A Igreja em Tempos de Coronavírus



ID: 3207

Gratidão e Sacrifício | Salmo 116.16-19

7º Domingo após Pentecostes | Ação de Graças

11/07/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

a ação de graças sempre foi uma prática realizada pelo povo de Deus. O povo de Deus é um povo agradecido que vai à presença do Senhor realizar as suas ofertas de gratidão e louvor através da oração e de sacrifícios. Toda Ação de Graças envolve a ideia do sacrifício. Na Palavra de Deus, isso é demonstrado de Gênesis até Apocalipse.

Se abrirmos as nossas Bíblia em Gênesis 4.1-7, encontraremos ali dois irmãos que ofereceram suas ofertas a Deus. Os dois irmãos possuíam profissões diferentes. Enquanto Abel era pastor de ovelhas, Caim era um agricultor. Chama-nos a atenção que ambos vieram trazer ofertas ao Senhor. Abel trouxe das primícias do seu rebanho e sua oferta agradou a Deus, enquanto Caim trouxe do fruto da terra e sua oferta não agradou ao Senhor. Afinal de contas? Por que uma oferta foi aceita e a outra não? A resposta não está no material da oferta. Não fazia diferença se eram frutos da terra ou animais. Ao contrário: a oferta de Caim foi rejeitada por causa da intenção do seu coração. O simples ofertar por ofertar – para cumprir uma obrigação – não agrada a Deus. O que lhe importa – acima de tudo – é que o nosso coração seja grato. O restante da história nos conhecemos: Caim fechou a sua cara e, por causa da inveja, acabou tirando a vida do seu irmão Abel. Quando o ser humano se nega a receber a repreensão de Deus, ele passa a agir como um tolo. Quando o pecado não é confessado, a bola de neve da desgraça só aumenta mais e mais.

Mais tarde, após todos saírem da arca, Noé irá oferecer ofertas a Deus. Nos diz Gênesis 8.20: “Noé levantou um altar ao Senhor e, tomando de animais puros e de aves puras, ofereceu sacrifícios sobre o altar”. É a primeira vez na Bíblia que o altar aparece. A partir dessa oferta, Deus faz uma aliança com Noé na qual promete nunca mais permitir que haja outro dilúvio sobre a terra. Deus coloca o arco-íris como um sinal para lembrar a si mesmo da aliança que fez com Noé (cf. Gênesis 9.13-15).

O patriarca Abraão também tinha o costume de oferecer sacrifícios a Deus. Isaque, seu filho, sabia disso. Porém, em Gênesis 22, as coisas mudam drasticamente: o que Isaque não sabia é que desta vez Deus tinha pedido que Abraão o sacrificasse. Precisamos lembrar que Abraão e Sara eram idosos quando receberam a promessa de terem um filho. Após muito esperarem, a promessa do Senhor se cumpriu e Isaque nasceu. Porém, agora Deus pede que Abraão lhe ofereça como oferta aquele único filho que tanto esperou para ter. Abraão, porém, confiava no Senhor. Era um homem temente a Deus. Ele seguiu o caminho para o monte Moriá confiante no agir de Deus. No meio do caminho, o próprio Isaque perguntou ao seu pai: “Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o sacrifício? Abraão respondeu: Deus proverá para si o cordeiro para o sacrifício, meu filho”. (Gênesis 22.7-8). E assim aconteceu: no momento em que Abraão iria oferecer seu único filho em sacrifício, um anjo do Senhor lhe diz: “ – Abraão! Abraão! Ele respondeu: – Eis-me aqui! Então lhe disse: – Não estenda a mão sobre o menino e não faça nada a ele, pois agora sei que você teme a Deus, porque não me negou o seu filho, o seu único filho”. (Gênesis 22.11-12). Isaque foi poupado e em seu lugar o próprio Deus ofereceu um cordeiro para o sacrifício. Isso já era um prenúncio do que Deus faria na História da Salvação ao oferecer o seu único Filho para que fôssemos poupados do sacrifício.

A partir destes acontecimentos, tornou-se costume ir à presença do Senhor e oferecer a ele as ofertas de Ação de Graças. Estas ofertas não tinham a função de fazer algum tipo de negócio ou troca com Deus. Ao contrário, eram o reconhecimento de que tudo o que possuímos é do próprio Senhor e que sem a ajuda de Deus, não teríamos nada nem para viver e nem para oferecer. As ofertas sempre estiveram ligadas à ideia do sacrifício. Todo tipo de oferta é um sacrifício onde abrimos mão de algo para ofertar isso ao Reino de Deus. Esses recursos são utilizados para manter a obra do Senhor. Porém, precisamos ter em mente que, acima de tudo, as ofertas são feitas ao próprio Deus e não à comunidade.

Com o tempo, as ofertas de Ação de Graças foram ganhando forma e também rituais com um certo período para a sua realização. Não temos como abordar esse tema de maneira aprofundada aqui no culto, embora valeria muito a pena. Um dos eventos centrais do calendário de Israel era o Dia da Expiação que encontramos em Levítico 16. Aqui, as ofertas de Ação de Graças estavam relacionadas ao perdão dos pecados do povo. Primeiro, o próprio adorador oferecia um sacrifício por si mesmo e pela sua casa. Nos diz Levítico 16.11, 14: “Arão fará chegar o novilho da sua oferta pelo pecado e fará expiação por si e pela sua casa; matará o novilho da sua oferta pelo pecado. Ele pegará um pouco do sangue do novilho e com o dedo borrifará a parte da tampa que dá para o leste; depois borrifará o sangue sete vezes em frente da arca da aliança”. Precisamos recordar que dentro da Arca da Aliança estavam guardadas as tábuas com os Dez Mandamentos. Era sobre essa arca que os sacrifícios eram realizados. O texto continua, dizendo: “Depois, matará o bode da oferta pelo pecado, que será para o povo. Trará o sangue do bode para dentro do véu e fará com esse sangue como fez com o sangue do novilho; ele o borrifará no propiciatório e também diante dele.” (v. 15). Propiciatório era a parte de cima da Arca da Aliança. Era assim que o adorador – aqui era Arão – oferecia anualmente uma oferta de Ação de Graças para a remissão dos pecados do povo de Deus. O v. 16 nos diz: “Assim, fará expiação pelo santuário por causa das impurezas dos filhos de Israel e por causa das transgressões e de todos os seus pecados”.

Contudo, essa era apenas a metade do ritual. Na segunda parte, um bode vivo era trazido até o adorador. Nos diz Levítico 16.21: “Porá as duas mãos sobre a cabeça do bode vivo e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode. Depois, enviará o bode ao deserto, pela mão de um homem à disposição para isso.” Qual era o significado desse ato? Nos diz o v. 22: “Assim, aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles para terra solitária; e o homem soltará o bode no deserto.” Aquele era o bode expiatório que levava os pecados do povo para o deserto e morria. O texto de Levítico 16 é de uma profundidade teológica imensa. Recomendo que todos possam ler depois em casa. Nós não entendemos o sacrifício de Jesus sem compreendermos os detalhes de Levítico 16.

Assim, resumidamente, aconteciam as ofertas de Ação de Graças. Elas estavam sempre relacionadas a ideia do sacrifício. Não é fácil sacrificar algo que nos pertence. Quanto mais nos apegamos àquilo que nós temos, mais difícil se torna sacrificar aquilo em oferecimento ao Reino de Deus; porém, quanto mais percebermos que nada é nosso de fato, mais facilmente iremos oferecer ofertas de Ação de Graças diante do altar do Senhor.

Porém, o fato mais importante ainda não foi mencionado. Sabem qual é o fato mais interessante sobre Ação de Graças do ponto de vista cristão? O movimento é o inverso. No Antigo Testamento, Deus apenas recebia as ofertas de Ação de Graças que lhe eram oferecidas pelo seu povo. No Novo Testamento, nós encontramos o Deus que faz uma oferta. Isso é algo impressionante! O Deus cristão é o Deus que não apenas recebe as ofertas, mas que decidiu ofertar. E o que foi ofertado? O seu próprio e único Filho Jesus Cristo. Enquanto Isaque, o único Filho de Abraão e Sara, foi poupado, Deus não poupou o seu único Filho Jesus Cristo. Jesus é (como disse João Batista) o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. (João 1.29). O Deus cristão é o Deus que nos ofertou o que tinha de melhor e mais valioso para si mesmo! Não ofereceu um anjo, um animal ou qualquer outra coisa. Não! Ele ofertou seu único Filho.

Com a oferta do Filho, o Pai encerra os tantos sacrifícios de animais que eram realizados no Antigo Testamento. Não eram mais necessários. Agora, o próprio Filho foi sacrificado para que possamos viver em paz com Deus. O sacrifício de Jesus não precisa ser repetido, pois é único e válido para todo o sempre. Ainda bem que é assim. Do jeito que anda a nossa sociedade, hoje não haveria animais de chega para tantos pecados que precisariam ser confessados! Por isso, Deus decide fazer uma oferta para o nosso bem. E só a partir da compreensão do que Deus nos ofertou é que podemos chegar na sua presença e oferecermos as nossas ofertas de Ação de Graças. As nossas ofertas não são uma troca com Deus, mas gratidão aquele que nos ofertou algo primeiro: a salvação através da morte de seu único Filho Jesus Cristo. Pensemos o quanto Deus já foi bom conosco nos ofertando o que ele tinha de melhor! Só nos resta a sincera e amorosa gratidão.

A partir disso, o sacrifício ganha uma nova dimensão na vida cristã. Os sacrifícios espirituais são a substituição aos sacrifícios de animais. Nos diz 1 Pedro 2.5: “Também vocês, como pedras que vivem, são edificados casa espiritual para serem sacerdócio santo, a fim de oferecerem sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo”. Que sacrifício é esse? Romanos 12.1-2 nos diz: “Portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, peço que ofereçam seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês. E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente, para que possam experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” O que isso significa? Ao invés de sacrificarmos animais, a nossa própria vida deve ser ofertada em Ação de Graças a Deus. A vida do cristão é uma vida de dedicação total a Deus. Seu corpo é usado para o Reino de Deus. Seu próprio corpo não segue os padrões impostos pelo mundo, mas os padrões colocados através da Palavra de Deus. É preciso sacrificar as paixões, os padrões e as modas deste mundo para viver de acordo com a Palavra de Deus. Ação de Graças não é apenas uma oferta por ano, mas a maneira como usamos o nosso corpo nas 24 horas do nosso dia.

O apóstolo Paulo sabia muito bem o que significava ser – em seu próprio corpo – um sacrifício vivo. Ele nos diz em Filipenses 2.17 enquanto está preso: “Entretanto, mesmo que eu seja oferecido como libação sobre o sacrifício e serviço da fé que vocês têm, fico contente e me alegro com todos vocês.” Libação significa o derramamento de sangue. Após ser encontrado por Cristo, o apóstolo Paulo dedicou seu corpo e toda a sua vida na pregação e no espalhamento do Evangelho. Isso irá ter consequências para o seu próprio corpo quando será morto pelo próprio Império Romano. Ele diz também: “Quanto a mim, já estou sendo oferecido por libação, e o tempo da minha partida chegou. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.” (2 Timóteo 4.6-7). Enquanto ele está preso, é mantido através das ofertas de Ação de Graças dos filipenses. Paulo nos diz: “Recebi tudo e tenho até de sobra. Estou suprido, desde que Epafrodito me entregou o que vocês me mandaram, que é uma oferta de aroma agradável, um sacrifício que Deus aceita e que lhe agrada.” (Filipenses 4.18).

Qual é o significado de tudo isso? Não adianta nada no Domingo anterior na Comunidade Vida Nova ou hoje na Comunidade Bom Pastor oferecermos ofertas de Ação de Graças se a nossa própria vida não é uma oferta diária de Ação de Graças a Deus. Pouco importa oferecermos nestes Domingo coisas a Deus se no dia a dia usamos o nosso corpo contra a vontade de Deus revelada nas Escrituras. Ação de Graças não é apenas uma vez por ano, mas diariamente. É vida de tropeços, arrependimento e perdão. Esse é o verdadeiro sacrifício que agrada a Deus. Ele já nos ofereceu o que possuía de melhor. Agora, ele deseja que vivamos de acordo, buscando a santidade. Hebreus 13.15 nos diz: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome.” O próprio louvor que oferecemos a Deus com os nossos lábios é sacrifício de Ação de Graças. E o texto continua, no v. 16: “Não se esqueça da prática do bem e da mútua cooperação, pois de tais sacrifícios Deus se agrada.”

A partir do Novo Testamento, não oferecemos mais animais em sacrifício. Através da oferta do único Filho de Deus, o convite é que vivamos diariamente em Ação de Graças ao Senhor. Isso não significa apenas orar agradecendo, embora isso também seja fundamental. O significado de uma vida em Ação de Graças a Deus é aquela que diariamente reconhece seus pecados e busca o arrependimento e perdão para que ofereça seu próprio corpo a serviço do Reino de Deus, servindo a Deus por meio do próximo. Essa é a verdadeira Ação de Graças: a prática da misericórdia para com todas as pessoas, sem as distinções que nós, como seres humanos pecadores, fazemos. Ação de Graças não é um dia ou um domingo; Ação de Graças é o dia a dia da vida cristã.
Amados irmãos, amadas irmãs,

Ação de Graças é sempre sacrifício. O desejo de Deus é que aquilo que trazemos ao seu altar possa corresponder com a vida que vivemos. Em Mateus 5.23-24, a Palavra de Deus é muito clara, ao dizer: “Portanto, se você estiver trazendo a sua oferta ao altar e lá se lembrar que seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe diante do altar a sua oferta e vá primeiro reconciliar-se com o seu irmão; e então, volte e faça a sua oferta.” Qual é o significado disso à nossa vida? Não adianta uma aparência cristã diante do altar e uma vida nada cristã longe do altar! Precisamos ser coerentes conosco mesmos. Faça sua oferta de Ação de Graças assumindo um compromisso de mudança e transformação da sua vida. Antes de oferecer dinheiro ou produtos, perguntemos a nós mesmos se estamos oferecendo a nossa vida diariamente a Deus ou se tudo não é meramente um cristianismo de aparência, uma coisa oca, sem essência.

O convite está feito. Talvez esperássemos uma mensagem com um outro tom nesta manhã: mais amigável, recordável; entretanto, esta é a Palavra que recebi durante a semana. É isso que Deus quer que ouçamos. Seu desejo não é que endureçamos e neguemos o que acabamos de ouvir, mas que nos arrependamos e vivamos de acordo com a sua vontade a partir da sua graça. Ação de Graças é uma prática diária do corpo oferecido a serviço de Deus na igreja e igualmente fora dela. Através do cumprimento da nossa profissão, cumprimos a nossa vocação de servir a Deus sempre por meio do próximo. Esse é o sacrifício agradável e de Ação de Graças a Deus. Por isso a Igreja é o Corpo de Cristo: um Corpo que vive em Ação de Graças a Deus diariamente e não apenas anualmente ou nos Domingos.

Termino lembrando as palavras do salmista, que nos diz: “A ti oferecerei sacrifícios de ações de graças e invocarei o nome do Senhor. Cumprirei meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo, nos átrios da Casa do Senhor, em seu meio, ó Jerusalém. Aleluia! (Salmo 116.17-19).

E a paz de Deus – que excede todo o entendimento – guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.
 


7º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | AÇÃO DE GRAÇAS DA COMUNIDADE BOM PASTOR | VERDE | TEMPO COMUM | ANO B

11 de Julho de 2021


P. William Felipe Zacarias


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 116 / Versículo Inicial: 16 / Versículo Final: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 63631
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