O mundo dos negócios é muito ágil em abraçar as datas marcantes do ano litúrgico, seja ele religioso ou não. Continuam resistindo, porém, algumas datas, não tão sensíveis ou interessantes ao embalo da prática comercial. A cada ano, existem enormes expectativas visando ao faturamento garantido e ampliado diante dos festejos do Natal, da Páscoa, do Dia das Mães ou dos Pais, Dia da Criança, entre outros eventos, objetos do interesse monetário e dos bons negócios..
A data que permaneceu meio que desapercebida neste meio é o dia da ascensão de Jesus Cristo. Este evento, no calendário cristão, foi lembrado no dia de ontem, 20 de maio. Essa data é lembrada comunitariamente, sobretudo nos países onde a população evangélico-luterana soma grande número. Aliás, no município de Joinville, diante do volume de população luterana, que é considerável, esse evento somava entre os feriados municipais, aos quais tinha direito.
Aos olhos da fé das pessoas cristãs, o Dia da Ascensão ocupa relevância face ao enunciado: Jesus Cristo sobe aos céus para ser entronizado rei e senhor do universo. O evangelista Lucas se destaca como historiador acerca dos atos de Jesus Cristo, contribuiu para divulgar a entronização de Jesus, na perspectiva de rei e senhor universal. Em seu jeito de testemunhar essa realidade, parece que Lucas rasga céu e terra. O céu permanece com aquela característica de se situar em cima por oposição aos da terra, que se situam em baixo. As pessoas que vivem a realidade de baixo aguardam para o futuro aquele que desce pela segunda vez do céu, para então instalar definitivamente seu reino, a partir do céu em cima. Criou-se a imagem de que no céu existe um relacionamento igualitário e justo, enquanto na terra, em baixo, seus moradores experimentam a divisão social mesclando pobres e ricos, os favorecidos e os contrários. Assim se justifica o apelo à prática da caridade no convívio entre os cristãos e os de fora deste rebanho.
A expectativa da vinda de Cristo, para breve, trazendo junto seu reino, é adiada sine die, num futuro indeterminado. O céu é transportado para o além. E os cristãos e as cristãs indagavam curioso(as) como haverá de continuar a história de Cristo. De que forma ele continua vivo, cá em baixo? Decidiram, então, vocacionados para tanto, cooperar na missão de Deus. Enquanto recebiam ânimo e forças de cima, do céu, se empenhavam em ensaiar os primeiros passos de uma vida nova, fortaleceram a partir da confiança neste Deus, sua esperança. Não lhes faltava a liberdade e a disposição para espalhar as sementes da esperança.
Motivados pela fome de Deus na terra, em baixo, celebraram em comunidades a presença deste Deus, próximo em espírito, que alimentava a fé e o amor como dom maior. O Evangelho, anunciado e visível nos elementos do pão, do vinho e da água batismal, instrumentalizaram este alimento.
Motivados pela miséria e sofrimento humano, descobriram a necessidade da partilha. Partilharam a fraternidade, a solidariedade e vivenciaram a prática do amor, da cura. Fortaleceram o serviço em nome da fé.
Motivados pela carência afetiva e pelas sombras da vida, se colocaram a caminho das pessoas aflitas, entristecidas e abandonadas.
Motivados pela ausência de relacionamentos fraternos, as primeiras pessoas cristãs, em comunidade foram impelidas à denúncia da mentira, da falta de misericórdia e se tornaram defensoras das vítimas da injustiça e dos juízos preconceituosos e desumanos.
A festa da Ascensão nos faz olhar as pessoas semelhantes, aqui em baixo, na terra. O Cristo que está em cima, no céu, é o mesmo que continua vivo e presente. Está próximo, no Evangelho, no pão e no vinho, na água, assim como na natureza criada, e de modo muito visível no próximo. Ele continua vivo, mediante nosso serviço e nossa humanidade para com todas as demais criaturas e criações de Deus.
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal ANotícia - 21/05/2004