vales, até o lugar que lhes havias preparado. Puseste às águas divisa que não ultrapassarão, para que não voltem a cobrir a terra” (v 8).

Nos versos 19 a 23 temos ecos do 4º, 5º e 6º dias criação. O salmista admira os luminares que marcam o nosso tempo: de noite a lua, de dia o sol. E neste tempo e lugar os animais e os seres humanos buscam o seu sustento. De dia as pessoas semeiam, plantam e colhem. De noite os animais da selva vagueiam em busca de sua presa.

Diante da diversidade da vida, o salmo exclama “Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Fizeste todas elas com sabedoria; a terra está cheia das tuas riquezas” (v 24). Até mesmo o mar e suas criaturas estranhas, como o leviatã, um grande monstro marinho, são motivo de louvor. Para o povo judeu o mar é símbolo do caos e suas águas profundas escondem animais misteriosos de causar medo e pavor. Para o salmista, entretanto, até mesmo o caos e o desconhecido estão debaixo do domínio de Deus. Reconhecer isto é conforto. Confessar que Deus continua sendo Deus mesmo em situações que geram medo é consolo. É esperança.

O salmo segue com a confissão de que Deus é o sustentador da vida para tudo e todos. “Todos esperam de ti que lhes dê de comer a seu tempo . . . e se lhes corta a respiração, morrem e voltam ao pó” (v 27,29). Em outras palavras, o alimento e o ar, tão necessários à vida, são dádiva e sustento de Deus. É Deus quem provê o alimento. É Deus quem sopra o fôlego de vida para do pó da terra animar os seres viventes. E é pelo seu Espírito que Deus continua presente, agindo e dando forma à sua criação: “Envias o teu Espírito . . . e assim renovas a face da terra” (v 30).

Certamente temos aqui um eco de Gn 1, o Espírito de Deus se movendo sobre as águas e gerando vida. Certamente temos aqui também um eco da festa de Pentecostes, recém-celebrada pela igreja dando graças ao Espírito Santo que renova a comunidade de Cristo Jesus, que renova a face da terra com a salvação de Deus.

O que o Salmo 104 declama, em forma poética, do princípio ao fim é Deus como o centro da vida. Deus é o centro da criação, quem sustenta a terra e todas as criaturas que nela existem. “Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe . . . é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais” (At 17.24-25).

Por isto, o salmista, caminhando para o final de sua oração, convida e chama a comunidade ao louvor, “Cantarei louvores ao SENHOR enquanto eu viver; cantarei ao meu Deus a vida inteira” (v 33). Mas, eis que, em meio ao louvor do Salmo 104, surge uma nota desafinada. Um ruído estranho interrompe a harmonia e o equilíbrio na criação. O verso é curto, mas as consequências são grandes. Estamos nos referindo ao versículo 35, “Desapareçam da terra os pecadores, e que os perversos deixem de existir”. Que palavra é esta? Que barulho dissonante é este? Será este também um eco do livro de Gênesis? Uma alusão ao ser humano que pensa ser o centro do universo?

Segundo o relato de Gênesis, os seres humanos não estavam satisfeitos e ousaram ocupar o centro, o lugar que pertence a Deus. Desconfiando do doador e sustentador da vida, cobiçaram o conhecimento do bem e do mal – conhecimento este que pertencia somente a Deus. Assim sendo, comeram o fruto proibido, desobedeceram ao mandamento divino e colheram as consequências. Fruto do desequilíbrio humano na criação, entre os muitos exemplos que podemos citar, é o exemplo de querer pegar para si o que pertence aos outros. Quer exemplos mais concretos? É o político que inflaciona o preço dos equipamentos médicos para ganhar um extra que não lhe pertence. É o cidadão comum, que encontra uma carteira perdida, recolhe o dinheiro para si e entrega no correio a carteira com os documentos para que ela seja devolvida ao dono. É o consumo sem freios das riquezas naturais, o consumo sem freios de alimentos e bens, sem levar em conta qual o impacto que o nosso consumo de hoje tem sobre as futuras gerações. É o lixo que produzimos e descartamos, sem se importar com a possibilidade de reciclar e reaproveitar o material que utilizamos.

Eis, entretanto, a boa notícia, “Desapareçam da terra os pecadores, e que os perversos deixem de existir” (v 35). À luz do evangelho de Jesus este versículo ganha um novo tom. Como Igreja Cristã, somos testemunhas da cruz e ressurreição de Jesus: a cruz que nos chama ao arrependimento, avaliar atitudes e mudança de vida - a ressurreição que é o agir de Deus, nos conduzindo para novas relações de equilíbrio e respeito para com o próximo, novas relações de cuidado e convivência na criação de Deus. Movidos pelo Espírito que renova a face da terra, confessamos que Deus está presente, agindo e dando nova forma à sua criação, incluindo nós. Por isto, juntamos nossas vozes à voz do salmista num hino de louvor e gratidão, “Bendiga minha alma, ó Senhor! Aleluia! (v 35).


Autor(a): P. Me. Alexander R. Busch
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio Paraná / Paróquia: Maripá (PR)
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 104
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 57058

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