Um Consulta sobre a Dívida Externa Ilegítima foi realizada em Buenos Aires, de 21 a 23 de setembro. A IECLB esteve representada nesta consulta pelo P. Carlos Möller, de Brasília, que integra o grupo assessor de responsabilidade pública e que compartilhou o documento final, transcrito abaixo na íntegra:
Vocês estão explorando os seus irmãos! (...) O que vocês estão fazendo é errado! (...) Temos emprestado dinheiro e trigo ao povo. E agora vamos perdoar essa dívida. Portanto, vocês também perdoem todas as dívidas deles (...) E devolvam agora mesmo os seus campos, as suas plantações de uvas e de oliveiras e as suas casas! Neemias 5.7 e seguintes
Movidos por nosso compromisso com o Reino de Deus e identificados com o sofrimento de nossos povos, reunimo-nos na cidade de Buenos Aires, Argentina, nos dias 21 a 23 de setembro de 2005, como representantes de igrejas cristãs e de organizações sociais e políticas da América Latina, dos Estados Unidos da América, da Europa e da África. Viemos para buscar consensos e definir ações comuns em torno do tema da dívida externa ilegítima, respondendo à convocação das igrejas-membro da Federação Luterana Mundial (FLM) na América Latina, e sob os auspícios do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI).
Abordamos o tema da consulta a partir de enfoques bíblico, teológico-pastoral, histórico, econômico e jurídico. Escutamos as vozes das pessoas participantes a partir de suas igrejas, organizações sociais e em termos de responsabilidade governamental para com a temática. Da mesma forma compartilhamos informações sobre estratégias, campanhas e ações que se vêm realizando nas distintas partes do mundo.
O conceito da dívida externa ilegítima, discutido e reconhecido que foi pela Assembléia Geral da FLM em Winnipeg, 2003, se baseia num enfoque moral, ético e legal, em contraposição à mera e estreita perspectiva econômica com a qual os governos a têm enfrentado. A dívida é claramente ilegítima em sendo anti-ética, imoral e odiosa. Atualmente está em processo a elaboração de uma doutrina de dívida ilegítima que envolve ações políticas e judiciais promovidas em muitos lugares do mundo.
Durante nossas deliberações sobre a dívida externa ilegítima constatamos que:
- O empobrecimento e as mortes causadas por esta dívida estão crescendo dramaticamente. A partir de nossa fé, escutamos o chamado para abordar o tema da dívida a partir dessas vítimas;
- essa dívida é um instrumento de dominação e exclusão funcional segundo o modelo neoliberal. Impede o desenvolvimento humano naqueles países submetidos a esse instrumento. Afeta seriamente a integridade da criação, onerando as futuras gerações. Atenta contra os direitos humanos, em particular os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais;
- em todo esse processo da dívida existem instituições e pessoas responsáveis, até por atos criminais. Essas instituições e pessoas se encontram tanto no Norte como no Sul e são perfeitamente identificáveis.
Por tudo isso nos unimos ao clamor de todos aqueles e aquelas que pedem a imediata anulação de toda dívida ilegítima.
É urgente implementarmos ações que promovam este objetivo em quatro eixos:
- sensibilização
- mobilização
- incidência pública
- encaminhamentos judiciais
Algumas das ações propostas são:
1) Motivar a liderança das igrejas para se envolverem ativamente e falarem a verdade ao povo, aos governos e às instituições, tanto em seu próprio contexto como coletivamente, clamando a pôr fim à dívida externa ilegítima.
2) Tratar do tema da dívida externa ilegítima nos diferentes espaços de nossas igrejas, incluindo catequese e culto.
3) Promover o trabalho em redes que se empenhem por sensibilização, mobilização, incidência pública e encaminhamentos judiciais contra a dívida.
4) Apoiar e promover a realização de auditorias da dívida através de mecanismos e propostas existentes na sociedade civil.
5) Motivar (e unir-nos a) igrejas, organismos ecumênicos e inter-religiosos e outras organizações, para trabalhar na realização de campanhas conjuntas sobre dívida externa ilegítima.
6) Unir-nos aos esforços para a criação de um Tribunal Internacional para a dívida externa ilegítima. Este tribunal deveria basear-se num código de direito e convocaria personalidades internacionais com reconhecida qualificação ética e profissional.
7) Unir-nos aos esforços para judicializar a dívida externa nos âmbitos nacionais.
8) Criar um banco de dados para vincular entre si as pessoas e compartilhar materiais disponíveis.
9) Desenvolver e articular políticas de comunicação e educativas em torno da dívida externa ilegítima, elaborando, publicando e distribuindo materiais (incluindo recursos litúrgicos e estudos bíblicos) para sensibilizar as pessoas e melhorar o entendimento da ilegitimidade da dívida.
10) Fomentar a participação das igrejas, organizações ecumênicas e sociedade civil em eventos nacionais, regionais e internacionais no tocante ao tema da dívida externa ilegítima.
11) Incentivar o encontro e o intercâmbio de pessoas que trabalham o tema da dívida externa ilegítima.
12) Apoiar e promover estudos de caso específicos para ilustrar os mecanismos da dívida externa ilegítima, para sensibilizar a opinião pública, incentivar a mobilização popular e advogar a causa junto aos governos e suas políticas de estado.
13) Cooperar com o levantamento independente das Nações Unidas sobre os efeitos das políticas de reformas econômicas e da dívida externa, particularmente no que tange à elaboração de esboços e propostas sobre a dívida externa, de forma tal que seja assegurada a observância plena dos direitos humanos.
Especificamente recomendamos que:
- a reunião do G8 a realizar-se na Alemanha, no ano de 2007, e os Foros Sociais sejam usados como momentos privilegiados para a mobilização em favor da anulação da dívida ilegítima e para a criação de mecanismos que impeçam futuras dívidas ilegítimas.
- Entrementes, as igrejas devem encaminhar ações do tipo descrito acima, de acordo com suas respectivas capacidades e possibilidades, a fim de dar o impulso, criar a dinâmica interna e a sinergia que apontem para aqueles eventos e para mais além deles, para alcançar os objetivos propostos.
Diante da magnitude do desafio, contudo conscientes da misericórdia, do amor e do poder de Deus, clamamos com o profeta Habacuque: Ó Deus Eterno, até quando clamarei pedindo ajuda, e tu não me atenderás? (...) Estou cercado de destruição e violência; (...) Por isso ninguém obedece à lei, e a justiça nunca vence. Habacuque 1.(2-4)