Prédica do Culto Ecumênico - XXXI Concílio da Igreja
Mateus 5.3-12
Pastora Dra. Patricia Cuyatti
A leitura bíblica de Mateus expressa o significado do Evangelho a partir do Reino de Deus que se aproximou; O Sermão da Montanha marca o início do ministério público de Jesus, convidando a voltar-se a Deus (4.17) e a segui-lo. O objetivo é que a boa notícia seja concreta mediante a cura de pessoas enfermas que, finalmente, são libertas de suas tristezas.
Os versículos 3 e 10, cujos verbos estão no tempo presente, servem como marco de referência. Ambos afirmam que o Reino (“é”) pertence às pessoas pobres de espírito e perseguidas. Vale dizer, pessoas que, respondendo à iniciativa divina, são transformadas e, em humildade, vivem afirmando a dignidade daquelas que injustamente sofrem a marginalização.
A presença do Reino é para transformar-nos na direção da humildade. Não garante santidade – essa falsa piedade, mas move para a virtude da persistência em contextos de provocação. Viver na pobreza de espírito é o convite para mudanças, a uma vida intensa e não muito fácil.
Como se vive essa radicalidade da fé?
Jesus o explica nos versículos 4 a 9, usando seis antíteses. As pessoas que sofrem serão consoladas; as humildes herdarão a terra; as que têm fome e sede de justiça serão satisfeitas; as compassivas terão a compaixão de Deus; as de coração limpo verão a Deus; e as que trabalham pela paz serão chamadas filhas/os de Deus.
O contraste é que, viver a fé, se dá entre o presente, visando o futuro: sofrer, ter fome de justiça, ser compassivo, de coração limpo e trabalhar pela paz tem que ocorrer no tempo presente: ou seja, hoje. Enquanto isto, o texto sugere recompensas futuras. Voltarei a isto.
Se o presente não é promissor, como se pode ser feliz ou bem-aventudado/a?
Ao falar em felicidade ou bem-aventurança o texto não se refere a um estado de bem-estar instalado, até porque isso é efêmero. Ser bem-aventurada/o é o convite a ser bênção na vida de outras pessoas: é a esperança futura no presente. Sofrer, nesse contexto, não é heroico nem épico. O sofrimento surge das raízes do poder do Reino transformador da presença ativa de um poder que consagra para sevir e resistir.
Nem todas as pessoas estão motivadas a aceitar essa realidade. Se faz necessária uma profunda disposição para embarcar-se em realidades de infortúnio, ainda mais em circunstâncias perigosas. Mas o Reino se infiltra, alterando nossas defesas e orgulho e nos guia em direção a realidade sedentas de paz.
A paz é atual, mas, de que paz falamos?
Dizemos que o Reino de Deus quer ser real e de bênção nas condições atuais de infortúnio. Durante o Concílio da Iglesia Evangelica del Rio de la Plata (IERP) tivemos a oportunidade de voltar a tomar consciência que, para haver justiça e paz, é preciso saber de que justiça se fala.
Na experiência teológica, os conceitos mishpat e shalom, ambos traduzidos como justiça, são frequentes. Mishpat–justiça é determinar a consequência entre o bem e o mal ao estabelecer e interpretar a lei que dá fundamento legal para que a autoridade expresse veredito ou execute a sentença. Mas é preciso compreender que esse significado de justiça está muito distante da lógica humana de justiça. Mishpat rquer trazer a justiça divina, e esta na sua essência não é unicamente legal. A justiça divina revela a identidade de Deus: seu amor e sua bondade. Essa combinação no conceito de justiça se conhece como retidão e o termo hebraico que abrange é justiça-emet.
Então, a justiça- shalom tem sua fonte na misericórdia divina, e disso resulta que as pessoas, movidas pela bondade divina, aceitem um acordo, ou abram mão completamente de suas posições, visando a renovação de relações. A justiça se nutre da bondade divina, mas também é preciso considerar que não há bondade sem justiça.
Em nossas realidade, Deus nos consagra e envia para levar boas notícias. Isaías 61.1-2 nos recorda que o caminho é prioritariamente em direção às pessoas pobres, carregadas, aflitas; é o anúncio da liberdade às pessoas presas, o ano favorável do Senhor. Assim, o Reino de Deus é anúncio ativo com mensagem de esperança ativa.
Retornando ao aspecto futuro das bem-aventuranças: o Sermão do Monte traz outra noção de felicidade. Não necessariamente o bem-estar próprio, mas a felicidade de mudar o olhar (coração e mente) na direção das pessoas que vivem as consequências das injustiças. Ser feliz, a razão de ser de bênção, significa sermos movidas pela ação do Espírito Santo que nos consagra para amar o próximo como a si mesmo/a.
A partir da montanha, Jesus convida a segui-lo com fé. A novidade no seu convite é que as pessoas seguidoras sejam uma bênção para outras. Isto implica superar nossa natureza humana revanchista, pois ela somente conduz a normalizar a cadeia do mal, do ódio; a superar a neutralidade, porque ela ainda acrescenta a indiferença. Em contextos de tensão, a retidão bondosa pode inspirar outro tipo de justiça.
Trabalhar pela paz, em cuidado bondoso, é um caminho arriscado e pedregoso. Convida a voltar os olhos para sentir a dor humana alheia. É a compaixão (“sentinte”) que sente e que leva a dignificar a cada pessoa. Elas, afetadas por esse amor, poderão promover – como sujeitas de direito, mudanças em seus contextos sociais para que esas realidades também possam refletir justiça embebida na ternura divina.
Muitas realidade hoje necessitam reapropriar-se desse conceito de justiça. Não tenho dúvida que o diálogo é uma ferramenta de acesso para compreender-nos e avaliar nossas diferenças. Pelo diálogo pode-se chegar a acordo e, por que não?, a fazer concessões (o que não significa perder) e, ao fim, reconstruir relações. Ali está o espaço de consolo e justiça hoje! Isto é shalom, isto é a realidade da felicidade futura em contexto.
Será pertinente investir nesses esforços?
É, e muito! Abrir-se ao Reino que penetra o presente é visão futura dentro do nosso presente que nos torna pacificadoras/es. A boa notícia da bondosa justiça convida a voltar o nosso rosto em direção a Deus, que transcende nossos egoísmos, restaurando a imagem de quem está em relações conflitivas.
Desafiando a vingança que seu contexto também promovia, Jesus sobe a montanha a fim de explicar que em nada ajuda, e até mesmo é contraproducente, responder o mal com mal. Jesus sabe, e o revela, que tramam mata-lo, e depois o fazem na cruz. Mas a cruz é abraçada por seus/suas seguidores/as em humildade, transformando isso em loucura. A cruz é contra-mensagem às cruzes que muitas pessoas hoje carregam. A cruz de Cristo reafirma o amor ao próximo e também é amor às pessoas estranhas/estrangeiras.
O Sermão da Montanha mostra um caminho estreito e, por sua vez, honroso. É uma honra ser uma bênção no convite de Alegrar-se porque as portas do Reino, em parte, se abriram! E se abriram para que, como corpo de Cristo, abracemos a prática de não danificar/machucar, mas proteger a vida de todas as pessoas, em especial aquelas que vivem em condições de vulnerabilidade. Ao abraçar esta mensagem de maneira ativa, não tenhamos dúvida: Jesus caminha ao nosso lado como o fez em Emaús! Amém.