Apreensivo, eu espero há dias um sinal de vida de uma pessoa residente no além-mar; uma vítima em potencial do terrível desastre ecológico que abalou 12 países no continente asiático. Permanece o silêncio, enquanto aguardo notícias, um sinal de vida resgatada da correnteza ou o anúncio do desaparecimento da pessoa amiga, numa das praias paradisíacas do Sul da Tailândia..
Traumatizado pela violência e pela dimensão da destruição, tocou-me profundamente a imagem de um menino sentado em meio a destroços e ruínas. O olhar vago e ao mesmo tempo fixo é de uma criança extremamente assustada diante da incerteza do futuro, além de constatar a ausência de pessoas e de coisas que lhe eram conhecidas e familiares.
À espera da reconstrução e diante do vazio, o que paira no ar é o silêncio.
Motivado pelo mosaico de realidades tão diferentes, no mundo das pessoas humanas, permanecem igualmente na minha lembrança os sons agitados e os sinais luminosos da grande festa na virada do ano. O entusiasmo diante de tanto brilho e de tantas cores fascinantes nos céus do Brasil e em muitas outras partes do vasto mundo é motivo de êxtase coletivo. Pessoas abastadas ou carentes, colunáveis ou gente desprezada na sociedade submetem-se ao fascínio das extravagâncias. As coisas marcantes precisam acontecer em grande estilo. Seria a vida, assim experimentada, uma soma de realidades determinadas pela sátira humana ou fruto de um fatalismo cego e inexplicável?
Nos primeiros passos do novo ano, cientes de que o novo logo passa e amanhã já é considerado como algo velho, somos saudados por palavras que vêm da boca de uma pessoa que encarna o poder do amor de Deus. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Necessário se faz ouvir logo no início do novo ano, uma Boa Notícia. O Cristo da manjedoura nos atiça e nos tenta atrair a partir do Evangelho. Ele traz em sua bagagem de vida o amor de Deus, um alento de esperança e carrega consigo a chave que dá um novo sentido à vida.
Eu sou o Caminho. Caminhar é preciso: trata-se de um chavão bastante conhecido. Somente faz sentido caminhar quando enxergamos uma meta em frente. Diante das tragédias, a disposição para caminhar perde a sua força e o cansaço fica mais forte. Frente à sensação da pessoa humana de estar plenamente satisfeita com o bem-estar da sua vida, o convite para seguir caminhando parece antes um absurdo.
O bom caminho é aquele que promove a descoberta de si próprio, das suas potencialidades, dos seus limites e da sua humanidade. Caminho confiável é aquele que, na descoberta do outro, transforma esta outra pessoa em irmão ou irmã. O caminho verdadeiro, que não é nem beco e nem atalho, leva para junto de Deus, ou melhor, é por este caminho que Deus mesmo vem ao encontro dos seus filhos e das suas filhas!
Seguir passo a passo, de preferência de mãos dadas, em comunidade, fortalece a esperança de que se caminha no rumo certo e de que existe uma meta segura de chegada.
A estrada da vida não se esgota em meio aos espinhos e às flores. Vida verdadeira não pára diante da realidade da desgraça ou diante do baú de perguntas para as quais não temos como responder. Vida abundante também não se esvai como se apaga o último foguete lançado pela bateria de fogos no reveillón à beira-mar.
Na passagem do ano, a maré contrária à vida tem se manifestado de forma muito violenta. Este fenômeno ocorreu no litoral da Ásia e também se manifestou novamente nas estradas e cidades brasileiras.
As ondas da morte são uma triste realidade, mas elas não estão com a última palavra. Jesus Cristo, o Deus humilde e humano, continuará caminhando junto do seu povo. À semelhança da mãe que segura a mão da criança assustada, por causa da escuridão do caminho, o Cristo segue ao nosso lado. É sinal do amor e é marca da sua maravilhosa e imerecida graça!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal A Notícia - 07/01/2005