Prédica para Culto Ecumênico alusivo a SOUC 2019
Texto base: Dt 16.9-20 / Textos de apoio: Sl 82.1-8 e Lc 4.16-21
Prezada comunidade, meus irmãos e irmãs em Jesus Cristo,
A celebração de hoje faz parte da Semana de Oração pela Unidade Cristã, um movimento que tem suas raízes no início do século XX. Naquele tempo homens e mulheres de diferentes igrejas percebiam, em constrangimento, o quanto as divisões entre as igrejas prejudicavam o testemunho cristão. Além do mais, os preconceitos e conflitos entre as igrejas escondiam o nosso fundamento comum, Cristo Jesus. É o próprio Cristo Jesus quem pede em favor da unidade entre seus seguidores e seguidoras ao orar, “peço que todos sejam um. E assim como tu, meu Pai, estás unido comigo, e eu estou unido contigo, que todos os que crerem também estejam unidos a nós para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.21).
Desta feita, diferentes igrejas têm se reunido em oração e comunhão, num movimento que hoje abrange igrejas no mundo inteiro. A escolha do tema e preparo do material para a Semana de Oração pela Unidade Cristã este ano ficou sob a responsabilidade das igrejas da Indonésia que escolheram o versículo chave, “procurarás a justiça, nada além da justiça” (Dt 16.20).
Para quem não sabe, a Indonésia é um conjunto de 17.000 ilhas no sudoeste da Ásia. A população da Indonésia é de 265 milhões de habitantes, sendo que as pessoas cristãs contabilizam apenas 10% da população. Em meio a uma grande diversidade de línguas e culturas, as igrejas da Indonésia querem dar seu testemunho de Cristo, ao anunciar a justiça de Deus.
Do outro lado do mundo, as igrejas do município de Maripá também são chamadas em oração e comunhão para dar seu testemunho de Cristo. Nesta noite, me alegro com a oportunidade de orar com representantes de outras igrejas, suas respectivas lideranças ordenadas como padre ou pastor, bem como cada irmão, cada irmã presente nesta celebração.
Nossa fé no Cristo vivo nos compromete em ouvir a Palavra de Deus e buscar viver a partir dos dons, dos desafios, do convite e chamado que a Palavra de Deus coloca diante de nós. O pano de fundo para o livro do Deuteronômio, que é o texto principal para nossa meditação, é o povo de Israel acampado nas planícies de Moab. O povo de Israel está prestes a entrar na terra que Deus lhe prometeu. Enquanto aguardam a ordem de Deus para entrar na terra prometida, Moisés relembra o povo de seu passado de escravidão na terra do Egito e anima as pessoas a guardar a Lei do Senhor, em fidelidade e justiça, para que vivam e herdem a terra que o Senhor Deus lhes dá.
Especificamente em Deuteronômio 16 Moisés está ensinando o povo como celebrar as três principais festas que se tornaram parte do calendário judaico: a festa da Páscoa, a festa das Sete Semanas, também conhecida como festa de Pentecostes, e a festa dos Tabernáculos. A instrução sobre a festa de Páscoa não foi incluída na leitura de hoje à noite, mas ela está ali, no capítulo 16 de Deuteronômio. Em cada uma destas festas Moisés chama o povo de Israel a expressar sua gratidão pelos bens recebidos de Deus. Em cada uma destas festas o povo é convidado a agradecer a Deus pelos dons recebidos.
Para estas festas todas as pessoas são convidadas. Nenhuma pessoa fica de fora ou é excluída. Neste sentido, o convite é bem enfático ao anunciar, “Alegrem-se diante do SENHOR, seu Deus, vocês, os seus filhos, as suas filhas, os seus escravos, as suas escravas, os levitas que moram nas cidades de vocês, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que estão no meio de vocês . . . lembrem-se de que vocês foram escravos no Egito, guardem e cumpram estes mandamentos” (Dt 16.11-12).
O motivo para se acolher e incluir todas as pessoas é a medida generosa da justiça de Deus ao libertar o povo do Egito. Porque o povo - todo o povo de Israel - foi liberto da escravidão, da opressão, do sofrimento no Egito, agora, portanto, a liberdade, o bem-estar e a felicidade são compartilhadas e repartidas entre todas as pessoas. E todas as pessoas, sem exceção, usufruem em menor ou maior medida as bênçãos da terra e são convidadas a agradecer, “Que ninguém vá sem levar alguma coisa para oferecer a Deus, mas cada pessoa deve fazer a sua oferta de acordo com as bênçãos que o SENHOR, nosso Deus, lhe tiver dado” (Dt 16.16-17). Assim, todas as pessoas, todo o povo liberto poderá usufruir da bondade de Deus e da riqueza da terra.
Deus é tão insistente na justiça, persistente em acolher e incluir toda e cada pessoa que Deus também dá uma ordem aos juízes e oficiais do povo, quando estiverem morando na terra prometida, “vocês não devem torcer a justiça, não devem tratar as pessoas com parcialidade, nem aceitar suborno, porque o suborno cega os olhos dos sábios e subverte a causa das pessoas justas” (Dt 16.19). Ou seja, nesta nova terra, na terra prometida, na terra que Deus dá ao seu povo, a justiça, nada além da justiça deve prevalecer. Não uma justiça parcial que favorece algumas pessoas e fecha os olhos para outras pessoas, especialmente as pessoas mais pobres e vulneráveis. Mas sim, uma justiça imparcial, que reconhece a igualdade entre as pessoas e que oferece a cada pessoa oportunidades para desfrutar das bênçãos e da riqueza da terra.
Ao preparar a Semana de Oração pela Unidade Cristã, as igrejas na Indonésia querem nos lembrar da medida generosa da justiça de Deus, imparcial e acolhedora. Hoje, na Indonésia, dar testemunho de Cristo significa questionar um sistema econômico que favorece algumas poucas pessoas, que alimenta a indiferença para com o próximo, que coloca em risco a harmonia e solidariedade de uma nação.
Infelizmente esta é a realidade não somente na Indonésia. A mesma situação tem crescido no resto do mundo. Quando um país deixa de ter como fundamento a solidariedade e o bem comum, somos testemunhas do escândalo de pessoas que sobrevivem em pobreza, desempregadas, moradores de rua ou de favelas, ao lado de edifícios imponentes e centros comerciais luxuosos, símbolos de riqueza exageradamente acumulada. Numa realidade de injustiça, barragens de minério se rompem, as vítimas não são devidamente reparadas, o meio ambiente é destruído, incluindo os rios de pesca e os campos de lavoura, e os responsáveis que vivem de grandes lucros são inocentados.
Numa realidade injusta somente os filhos/as de famílias mais abastadas tem acesso à educação superior, enquanto que as demais pessoas jovens não podem sonhar diferente porque suas oportunidades lhes são cortadas. Infelizmente caminhamos esquecendo a sabedoria da Lei do Senhor, segundo a qual, se a riqueza não for partilhada, a sociedade se divide. Quando negligenciamos a justiça imparcial e acolhedora de Deus, o cuidado para com o próximo, o cuidado para com as pessoas ao nosso redor, desaparece.
A boa notícia é que o Cristo vivo não nos deixa esquecer. Assim como na sinagoga em Nazaré, o Cristo vivo chama esta comunidade reunida em oração e comunhão para praticar a solidariedade e o cuidado para com as pessoas ao nosso redor – compartilhar as boas notícias, anunciar a liberdade, restaurar a visão, e anunciar que chegou o tempo em que Deus salva seu povo. O Cristo vivo, morto na cruz em nosso favor, nos ajuda a confessar nossas faltas e nos liberta da indiferença, nos liberta da justiça parcial, nos liberta da riqueza que exclui. E o Cristo vivo, fundamento de nossa unidade, continuar orando por nós, para prosseguirmos no caminho rumo à terra da justiça, nada além da justiça imparcial e acolhedora de Deus. Amém.
P. Me. Alexander R. Busch - IECLB
Maripá – Paraná (Brasil)
E-mail: pastoralexbusch@yahoo.com.br
Subsídios utilizados:
- Caderno publicado pelo CONIC da Semana de Oração pela Unidade Cristã 2019
- Walter Brueggemann, Deuteronomy (Abingdon Old Testament Commentaries), Abingdon Press, 2001.
- Homilia do Papa Francisco nas Vésperas pela Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2019 disponível on-line