Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Ecumene



ID: 2676

A Igreja Mekane-Yesus da Etiópia - Uma Igreja Luterana

01/12/2011

A Igreja Mekane-Yesus da Etiópia

— Uma Igreja Luterana —

P. em. Heimberto Kunkel

A Etiópia é o 4° país mais pobre da África. Tem 79 milhões de habitantes. Somente 18% da população vive em zonas urbanas. Sua história data do século IX antes de Cristo. Desde então, guerras, secas, fome e pobreza fazem parte do seu cotidiano.

As raízes do Cristianismo nesta região surgiram já no século IV, e acham sua expressão maior na Igreja Ortodoxa. Esta, porém, sofreu reveses nos últimos tempos devido a conflitos confessionais internos e agressões externas por parte do Islamismo.

A partir de 1800, algumas organizações missionárias de fundo calvinista começaram a atuar neste país.

Missão Luterana chega ao país e cresce

A Missão Luterana Sueca chegou a Massava (hoje Eritreia) apenas em 1877, dando ênfase primordial à evangelização, à educação escolar e ao treinamento de evangelistas. Dez anos depois, dois evangelistas etíopes (o ex-ortodoxo Negusé, um rico comerciante — e Amanuel, um muçulmano convertido), foram enviados a Kefa, uma aldeia no sul do país, para evangelizar. Tempos depois, Negusé foi nomeado Secretário de Estado. Como tal, conseguiu adquirir terras, apoiar a missão luterana (sueca) e construir escolas. Comprou escravos, libertou-os a seguir e educou-os na fé cristã. Inclusive, crianças muçulmanas começaram a frequentar escolas luteranas. Desta maneira, o Evangelho propagou-se rapidamente.

Um passo importante seguinte aconteceu quando Gebre-Ewostateos, um sacerdote expulso da Igreja Ortodoxa (devido à sua tendência `evangelical') encontrou acolhida na Missão Luterana Sueca. Ele traduziu partes da Bíblia para o dialeto Orongo e recebeu autorização para pregar nesta língua e para treinar  evangelistas. Por isso, centenas de cristãos ortodoxos abandonaram sua igreja-mãe e se juntaram ao movimento evangélico luterano. Um destes evangelistas, o ex-escravo Onesimos Nesib, foi enviado à Suécia, onde estudou teologia durante cinco anos. De volta à Etiópia, traduziu para o idioma Orongo todo o Novo Testamento, o Pequeno Catecismo de Lutero e outra literatura evangelística luterana. Mais tarde, ele e sua esposa traduziram também o Antigo Testamento. Em 1904, Onesimos recebeu autorização oficial do imperador para divulgar o Evangelho na tradição luterana. Sua atividade atraiu milhares de pessoas. Para atender à grande tarefa da propagação do Evangelho, ele solicitou ajuda — e a Missão Sueca lhe mandou um considerável número de evangelistas, etíopes e suecos.

Entrementes, a Igreja Ortodoxa se restabelecera. Havia superado suas intrigas teológicas internas. E então passou a atacar a missão evangélico-luterana, denunciando-a de ser um movimento pagão/ animista. Esta ação hostil da Igreja Ortodoxa se tornou tão insuportável, que Onesimos e um colega seu da Suécia (Karl Cederquist) se viram obrigados a abandonar sua atividade na região de Welega, e transferir-se para Addis Ababa (capital). Ali, com auxílio de outros evangelistas treinados pela Missão Sueca, fundaram escolas, também para adultos, nas quais um número considerável de pessoas recebeu formação e que mais tarde assumiu posições chave na Igreja e no governo do país.

Surge a comunidade Mekane Yesus

Quando Hailie Selassie se tornou imperador (1916), o movimento evangélico-luterano, encabeçado por Cederquist e Onesimos, recebeu a incumbência de fundar uma 'empresa evangélica' que criasse escolas em todo país, também para meninas; construísse hospitais e fundasse novas congregações/comunidades. A primeira comunidade que surgiu, foi a Mekane Yesus (o lugar de Jesus), em 1921. Desde o início, esta comunidade tomou a decisão de que nela servissem apenas pastores autóctones (não-estrangeiros). Em outras regiões e congregações, no entanto, missionários luteranos suecos continuavam exercendo seu trabalho lado a lado com seus colegas etíopes.

Em 1936 os italianos ocuparam a Etiópia no fluxo da Segunda Guerra Mundial. E então todos os missionários estrangeiros foram forçados a deixar o país, e as escolas evangélicas existentes obrigadas a fecharem as portas — e muitos dos líderes das comunidades foram presos, e um considerável número condenado à morte.

Mesmo assim, o número dos cristãos evangélicos aumentou de maneira impressionante no período da ocupação italiana: de 1.000 membros em 1935 subiu a 20.000 em 1942. A força impulsora dês-te crescimento veio de dois homens: Emmanuel Gebre-Sillassé e Badima Yalew (ex-sacerdote ortodoxo). Quando os missionários suecos foram expulsos pelos italianos, a Missão Evangélica Sueca confiou a estes dois homens todo o trabalho e todos os bens da Missão em Addis Ababa.

É formada a Igreja Evangélica Mekane-Yesus da Etiópia

Após o término da ocupação italiana, em 1941, a Comunidade de Addis Ababa se tornou independente da Missão Sueca, e a partir daquele ano, ela evoluiu como centro de todas as comunidades evangélicas de confissão luterana da Etiópia. Em 1959, estas comunidades se uniram e fundaram a Igreja Evangélica Mekane-Yesus da Etiópia (Ye Etiopia Wongelawit Bete-Kristian Mekane Yesus). Emmanuel Gebre-Sillassé foi eleito seu primeiro presidente.

O fundamento estava lançado. Mas para estruturar uma Igreja com uma missão evangélica de confissão luterana para o povo etíope, uma caminhada longa e penosa ainda precisava ser vencida. O passo principal era: Criar um documento, um estatuto que refletisse a confissão luterana da Igreja! Na elaboração deste documento, as Igrejas Luteranas da Escandinávia, Alemanha e Estados Unidos prestaram assessoria concreta. O impulso principal, porém, veio da Conferência das Igrejas Luteranas da África, cujo presidente era Emmanuel Abraham, filho de um dos primeiros evangélicos (luteranos) e então embaixador da Etiópia na Grã-Bretanha. Sob sua orientação, nasceram os estatutos de uma 'Confissão Luterana' que foi aceita por todas as comunidades na Etiópia. Para se firmar nesta base, a IEMYE buscou filiação à Federação Luterana Mundial (FLM), onde foi aceita em caráter provisório durante a Assembleia Geral em 1957. Neste mesmo ano, a Igreja Luterana da América (USA) inciou ajuda importantíssima para estruturar o corpo administrativo da Igreja e ofereceu e financiou um programa de evangelização que 'servisse o ser humano em sua totalidade' (holistic ministry). Em 1963 a Mekane-Yesus, foi aceita como Igreja-Membro na FLM.

Os anos seguintes não foram fáceis. Entre 1977 a 1983, apesar de todas as peripécias (guerra no país, fome, seca, etc.) a Igreja registrou um crescimento impressionante. O número de seus membros duplicou. Tornou-se necessário construir numerosos templos e salas de reuniões de baixo custo em todo território nacional. Inclusive uma estação de rádio (Radio Voice of the Gospel) de longo alcance foi instalada. Os meios financeiros para tal, fluíram de várias partes do mundo, canalizados pela FLM. Nesta época dos graves problemas no país, a FLM prestou marcantes serviços também no setor social, providenciando abrigo para os refugiados, alimento, terras, sementes, gado e animais de carga. A seca e a fome, porém não foram a única desgraça maior.

A Mekane-Yesus no novo regime político

Após a revolução de 1974, quando a monarquia foi derrubada e uma junta militar marxista-lenista tomou o poder, a liberdade religiosa inesperadamente recebeu prioridade nacional. A IEMYE em princípio se prontificou a cooperar com as autoridades do novo regime. Mas subitamente este 'deu as costas' ao cristianismo. No dia 28 de julho de 1979, o secretário geral da Igreja (Gudina Tumsa) e sua esposa foram sequestrados por homens armados. Gudina nunca mais apareceu. Sua esposa foi encarcerada sem julgamento. E a partir de 1980, grande parte da propriedade da Igreja foi confiscada, inclusive a Rádio Voice of the Gospel. A sede central da Igreja caiu nas mãos dos comunistas, em 1981.

A IEMYE continua a crescer

Apesar da perseguição, que até certo grau ainda persiste até hoje, a IEMYE, auxiliada por Igrejas de várias parte do mundo, continua combatendo a fome, ajuda na reconstrução dos lares, hospitais, escolas e providencia asilo aos refugiados de países vizinhos em guerra, e presta inúmeros outros auxílios. De fato, fome e perseguição continuam na ordem do dia, mas a Igreja registra um crescimento constante, colocando entre as prioridades de primeira ordem: a evangelização, a educação escolar e educação cristã. É a Igreja que mais cresce na África. Hoje conta com 4.033.413 membros, 1.287 pastores, um grande número de evangelistas e diáconos, 19 sínodos e 5.514 comunidades. Possui um seminário para formação teológica de obreiros, e propaga o Evangelho mediante rádio-cassetes e CD's. Sua língua oficial (para a mídia) é o Amharic. Cultos, ensinos religiosos, etc. são exercidos nos diversos dialetos do país.

O autor é Pastor emérito da IECLB, atuou por muitos anos em intercâmbio na Alemanha e representou a IECLB junto a órgãos de igreja no exterior. Ele vive com sua família na Suíça


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Autor(a): Heimberto Kunkel
Âmbito: IECLB
Área: Ecumene
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2012 / Editora: Editora Otto Kuhr / Ano: 2011
Natureza do Texto: Artigo
ID: 31833

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