Nos dias em que redijo esta reflexão estão sendo veiculadas, através dos meios de comunicação no país e também fora do Brasil, notícias sobre a violência contra moradores de rua na cidade de São Paulo. Agressões cruéis e desumanas assim, na realidade, não acontecem tão somente na capital dos paulistas. Elas refletem o avanço da criminalidade também em outras partes do território nacional. No domingo passado, dia 22 de agosto, em ato ecumênico na Praça da Sé, na cidade de São Paulo, um dos ministros denunciou que a cidade de São Paulo está manchada de sangue. Cristãos e cristãs, católicos e não católicos, assim como o enorme contingente de pessoas não-cristãs, na sociedade universal, são estimuladas, face a nova proposta de vida oferecida ao povo de Deus para se engajarem na desconstrução das causas que geram tamanha desumanidade e tanto derramamento de sangue. Qual será a contribuição específica das igrejas cristãs, em favor da construção de uma nova história de relações interpessoais? A fé em Jesus Cristo testemunha, em palavras e ações, o Deus humilde e humano. Vale a pena assegurar e insistir que a celebração da fé não nos isenta de uma reflexão profunda e crítica. A aventura da fé no Deus Jesus Cristo tem a ver com a prática misericordiosa do dia a dia. É preciso viver alerta e com os olhos abertos ao que se passa em nossa volta.
A fé em Jesus Cristo não cria pessoas alienadas que só enxergam o céu. A confiança neste Deus revelado, no homem da cruz, não nos deixa cegos ao ponto de enxergarmos um mundo irreal e aéreo, distante da realidade. A igreja luterana acentua a prioridade da graça de Deus acima de todo o fazer humano. Seria, no entanto, um grande mal entendido se o dom da graça de Deus fizesse de nós pessoas preguiçosas e insensíveis diante dos absurdos cometidos contra as criaturas de Deus. O amor de Deus nos constrange, diz o apóstolo Paulo. Por isto, somos motivados à ação, à prática da fé. A igreja cristã tem uma responsabilidade muito grande diante das instituições sociais e perante as autoridades. Igreja agradecida é instituição que não se acomoda, mas se sabe enviada ao mundo sendo instrumento da misericórdia de Deus e aberta às necessidades humanas. A vocação da igreja é ser missionária, colocando sinais do reino de Deus, através do anúncio do Evangelho e da denúncia profética contra todos os poderes que cheiram à morte e à desumanidade. O que importa mesmo não é a teoria, mas a prática da fé. Por causa da ação de Deus, em favor de um novo mundo, a Igreja não pode se ater aos recintos do templo. Jesus, numa das suas parábolas, lembra que é preciso ser rico em relação a Deus e ao próximo. É loucura preocupar-se somente com a ampliação dos seus próprios silos, à semelhança do agricultor bem sucedido, em Lucas 12. O Evangelho gera mudanças profundas e nos torna pessoas livres do egoísmo, a fim de sermos ricos em bondade, fraternidade, ricos também no fortalecimento dos laços ecumênicos. É desse jeito que somos protagonistas da história da humanidade, cooperando na construção de um novo mundo, onde a paz e a justiça se abraçarão.
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Diocese Informa - 09/2004