Nas últimas semanas, o público leitor foi surpreendido com alguns furos jornalísticos. Sessões especiais e lugares de destaque foram disponibilizados, em jornais e revistas, para a veiculação de notícias relativas a descobertas no campo da arqueologia e a revelações de escritos da antiguidade. Reporto-me de forma específica a dois temas de caráter religioso e bíblico-teológico.
Pesquisas arqueológicas ancoradas em textos procedentes do Egito antigo, textos vinculados ao pensamento gnóstico, de forte tendência espiritualizante, apontam a reabilitação de Judas Iscariotes. O discípulo que traiu Jesus, conforme os Evangelhos sinóticos - Marcos, Mateus, Lucas e também de acordo com o Evangelho de João - ao invés de continuar sendo malhado como traidor, estaria experimentando um processo de reabilitação. Segundo o Evangelho de Judas, tido como um documento apócrifo, desconsiderado para figurar no cânone da Bíblia por não se equiparar aos conteúdos dos demais Evangelhos, a traição aconteceu seguindo o plano de salvação de Deus. Nesse caso, a traição nada tem a ver com o projeto de um homem ambicioso que se deixa corromper por 30 moedas de prata.
Em data ainda mais recente, uma das revistas de renome nacional publicou outra reportagem que chamou a atenção dos leitores. No eixo do texto, encontra-se a figura de José, o carpinteiro-operário e pai adotivo do menino Jesus. Logo José que, segundo a tradição cristão e dos textos neotestamentários, passa como pessoa despercebida, quando não alienada. Em decorrência da nova versão, José, o carpinteiro, agora reabilitado, é transformado em homem afável, pessoa amiga, protetora e próxima de Jesus. Enquanto José desenvolvia essas qualidades, o Filho verdadeiro e único de Deus era preparado para o exercício de sua missão.
Em meio ao tom sensacionalista aplicado na abordagem dos assuntos e diante do sabor especulativo que reportagens dessa natureza podem apresentar, há quem suspeite da seriedade e da autoridade dos fundamentos da fé, colocados pela pregação da palavra bíblica. Para onde podem conduzir as eventuais polêmicas e a que servem? Com certeza não são os resultados das pesquisas - na realidade, elas não são tão recentes e nem mesmo desconhecidas - os provocadores da desestruturação da fé dos seguidores de Jesus. Tampouco a credibilidade dos ministros pregadores, bem como os exegetas e pesquisadores, sofrerá arranhões. As crises de fé independem de revelações trazidas por descobertas arqueológicas, ora de valor periférico, ora de importância fundamental.
A credibilidade de Deus e a qualidade da fé no Deus revelado em Jesus Cristo não se submetem às variações das descobertas da arqueologia. Na realidade, não existe crise de fé em termos objetivos. A confiança, quando em crise, sempre se reporta a minha, a nossa confiança. A crise de fé está vinculada a um sujeito. A profundidade e a consistência da fé em Deus exigirão discernimento em relação às descobertas e às manifestações da pesquisa científica e histórica. A fé em Jesus Cristo não se limita a verdades objetivas e também não se submete aos fatos históricos do passado. Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se vêem (Hebreus 11.1). Os fatos históricos sempre são passíveis de avaliações, releituras, e podem sofrer manipulação humana; eles não conduzem automaticamente à fé. Andamos por fé e não pelo que vemos.
A essência da fé parte de um único fundamento: a revelação de Jesus Cristo, homem-Deus. O apóstolo Paulo confessa: Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Pedro e, depois, aos doze (1 Coríntios 15. 3 5).
De acordo com a concepção antropológica testemunhada na Bíblia, a pessoa humana que se auto-idolatra e se coloca no centro do universo evidencia enormes contradições. Em razão de suas contradições, mescla o projeto de vida que é obra de Deus com o projeto de morte, sendo fruto do egoísmo opressor.
Não existe criatura humana que não coopte com a ideologia da auto-aceitação, partindo de méritos próprios. Por essa razão, a fé no Deus da graça imerecida encontra-se em crise permanente.
É Jesus Cristo, nascido de mulher, nosso irmão e salvador, quem interfere no projeto da autodestruição humana. Ele sublinha a importância da fé, semeia a esperança e desafia à vida de amor a Deus e ao próximo. Esses três, porém, o maior deles é o amor. A vivência do amor está permanentemente a serviço da superação das nossas crises existenciais e da crise da fé em Jesus Cristo .
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal A Notícia - 28/04/2006