“Dá-nos um pouco de tua Água”
A viagem seria longa. Uma rota do sul até o norte. Da Judéia a Galileia. Caso Jesus não quisesse pegar o “anel rodoviário judaico”, ele teria que passar inevitavelmente pelas terras de Samaria. Terra de traidores da fé, de pessoas imundas, desprezíveis. Terras que graciosamente estavam inseridas na rota messiânica. Jesus escolheu o caminho mais curto. Jesus decidiu passar por Samaria.
E no meio do caminho desértico havia um poço. Havia um poço no meio do caminho. Era o poço de Jacó, (Heb = phrear). Não uma cisterna, mas um poço escavado ao redor de uma mina de água, uma fonte eterna a jorrar vida. Ali no poço, Jesus parou. O verbo divino que se fez carne estava com sede. Porém, já era mais ou menos meio-dia. E não havia ninguém para pegar água. Como manda a tradição cultural, as mulheres deveriam ir em grupo buscam água em uma hora mais fresca e segura.
De repente, algo estranho acontece. Uma mulher Samaritana aparece. Sozinha, vem buscar água. Talvez não tinha tempo para vir antes ou depois. Ou poderia ser alguém excluída do grupo de amigas por algo errado que havia feito. Ou ainda, se sentia desprezada ou indigna de vir com o grupo de mulheres. Seria ela uma pecadora?
Jesus não se se preocupa num primeiro momento em saber quem ela é e porque está àquela hora sozinha a buscar água. Jesus não a questiona, nem a interroga. Nem olha com desprezo pelo fato de ser mulher ou samaritana ou pecadora. Ele pede água pois seus discípulos haviam ido a cidade comprar alimentos. Para os discípulos, era inadmissível um judeu comer no mesmo prato dos samaritanos ou beber da mesma água dos samaritanos. Alimentos secos e comprados são garantia de que não ficarão impuros naquela região de tanta discussão religiosa e mal-entendidos.
Durante séculos judeus e samaritanos viveram de picuinhas. Desde a volta do cativeiro babilônico, por volta de 400 a.C, judeus não toleram samaritanos e samaritanos olham com desdém para os judeus. Tudo por causa da falta de diálogo, de cooperação, de compreensões diferentes. Falta de unidade naquilo que deveria ser central para a fé do povo de Deus. Para os judeus, os samaritanos eram traidores da verdadeira fé. Para os samaritanos, os judeus eram orgulhosos em suas próprias leis e tradições.
Mas, no meio do caminho havia um poço. Havia um poço no meio do caminho. Com educação e respeito, Jesus pede: “Dá-me um pouco de tua água”. O que Jesus faz é abrir espaço ao diálogo. Abrir espaço para a restauração e reconciliação.
A mulher fica sem entender toda aquela situação;
Em primeiro lugar, porque Jesus vai ao encontro de uma mulher, que sozinha está com os seus pensamentos e sofrimentos. Apesar do possível escândalo que tal atitude pudesse gerar entre seus discípulos, Jesus sabe que não pode perder a oportunidade do diálogo e de sua ação salvadora. Se Jesus estava cansado da viagem, aquela mulher estava cansada da vida. Mal sabia ela que sua sede era maior do que a de Jesus. Mal sabia que diante dela estava a verdadeira mina da água do amor de Deus, capaz de quebrar preconceitos, destruir amarras da desconfiança e promover restauração.
Aqui Jesus traz seu primeiro ensino/ação – O amor de Deus não pode ser represado por causa de sexo, cor ou raça. Homens e mulheres, brancos e negros, crianças e adultos estão envolvidos no amor de Deus através de seu Filho.
Mas, a atitude do Cristo vai além. Jesus vai ao encontro de uma samaritana e a considera filha do mesmo Pai. Se a água do poço de Jacó não poderia matar a sua sede para sempre, o Cristo de Deus pode, porque a água que Jesus dá é uma fonte de água viva, eterna e sempre presente.
Aqui Jesus traz o seu segundo ensinamento/ação – O amor de Deus não pode ser represado por causa das diferenças religiosas ou culturais ou por brigas do passado.
Jesus é uma mina que está sempre a jorrar. É água viva, corrente, que inunda, vivifica e purifica nossos corações. E aquela mulher samaritana logo experimentaria isso. Logo sua vida privada seria exposta. Sua solidão teria resposta. Rejeitada pela sociedade pelos muitos maridos que teve, desprezada pelos judeus, por ser samaritana, aquela mulher estava diante da possibilidade de recomeço, de regeneração, de nova vida, de um nascer das águas. Em pouco tempo a água da vida penetrou cada canto de seu ser, abrindo seus olhos para realidade a sua volta.
Para aquela mulher aquele encontro, aquele diálogo tão ecumênico, foi um divisor de águas. Não demorou muito para ela largar seu pote e voltar a cidade para testemunhar sobre o que ela tinha visto e ouvido.
Por falar nisso: Qual jarro nos impede de ir além? Qual o jarro que temos usado para represar a água da vida para nós mesmos? Qual jarro precisamos largar para nos abrirmos ao diálogo franco e reconciliador a partir de Cristo? Seria o jarro do preconceito? Do orgulho? Do separatismo? Da cultura impositiva? Do ódio alheio? Jarros da auto justificação?
Jesus nos ensina que não podemos represar o amor de Deus e nem sua maravilhosa Graça. Nenhum poço o pode. Se assim fizermos, teremos apenas parte dessa água e podemos considera-la tão suficiente em si mesma que corremos o risco de perder grande parte da beleza do Evangelho que tem como objetivo chegar a Jerusalém, Samaria e até os confins da terra.
Quando Cristo, a água da vida, se torna o centro do diálogo e fator unificador daquilo que o ser humano separa, então percebemos o quanto precisamos deixar transbordar esta água para além de nossos próprios poços artesianos da fé. Essa água da vida, que é Jesus e que hoje ainda age no mundo através do Espírito Santo e da Igreja é água que inunda, limpa, purifica e restaura a vida dos que buscam sedentos pela verdadeira adoração em espírito e em verdade.