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ID: 2676

Martim Lutero e os judeus. Um lembrete necessário por ocasião do aniversário da Reforma

11/11/2015

 

Martim Lutero e os judeus. Um lembrete necessário por ocasião do aniversário da Reforma

11 de novembro de 2015

Em 2017, a Igreja Evangélica na Alemanha (EKD) comemora o 500º aniversário da Reforma. Nessa ocasião, olhamos para o nosso patrimônio histórico e teológico e perguntamos quais são os pontos de vista essenciais para hoje. Em meio a toda gratidão e alegria, não fechamos os olhos para erros cometidos e envolvimento culposo dos reformadores e das igrejas da Reforma.

Percepções problemáticas

1. A Reforma teve como objetivo reformar a igreja pelo poder do evangelho. Isso raramente deu origem a uma nova maneira de considerar os judeus. Os Reformadores operavam dentro de uma tradição de padrões de pensamento anti-judaicos, cujas raízes chegam até à igreja primitiva.

2. É nossa responsabilidade esclarecer como lidamos com as declarações antijudaicas feitas durante o período da Reforma e o histórico de seu impacto e recepção. Perguntamos até que ponto elas promoveram uma atitude geralmente anti-judaica nas igrejas protestantes e como isso pode ser superado hoje. Envolver-se com a atitude de Martim Lutero em relação aos judeus assume um significado exemplar nesse processo.

3. Lutero ligou as ideias centrais de sua teologia com padrões de pensamento anti-judaicos. Suas recomendações para lidar com judeus na prática eram contraditórias. Primeiro, ele defendeu uma abordagem amigável e persuasiva para com os judeus, e depois recorreu a invectivas e exigências que tinham como foco a privação de seus direitos e a sua expulsão.

4. Na preparação do aniversário da Reforma, não podemos ignorar esse histórico de culpa. O fato de as recomendações anti-judaicas de Lutero mais tarde serem uma fonte de anti-semitismo nazista é uma carga adicional pesando sobre as igrejas protestantes na Alemanha.

Um legado doloroso

5. As primeiras declarações de Lutero e seus escritos tardios de 1538, com seu ódio indisfarçado aos judeus, mostram continuidade em seu julgamento teológico. Ele considerava o judaísmo de seu tempo como uma religião que havia perdido seu próprio chamado. Foi guiado pela meritocracia das obras e recusou-se a ler o Antigo Testamento na direção de Jesus Cristo. Segundo Lutero, o sofrimento experimentado pelos judeus era uma expressão do castigo de Deus por sua negação de Jesus Cristo.

6. O julgamento de Lutero estava vinculado à tradição ocidental de hostilidade em relação aos judeus. Num primeiro momento, ele rejeitou contos difamadores, como as acusações de profanação da eucaristia e da morte ritual, afirmando que eram mentiras e falsificações. Mais tarde, ele retornou a estereótipos obsoletos e ficou cegado por medos e ressentimentos irracionais.

7. Lutero acreditava que os cristãos só podiam conviver com os judeus temporariamente e com a esperança de convertê-los. Em 1523, em uma clara crítica às arremetidas costumeiras contra os judeus, ele expressou a esperança de que se alguém lida gentilmente com os judeus e instrui-os cuidadosamente da Sagrada Escritura, muitos deles se tornarão cristãos genuínos. (Que nosso Senhor Jesus Cristo nasceu como judeu). Em 1543 ele editou ‘’Sobre os judeus e suas mentiras’’. Por medo de que tolerância à religião judaica também poderia trazer a ira de Deus sobre a comunidade cristã, ele recomendou no final deste tratado às autoridades temporais, entre outras coisas, a queima de sinagogas, a destruição de casas judaicas, o confisco de Talmudes e livros de oração, a proibição de negócios e a trabalho forçado. Se isso não ajudasse, ele aconselhou a expulsão dos judeus como cachorros loucos.

8. Durante séculos, as pessoas recorreram aos conselhos de Lutero. Por um lado, com referência a sua atitude de amizade condicionada em 1523, elas defenderam a tolerância para com os judeus, mas também uma missão mais intensiva voltada para os judeus. Por outro lado, apelaram aos escritos tardios de Lutero para justificar o ódio e a perseguição dos judeus, em particular com o surgimento do anti-semitismo racista e no momento do nacional-socialismo. Não é possível traçar simples linhas de continuidade. No entanto, nos séculos 19 e 20, Lutero foi fonte de anti-judaísmo teológico e eclesial, bem como de anti-semitismo político.

Renovando relacionamentos

9. Depois de 1945, as igrejas entraram em um processo de aprendizagem, um tanto hesistante no início e ainda não completo, sobre seu fracasso culposo em relação ao judaísmo. A Igreja Evangélica na Alemanha redefiniu sua relação com o judaísmo em termos teológicos, rejeitando qualquer forma de hostilidade aos judeus e apelando para encontro com o judaísmo. Declarações nesse sentido foram incluídas nas constituições de muitas igrejas-membro da EKD.

10. De acordo com o nosso entendimento atual, a visão de Lutero sobre o judaísmo e sua invectiva contra os judeus contradiz a fé no único Deus que se revelou no judeu Jesus. O juízo de Lutero sobre Israel, portanto, não corresponde às declarações bíblicas sobre a fidelidade da aliança de Deus para com seu povo e à eleição duradoura de Israel.

11. Na teologia e na vida da igreja, enfrentamos o desafio de repensar as doutrinas teológicas centrais da Reforma e de não cair em estereótipos anti-judaicos depreciativos. Isso diz particularmente respeito às distinções ‘’lei e evangelho’’, ‘’promessa e realização’’, ‘’fé e obras’’ e ‘’antiga e nova aliança’’.

12. Reconhecemos a necessidade de lidar de forma crítica com a herança da Reforma ao interpretar as Escrituras, em particular o Antigo Testamento. Reconhecemos que ‘’a exegese judaica das Sagradas Escrituras de Israel [Tanach] contém uma perspectiva que também não é apenas legítima, mas mesmo necessária para a interpretação cristã’’ (Igreja e Israel, Leuenberg Documents 6, II, 227). Podemos explorar a riqueza das Escrituras de forma mais profunda quando percebemos a interpretação bíblica judaica.

13. Reconhecemos o papel desempenhado pela tradição da Reforma na dolorosa história de ‘’desencontro’’ (Martin Buber) entre cristãos e judeus. O fracasso de grande alcance das igrejas protestantes na Alemanha em relação ao povo judeu nos enche de tristeza e vergonha. O horror em tais aberrações históricas e teológicas e a consciência de nossa parcela de culpa no contínuo sofrimento dos judeus dão origem a uma responsabilidade especial de resistência e oposição a todas as formas de ódio e desumanidade em relação aos judeus hoje.

14. ‘’Quando nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo disse: ’’Arrependam-se’’, ele quis que a vida inteira dos crentes seja de arrependimento (Martim Lutero). O aniversário da reforma em 2017 é uma oportunidade para dar novos passos de arrependimento e renovação.

Bremen, 11 de novembro de 2015

Dra. Irmgard Schwaetzer
Presidente do Sínodo da Igreja Evangélica na Alemanha
 


Âmbito: IECLB
Área: Ecumene / Organismo: Igreja Evangélica da Alemanha - EKD
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Ecumene
ID: 44689

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