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ID: 20

A Justiça da Fé

27/10/2017

Muitas vezes me perguntei: onde a justificação por graça e fé e a justiça humana se tocam? Há um ponto de convergência? Acho que precisamos refletir sobre isso, ou então corremos o risco de achar que devemos permanecer no pecado para que a graça seja abundante (cf. Rm 6.1).

Querid@ leitor@ me lembro de meu pai. Ele sempre repetia os famosos ditos de antigamente, um deles era: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Isso ele recitava para mostrar o quanto essa atitude estava errada.

Falamos muito de ética hoje em dia. Por vezes, tanto que o assunto chega a ficar saturado. Mas, do que vale uma ética só para enfeitar discursos, se esta não está sendo vivenciada na prática? É verdade, temos que definir qual é a ética, até os bandidos tem uma ética entre si. Escrevo aqui da ética cristã, especialmente aquela refletida por Lutero. São 500 anos reafirmando, a partir de Rm 1.17, que o justo viverá por fé. Essa liberdade de viver pela fé, não mais sendo escravo das obras da lei, nos leva a servir em amor. E isso, por sua vez, nos leva a um novo jeito de nos relacionamos com as pessoas e com a sociedade. Lutero mesmo afirmava que “Fé e amor perfazem a natureza do cristão. A fé recebe, o amor dá; a fé leva a pessoa a Deus, o amor a aproxima das demais. Através da fé ela aceita os benefícios de Deus, através do amor ela beneficia seus semelhantes.” Poderíamos dizer então que a fé define nossa relação com Deus e o amor define o nosso comportamento no mundo.

Somos justificados por Deus a partir da morte de seu filho Jesus Cristo. Jesus leva sobre a cruz nosso pecado e nos dá a sua justiça em troca, para que dela possamos viver. É pela fé que acolhemos essa ação de Deus em nossas vidas. É por isso que diante de Deus nada nos garante a salvação, a não ser a vivência dessa fé. O fato do messias morrer por nós na cruz foi o gesto mais profundo de amor que pudemos experimentar na história da humanidade. É nesse lugar que Deus bagunça com o conceito de justiça humana. Ele desmonta a arrogância humana, revelando que a justiça divina é gratuita e está em função daqueles que não a merecem, dos pecadores: eu e você. E com isso Deus alcança a toda a humanidade, incondicionalmente.

Desse mesmo amor vivemos e com base nesse amor servimos. Tudo se dá pela gratuidade; e da mesma forma, em gratidão, vivenciamos a justiça perdoadora de Cristo em relação aos outros. Muitos entretanto se perguntam: como cumprir isso na prática? Aí vem de novo o meu saudoso paizinho, luterano de berço, que sempre serviu a igreja de Cristo e, creio, do jeito simples dele, ele sabia qual era a consequência prática da justificação por graça e fé. Ele repetia o dito de Jesus: Faça para os outros o que você quer que os outros façam para você mesmo”. Esta é a regra de ouro da bíblia em Mateus 7.12. Jesus conclui: isso é o que querem dizer a Lei de Moisés e os ensinamentos dos Profetas. Afinal, cá entre nós, sabemos: é pelos frutos que se conhece a árvore boa e que uma fé verdadeira não consegue ficar inoperante; ou seja: somos ramos unidos a videira; portanto produzimos os bons frutos a partir da fé. Conquanto, a lei é boa e revela o pecado; nisto nos mostra o quanto dependemos de Deus para fazer o que é bom e justo - e é isso que Deus quer de nós! Ademais, esse discurso vazio da ética do faz-de-conta, que permeia a sociedade, não pode nem deve ser considerado cristão. Portanto, é preciso redobrar o cuidado para não confundir ética com estética.

De forma contrária ao que o ser humano espera, a justiça de Deus alcança a justiça humana ali aonde ela se rende e não fica reproduzindo a lei pela lei; se vangloriando de si mesma. Ali aonde o perdão se faz realidade nas relações humanas, aonde o pão cotidiano é partilhado e o cuidado desinteressado pelos outros acontece. Ali aonde se inclui, ao invés de excluir. Ali aonde se vivencia o batismo como novas criaturas que somos; e se deixa as coisas velhas para trás. No lugar aonde se desiste da violência e se busca reconciliação. Ali aonde a justiça e a paz se abraçam e os preconceitos dão lugar ao bem querer. Lá aonde os símplices deixam de ser invisíveis e aonde o grito dos famintos sensibiliza o coração. Aonde a humildade da manjedoura e o escândalo da cruz se tornam em nossa salvação. Aonde o medo é lançado fora e os poderes desse mundo são questionados. Onde a graça divina nos atinge tão intensamente que o Espírito Santo nos põe em movimento em direção aos desvalidos. Ali aonde brota a fé do chão da vida, a justiça de Deus toca e comove a nossa humanidade. Aonde deixamos de querer ser deuses, deixamos Deus ser Deus; reconhecendo sua obra em nós e por nós.


Autor(a): P. Marcos Cesar Sander
Âmbito: IECLB / Sinodo: Uruguai
Área: História / Nível: 500 Anos Jubileu
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 44464

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