Em Êxodo (35.29), Deus conclama o povo de Israel ao desprendimento, ao despir-se de coração, ao ofertar voluntário, incluídos aí bens, os produtos e a aplicação de dons e habilidades, para a edificação do Tabernáculo: um lugar de referência e reverência, de adoração e de oração. Um lugar de encontro de Deus e com Deus.
Em 2 Coríntios (9.8),o Apóstolo Paulo exorta os primeiros cristãos para o generoso, o alegre e o solidário repartir da suficiência daqueles mais abonados com os irmãos mais carentes.
Para este mundo de contrastes entre extremos de abundância e de carência, Jesus mandou seus discípulos e continua nos mandando hoje para, de forma generosa, alegre e solidária, revelar e edificar sinais da Sua presença em toda sua criação, um tabernáculo ampliado, que não quer excluir nada e ninguém. Que, antes pelo contrário, nos convoca para que o prenúncio destes novos céus e nova terra já possa ser vivenciado hoje entre e por TODOS nós.
É evidente que as desigualdades são de naturezas tão diversas e de tal magnitude que muitas só podem ser objeto de denúncia e oração pela intercessão de Deus junto àqueles que detêm poder para nelas ou sobre elas influenciar. Há muitas outras, porém, que poderiam ser corrigidas ou minimizadas se as contribuições espontâneas de muitos pudessem ser canalizadas e compartilhadas para fins específicos e sob ótica mais ampla do que o micromundo das nossas relações mais imediatas e próximas.
Neste aspecto da espontânea, alegre, generosa e solidária doação, vejo que ainda temos alguns caminhos a patrolar. São muitos e diversos os exemplos sobre os quais poderíamos refletir. Lembro alguns como amostras pontuais:
- numa reunião de lideranças da Igreja, vi vários conselheiros “dispensando” a compra de rifa específica para investimento no Sínodo da Amazônia (um Sínodo que enfrenta muitas dificuldades) porque nunca tiveram sorte com rifa (e isto dito assim textualmente). Como entender e trabalhar a perspectiva de membros e lideranças de confessionalidade evangélica luterana no Brasil que no seu agir natural e diante de situações tão particulares enfocam só (ou mais) o objeto da rifa que o objetivo da rifa?
- tivemos, no Sínodo Sudeste, grupos de Paróquias lideradas por pessoas, ordenadas e não, de reconhecida cultura e reconhecimento na Igreja, que tiveram dificuldades de perceber o sentido da solidariedade evangélica na contribuição proporcional ao movimento financeiro próprio na contribuição dos Campos de Trabalho para o todo da AMA – Associação de Mútuo Amparo. Por que, mesmo entre estas lideranças mais esclarecidas, na hora da esperada solidariedade, a visão ofuscada pelo próprio umbigo do interesse local prepondera?
- uma planilha apresentada em nossa última Assembleia Sinodal sobre as transferências financeiras de Campos de Trabalho para o Sínodo em 2010 mostra situações estranhas de Paróquias que, sabidamente, realizam distintas promoções (festas, bazares, ações entre amigos entre outras) e só recolhem sobre as contribuições regulares de seus membros. E esta é uma prática que ouço acontecer em muitos lugares. A prática do caixa dois para promoções e doações é quase uma instituição, se não a nível de Campo de Trabalho todo, ao menos em algum ou alguns dos seus departamentos de serviço.
- muitos dos nossos campos de trabalho pelo Brasil afora continuam fixando (ou sugerindo) valores e usando carnês e/ou cobradores para recolher contribuições que deveriam ser espontâneas. Inclusive ainda cultivando em alguns lugares a prática do exame da situação de quitação das “contribuições” para liberar o acesso a ofícios religiosos especiais (batismo, enterro, confirmação, casamento, ...). O desprender-se da prática de taxa imposta para sustentação da Igreja na Alemanha, berço da nossa confessionalidade, é tão difícil ou está sendo conveniente a sua manutenção camuflada nos carnês?
Estes são apenas uns poucos exemplos que me levam a pensar que deveríamos avaliar com carinho e à luz da fé que professamos a oportunidade de retomar um trabalho consistente e geral em toda Igreja sobre a questão das contribuições e solidariedade. Acho que a iniciativa do Fórum Nacional e estudos bíblicos sobre Fé, Gratidão e Compromisso de 2005 e 2006 teve este enfoque. No entanto, por razões que precisariam ser avaliadas, não atingiu os objetivos esperados, em termos de alcance e incorporação prática.
Precisamos retomar o tema. Pode, inclusive, ser um oportuno foco de trabalho nas ações estratégicas que o Planejamento para o PAMI vem produzindo. Toda cadeia de lideranças e a membresia dos nossos Campos de Trabalho precisam alinhar entendimentos com relação aos compromissos maiores que temos para com o Evangelho que testemunha o propósito último de Deus de incluir a todos em sua graça.
Este mesmo Deus que nos dá a sua Palavra, também cria em nós a fé. Uma fé que molda todo o nosso ser, o nosso agir, a nossa forma de ver e compreender as coisas. Uma fé que desperta a nossa gratidão: Deus nos cuida, nos dá tudo e nos faz responder com gratidão por todas as dádivas recebidas. Uma gratidão que nos anima para o compromisso da partilha destas dádivas para a sustentação da Igreja local e nacional e a continuidade e sustentabilidade dos seus trabalhos.
Oremos: Querido e bondoso Deus, nós te agradecemos pela vida e pelos dons que generosamente tens distribuído entre nós. Assim como despertas e cultivas a fé em nossos corações, molda nosso ser e agir no âmbito dos nossos conselhos de decisão e também no dia a dia das nossas comunidades, para o amadurecimento da prática da partilha solidária em nossa Igreja. Que, a partir de todos os seus Campos de Atividade, a IECLB possa ser expressão concreta do Evangelho da graça em pleno exercício da solidariedade neste país continente. E que todas as demais questões, particulares ou coletivas, que alegram, preocupam ou angustiam, possam ser expressas através da oração que Jesus Cristo nos ensinou: Pai Nosso ... Amém.
Almiro Wilbert
Presidente do Conselho Sinodal do Sínodo Sudeste
2º. Secretário do Conselho da Igreja