É amplo e quente o debate em torno do referendo sobre porte e comercialização de armas e munições no Brasil. Os argumentos a favor do sim ao desarmamento sublinham com muita clareza que paz não se assegura e nem se faz mediante o uso de armas de fogo. É convincente quando se afirma que a arma, embora não seja causa, facilita a violência. Já os defensores da posse de armas, como instrumento para a segurança individual, afirmam que sua propriedade faz parte do direito e da liberdade de cada cidadão. Ninguém pode interferir neste direito, complementa o segmento da sociedade que faz a defesa da comercialização das armas.
Enquanto pessoas se mobilizam em busca de segurança individual aparente, mediante o uso de armas que matam e causam sofrimento, a sociedade brasileira se encontra sempre mais à beira da ruína. Os clamores de gente na miséria são demasiadamente fortes e agudos.
Seria a busca por soluções de conflitos, mediante a via pacífica da mediação e da prevenção, sem o uso da violência e da arma de fogo que intimida ou mata, um sinal de fraqueza humana? A quem serve o comércio de armas? Onde passa a linha divisória que permite traçar os limites do poder da arma de fogo como instrumento de defesa, um direito aparente do ser humano, e seu potencial de multiplicar ainda mais a violência?
Apesar da mobilização pelo sim ou pelo não, a mídia, sobretudo a televisiva, nos brinda fartamente e a todo o instante com o espetáculo da violência e do crime. É impressionante observar quanta banalização da realidade da morte, do terror e da destruição provocados pelas armas de fogo! A violência é onipresente e parece integrada, ao natural, no cotidiano da sociedade. O ser humano, enquanto pessoa egoísta e de sentimentos frios, destrói relacionamentos fraternos e se torna intolerante para com outra pessoa. Por isso, ele ataca e se defende mediante o uso de armas que matam.
A sociedade humana parece tomada pela violência e pelo espírito de marginalidade. As armas, a serviço das atrocidades cometidas contra a pessoa humana e seu meio ambiente, contradizem a expressão de confiança no Deus-Criador que, depois de ter criado tudo com perfeição, descansou. Viver experiência do shalon, da paz é a característica de nosso Deus. As armas nas mãos de pessoas humanas moldadas pelo egoísmo sempre quebraram a fraternidade entre as pessoas e acabam com o descanso de Deus!
A família cristã, por causa do projeto da paz, é chamada a referendar o sim pelo desarmamento. É família pacifista por excelência. Pessoas cristãs posicionam-se a favor da preservação da vida e promovem vida em abundância. Da boca de Jesus, o Príncipe da Paz, o discípulo Pedro recebeu a ordem para embainhar a espada. O Príncipe da Paz identificou a felicidade dos pacificadores e deu-lhes uma promessa ímpar: Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus (Mateus 5.9). Os mensageiros de Deus anunciaram, na noite do nascimento do Salvador, paz aos pastores nos campos em torno de Belém (Lucas 2.14). Em obediência a Cristo, seus seguidores cooperam com a construção da cidade reconciliada! Pessoas cristãs investem na cultura da paz. São pessoas nada tímidas; é gente comprometida, sobretudo, com a inauguração de uma nova ética do amor e da não-violência. Na cruz de Jesus, Deus reage à violência humana não com nova violência, mas com perdão e reconciliação.
Em meio à multiplicação dos saberes e de tantos avanços em conhecimentos científicos, a semente da paz precisa de cuidados diários e permanentes. A paz não é algo utópico. De sua prática depende a qualidade de vida e o futuro da sociedade humana. Com certeza, o referendo, viabilizando uma sociedade com menos armas, trará contribuição significativa para o grande projeto de reconciliação e de mediação junto ao povo brasileiro. Nos espírito ecumênico, investimos na política da mediação pacífica, valorizamos os instrumentos que promovem a paz e declaramos, conjuntamente, que somos mensageiros da paz e comprometidos com sua prática.
O empenho pela cidade da paz é o talento que Deus nos confiou. Na prestação de contas, seremos avaliados se fomos fiéis trabalhadores ou não!
Manfredo Siegle
Pastor do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Dom Orlando Brandes
Bispo Diocesano
de Joinville - SC
Jornal A Notícia - 19/10/2005