Igreja Luterana participa de Ato pela Vida lembrando os três anos de impunidade pelo assassinato de moradores de rua em São Paulo
A Pastoral do Povo da Rua e entidades que trabalham com pessoas em situação de rua realizaram uma vigília na noite de domingo (19) para segunda-feira em frente à Catedral da Sé, no Centro de São Paulo.
A manifestação lembrou os moradores de rua assassinados numa onda de ataques entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004. Treze sem-teto foram atacados com golpes na cabeça, e sete morreram. Ao longo desses três anos, as entidades têm organizado celebrações, batizadas com o nome de Ato pela Vida, em memória das vítimas e na defesa da apuração dos crimes.
A vigília começou às 10 horas da noite de domingo, quando se realizou um momento de oração em que foram lidos os nomes das sete pessoas brutalmente mortas. Sacos pretos e bonecos foram colocados nas escadarias da Catedral para lembrar os mortos. Uma cruz também trazia seus nomes. Os representantes de igrejas e entidades permaneceram reunidos por toda a noite com moradores de rua e cidadãos que se solidarizaram com o ato.
Julgamentos
Às dez horas da manhã do dia 20, foi realizado nas escadarias da Catedral um ato ecumênico para o encerramento da vigília. A pastora Vera Cristina Weissheimer, da Paróquia Centro de São Paulo, representou a Igreja Luterana e participou da celebração ao lado do arcebispo metropolitano, Dom Odilo Scherer, e do padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua.
A indignação com a impunidade em relação aos crimes marcou a fala dos participantes. Cinco policiais militares e um segurança particular são apontados como suspeitos pelas mortes. Dos seis, apenas dois foram indiciados, porém todos estão em liberdade.
Em maio de 2005, uma testemunha da chacina, Priscila Machado da Silva, também foi assassinada. Quatro policiais militares foram acusados pelo crime e permanecem presos. Um deles, Francisco Eduardo da Silva, foi condenado em julho a 19 anos e 20 dias de prisão. O promotor responsável pelo caso, Maurício Ribeiro Lopes, espera que outro acusado seja julgado ainda neste ano, e os outros dois no ano que vem.
“Se os crimes fossem numa mansão nos Jardins ou no Morumbi (bairros de classe média-alta de São Paulo), já estariam resolvidos”, disse o secretário-geral do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, presente ao ato.
A pastora Vera lembrou o texto do profeta Zacarias (8.5), que anuncia: “As praças da cidade se encherão de meninos e meninas, que nelas brincarão”. “Que a profecia de Zacarias tenha lugar e que nossas praças voltem a ficar cheias de crianças, idosos, homens e mulheres a brincar e conversar sem terem medo de serem mortos ou assaltados”, disse. “Vamos lembrar que, se há quem seja excluído, há também quem exclui. Que a paz e a justiça venham sobre nossa gente. Que governos e governantes sejam tocados de forma verdadeira”, concluiu.
“Lavagem” da praça
Na manhã do dia 20, enquanto era preparado o culto ecumênico para o encerramento da vigília, um caminhão-pipa do departamento de limpeza urbana da prefeitura de São Paulo passou na Praça da Sé disparando jatos d’água nos sem-teto que ainda dormiam ao relento e em seus pertences nas calçadas.
O secretário-geral do Condepe, Ariel de Castro Alves, que assistiu à cena, criticou duramente o ocorrido e disse que pedirá explicações ao secretário das subprefeituras da capital, Andrea Matarazzo. “Flagramos o que aconteceu e fomos pedir explicações. Eles disseram que estavam cumprindo ordens e que todo dia têm que jogar água, mesmo que os moradores estejam lá”, afirmou Alves aos jornalistas.
Assim como Alves, o padre Julio Lancelotti também disse que a cidade e o Estado de São Paulo estão sendo governados por uma “política higienista”. “Se a ação do caminhão-pipa aconteceu mesmo com tanta gente assistindo, o que pode acontecer durante a noite, enquanto ninguém está vendo?”, perguntou.
Essas denúncias vêm chegando semana após semana ao Grupo de Conversa – um grupo de terapia comunitária – que se reúne todas as sextas-feiras na Igreja Martin Luther (Paróquia Centro de São Paulo). (Clique aqui pra conhecer o trabalho da Paróquia com os moradores de rua).
À imprensa, o secretário Andrea Matarazzo negou que haja determinação da prefeitura para que as equipes de limpeza molhem os moradores de rua e forneceu um e-mail para comunicação de flagrantes, que devem indicar a placa do caminhão e o horário: amatarazzo@prefeitura.sp.gov.br.
(Paulo Hebmüller – jornalista)
(Fotos: Luciney Martins / O São Paulo)