A Igreja em Tempos de Coronavírus



ID: 3207

O menor é o maior | Marcos 9.30-37

17º Domingo após Pentecostes | Culto Crioulo

19/09/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

Os discípulos que troteavam junto de Jesus ainda não haviam compreendido a faina do próprio Filho de Deus. Ainda olhavam para cima – o poder – ao invés de olhar para baixo – os fracos. Os viventes pensavam apenas nas mordomias terrenas que receberiam por serem os peões de Jesus. Deus, porém, em Jesus, abre mão do poder ao se fazer um ser humano esgualepado como todos nós. Deus se faz gente sem deixar de ser Deus; já o ser humano busca ser deus mesmo sendo apenas humano.

Naquele dia, Jesus os pegou com a boca na botija. Jesus lhes anuncia a sua morte e ressurreição. Este anúncio era uma paulada aos ouvidos, pois o ministério de Jesus ia “de vento em popa”. Grandes sinais do Reino de Deus estavam sendo realizados. Falar de cruz naquele momento deixou todo mundo 'de cabelo em pé. Nem sequer aventava na mente dos discípulos que Jesus precisaria passar pela cruz e ressurreição. Eles acreditavam que a lida do Filho de Deus só aconteceria neste chão. Ainda não haviam compreendido que as dimensões da missão do Filho eram muito maiores que apenas este mundo, respingando, inclusive, na eternidade.

Por isso, Marcos nos diz no v. 32: “Eles, porém, não compreendiam isto e tinham medo de perguntar.” Mesmo Jesus não sossegando o pito de falar da cruz e da ressurreição, seus próprios discípulos estavam em negação quanto a este anúncio. Na língua grega do Novo Testamento temos a palavra ἠγνόουν (ignóoun) que não significa uma desinformação inocente, mas a teimosia intencional em não entender, uma ignorância voluntária . Assim, os discípulos embestaram em negar a cruz antes mesmo da crucificação do Mestre acontecer. Deus, porém, não rateia nem nega o sofrimento como faz a gentarada humana. Ao contrário, Deus se atraca ao sofrimento ao suportar a terrível morte de cruz. Em Jesus, o próprio Deus beberá do mate amargo da morte para que a gente ganhe de lavada o mate doce da sua vida eterna.

Não apenas os ouvidos dos discípulos estavam cerrados, mas também os seus corações. Daquele causo eles não queriam saber. Aqui começa a se abrir uma senhora voçoroca entre o Mestre e seus discípulos. No capítulo 15, o abismo fica escancarado: Jesus ficou totalmente sozinho! Todos os seus companheiros correram em debandada quando ele foi levantado à cruz. Naquele momento, todas as suas falsas expectativas em relação ao Mestre esfarelaram-se como areia ou cinza. Toda expectativa humana falsa sobre Jesus cai por terra quando o próprio Deus é levantado no madeiro.

Por não compreenderem a mensagem da cruz, não compreendem também a importância de uma vida a partir da cruz. Os discípulos começam a pelear entre si para descobrirem quem é o maior dentre eles. Jesus fala da cruz; já os discípulos falam da glória; Jesus fala do sofrimento; os discípulos conversam sobre status; Jesus fala de morte, os discípulos conversam sobre a vida. O evangelista Marcos deixa muito clara a diferença entre o que Jesus estava ensinando daquilo que os seus próprios discípulos estavam praticando. Jesus fala de descer à posição de morte e morte de cruz; os discípulos falam de subir de posição ao prestígio e notoriedade.

Por mais estranho que seja, mesmo ao caminhar com Jesus, isso ainda não significa seguir exatamente aquilo que ele está nos ensinando. Podemos ter sido batizados, confirmados, casados, ter uma vida inteira de participação em cultos e grupos de trabalho e ainda assim sermos como aqueles discípulos que – embora tenham ouvido a mensagem – não conseguem colocar a mensagem em prática. Ouvir diariamente e dominicalmente a Palavra de Jesus ainda não nos torna verdadeiros cristãos. Se em nossos corações não brotar uma fé sincera e verdadeira a partir do ouvir e que nos leve à prática do que ouvimos, tudo não passará de balaca, um castelo de areia que qualquer vento é capaz de derrubar.

Enquanto os discípulos batem boca para mostrar quem deles é o mais bagual, Jesus sabe que muito em breve terá seus braços pregados na cruz. Deus não veio ao mundo para nos tornar individualmente especiais. Isso mesmo! Tu não és especial! Isso é apenas um egoísmo do nosso tempo. Jesus veio morrer e ressuscitar pelo seu povo, pela sua Igreja, pelos esgualepados . Não veio para tornar alguém maior em seu reino, mas para que sejamos corpo que sofre com os que sofrem e ampara os desamparados.

Por isso, o que Jesus ensinou? “E Jesus, assentando-se, chamou os doze e lhes disse: - Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos.” (v. 35). Antes da Palavra dita por Jesus, chama-nos a atenção o gesto realizado por Jesus. Eles acabaram de chegar a uma casa em Cafarnaum (v. 33). O que Jesus fez? Assentou-se. Marcos nos traz apenas um pequeno resumo do que aconteceu naquele dia. Mas, certamente, Jesus formou uma verdadeira roda de prosa com os seus seguidores. Jesus não apenas ensina a humildade e o serviço, mas ele mesmo demonstra a humildade e o serviço ao se abaixar com os discípulos. Jesus é o Deus que se senta pacientemente e empaticamente em uma roda de chimarrão para prosear sobre o Reino de Deus com os seus. Ele se abaixa!

Logo depois, no capítulo seguinte, o Mestre nos diz: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” (Marcos 10.45). O Deus cristão é o Deus Diácono, ou seja, o Deus que serve. Mesmo sendo o próprio Deus – o Verbo Encarnado – ele se abaixa com tempo para passar sua sabedoria aqueles seguidores que teimavam em não compreender a sua mensagem. Mesmo que estivessem sendo ignorantes voluntariamente, Jesus continua tendo a mesma empatia e amor por eles, mesmo já sabendo que dali poucos dias será completamente abandonado.

Eis o maravilhoso amor de Jesus que lhes diz: “- Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos.” (v. 35). No reino do mundo, o melhor pode até ser aqueles que alcançaram algum sucesso; porém, no Reino de Deus, o maior é aquele que dá prioridade ao seu próximo, que abre mão da sua felicidade para fazer alguém e feliz e – fazendo isso – acaba descobrindo que a felicidade não é ganhar, mas perder. No reino do mundo, o maior é aquele que é servido; no Reino de Deus, o maior é aquele que serve através do seu tempo, talento e tesouro com fé, gratidão e compromisso.

Francisco de Assis nos diz na sua famosa Oração pela Paz:

Ó Mestre, fazei que eu procure mais: consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe. É perdoando que se é perdoado. E é morrendo que se vive para a vida eterna.

Mais de mil anos após a vida de Jesus, Francisco compreendeu a mensagem do Reino de Deus melhor que os próprios discípulos que conviviam diariamente com o Mestre. O Reino de Deus funciona ao contrário: o menor é o maior; O Reino de Deus funciona ao contrário: o menor é o maior; o peão é mais relevante que o patrão; o que serve é o mais importante!

Jesus demonstra isso com um outro exemplo ainda mais maravilhoso: através da piazada. O Mestre toma uma criança em seus braços e dá o seguinte ensinamento: “– Quem receber uma criança, tal como esta, em meu nome, recebe a mim; e quem receber a mim, não é a mim que recebe, mas aquele que me enviou.” (v. 37). Enquanto o ser humano valoriza o poder, o status e a importância, Jesus valoriza uma criança que aqui simboliza a humildade, a ingenuidade e a esperança.

A cultura grega e a cultura romana tinham como costume o desprezo pelas crianças; já o judaísmo sempre as enxergou como um presente precioso recebido de Deus. Nos diz o Salmo 127.3: “Os filhos são um presente do Senhor; eles são uma verdadeira bênção.” Grande é aquele que verdadeiramente segue a Jesus como servo sofredor (Is 53). A gurizada representa os esquecidos, não notados e excluídos, aqueles que não são lembrados por nós; a bagatela. O maior no Reino de Deus é a pessoa que humildemente serve ao seu próximo e testemunha disso não em glória própria, mas com alegria por estar sendo usada pelo próprio Senhor Jesus Cristo.

Amados irmãos e amadas irmãs,

o convite de Jesus está feito:

1) Aceitar a cruz: Não neguemos o sofrimento. Ao contrário, aceitemos que o sofrimento faz parte da nossa condição como seres humanos. A cruz de Jesus significa que não estamos desgarrados e abandonados em nossa dor, luto, tristeza, ansiedade, depressão, estresse etc. Ao contrário, Deus é empático e simpático ao nosso sofrimento e sofre conosco e em nosso lugar. Porém, se negamos o sofrimento, nunca entenderemos por que Jesus foi à cruz;

2) Aceitar o serviço: A cruz de Jesus nos faz voar as tranças, nos coloca em movimento. Se Deus se abaixou a tanto, resta-nos seguir o que ele já fez por nós, servindo ao próprio Deus por meio do próximo. O convite é de não olharmos para cima para querermos subir de posição, mas a olharmos para baixo, para quem sofre com muita disposição a ajudar e a servir.

O Senhor abençoe a nossa vida para que ela seja sempre vida em comunhão na cruz de Jesus e a serviço do próximo, amém.


17º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERMELHO | TEMPO COMUM | ANO B

19 de Setembro de 2021 | Culto Crioulo


P. William Felipe Zacarias


1 Cf. POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 1998. p. 193.

 

2 Cf. texto de DE AQUINO, Rodrigo in: <https://www.facebook.com/photo/?fbid=43198065 51451094&set=a.403075669790888>. Acesso em: 16. set. 2021.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 30 / Versículo Final: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 64351
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