A Igreja em Tempos de Coronavírus



ID: 3207

Cuidado com a comunhão! Série Confessionalidade

Reflexões em Tempos de Coronavírus

25/03/2020

Altar
Vitor
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“Não é bom que o homem esteja só”. Assim começa a narrativa da criação, em Gênesis 2. 18. De fato, a vida humana, diferentemente da vida animal, é marcada pela interação e relação entre as pessoas. Estar só não faz parte do projeto da criação de Deus. Fomos feitos para a comunidade. No entanto, a história nem sempre nos preservou em comunidade — muito menos em convivência boa e justa.

Dietrich Bonhoeffer, um teólogo e pastor luterano, membro da resistência alemã anti-nazista, precisou viver escondido da perseguição da Gestapo no período de ascensão do nazismo por ter sido contrário à política nazista. Ao se opor ao regime político, Bonhoeffer teve de abandonar a sua vocação ao pastorado e à docência para salvar a sua vida. Decisão radical: isolamento total, privando-se de suas qualidades mais preciosas ao ser impedido de pregar e ensinar. O horror de seu tempo — o holocausto — pode ter uma faceta parecida a outro horror que vivemos hoje: a proliferação de um vírus desconhecido e incontrolável que nos priva da vida em comunidade.

Nos tempos atuais, diante de uma pandemia indesejada, somos desafiados — na verdade, forçados! — a vivermos em reclusão. É necessário afastar-se dos espaços públicos e interações físicas para preservarmos a nossa vida. O afastamento social não significa indiferença, frieza, desprezo ou insensibilidade. É justamente o contrário: cuidado, zelo e esperança. Cada terror no seu próprio tempo, mas com uma semelhança peculiar quando pensamos na solidão do pastor Bonhoeffer e na nossa: a solidão, num primeiro momento, nos impedem de viver em comunidade. Porém, no nosso caso, talvez ajuda a suportar a quarentena se pensarmos que comunhão e solidão não são necessariamente opostos.

Em seu livro “Vida em Comunhão”, Bonhoeffer escreveu: “Quem quer ter comunhão sem ficar solitário, esse mesmo cai no abismo vazio das palavras e emoções; quem procura ficar sozinho sem pertencer à comunhão, esse mesmo perece no abismo da vaidade, do amor próprio e do desespero”. Podemos ficar sozinhos apenas se estivermos antes em comunhão com os próximos. Podemos estar em comunhão com os demais se suportamos a solidão e com ela equilibramos a vida em comunidade. No nosso caso, uma coisa não precede à outra: comunhão e solidão são complementares. Em suma, quem não suporta a solidão, que tome cuidado da comunhão; e quem não consegue viver em comunhão, que tome cuidado com a solidão.

Motivado pelo testemunho de Bonhoeffer e sabendo que Deus nos criou para a comunidade, neste momento, apesar de a vida comunitária nos trazer benefícios — como o encontro com quem nos alegra, o sorriso em nós despertado, o abraço de um amigo há muito não encontrado — é preciso estarmos, em primeiro lugar, saudáveis. A vida comunitária, paradoxalmente, poderia causar malefícios indesejados: sem querer, alguém poderia portar e transmitir o vírus para outrem. Por isso, agora, a solidão é o melhor meio de ser comunidade.

Tome cuidado com a comunhão! Na solidão a preservação contra o contágio encerra abismos e perigos profundos. Diferentemente da situação de Bonhoeffer, nós podemos, ainda assim, cultivar os valores cristãos por meio de nossos dons: e um deles é a preocupação e o cuidado consigo e com o próximo. A solidão nos preparará para a comunhão. E quando a comunhão, na vida comunitária, chegar, estaremos prontos para enfrentar qualquer tipo de solidão.  

 

Vitor  Chaves de Souza

Professor e Editor

Teólogo e Doutor em Ciências da Religião


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