1. A Igreja de Jesus Cristo, por natureza e incumbência, é Igreja missionária. Está comissionada a propagar o Evangelho por palavra e ação, preparando a vinda do reino de Deus e congregando as pessoas em comunidade. O Evangelho se destina a toda criatura e chama para a aprendizagem da fé, da esperança e do amor. Evangelização, pois, é mandato de todos os cristãos e de cada Igreja em particular.
2. A missão comum das Igrejas, porém, sofre prejuízo quando se perverte em brutal concorrência e se resume em disputa de freguesia e poder. É claro que o lado-a-lado de várias denominações cristãs constitui um problema. Há diferenças a serem trabalhadas e barreiras a serem vencidas. Isto, porém, não justifica a violação do mandamento do amor e do respeito mútuo. O exclusivismo que se promove à única representação legítima da fé e a tentativa de engrossar as próprias fileiras com fiéis conquistados de Igrejas-irmãs impossibilitam a fraternidade ecumênica e corroem a credibilidade da mensagem cristã. Chamamos de proselitismo esta disputa selvagem, sutil e manhosa do mercado religioso.
3. Originalmente, a palavra não tinha esta conotação. Na tradição judaica, contemporânea do Novo Testamento, prosélito designava a pessoa que se havia agregado à comunidade, com todos os direitos e deveres daí decorrentes. Era termo que identificava o novo membro, oriundo do paganismo da época. No decorrer da história, porém, proselitismo passou a receber um significado pejorativo. Tornou-se sinônimo de um método missionário fanático, falacioso, profundamente contrário ao espírito do Evangelho. É um método que lamentavelmente por demais vezes tem determinado a missão da Igreja e a propaganda religiosa em geral.
4. Nesta interpretação da palavra não há como sancionar o proselitismo, e a IECLB sempre o repudiou. Jesus não coagiu as pessoas com ameaças de castigos infernais, não as comprou com promessas sedutoras, não comercializou suas necessidades físicas e espirituais. Proselitismo é designação de uma missão sem amor, autoritária, traiçoeira, exploradora, que se utiliza dos meios de intimidação e faz negócios com a fé. Em Jesus, a evangelização é não violenta, é honesta, argumentativa. Baseia-se na força da palavra que busca o consentimento das pessoas e sua livre adesão à causa do Evangelho. O mesmo observamos na missão da Igreja antiga. Constituía comunidades de gente que voluntariamente e por convicção declarava sua filiação.
5. A prática proselitista ainda persiste em muitos grupos religiosos da atualidade. Nós o registramos com profundo pesar. Rejeitando o proselitismo como método de sua missão, a IECLB tem também o dever de defender-se quando praticado por outros. Não pode permitir que seus membros sejam vitimados por assaltos proselitistas que perfidamente tentam desviá-los para outras filiações. O combate ao proselitismo exige, não por último, a denúncia, visto que não só o ser da IECLB como também a autenticidade do Evangelho estão em jogo.
6. Renúncia ao proselitismo e oposição a ele, porém, não equivalem a renúncia à missão. A partir do Evangelho, a IECLB permanece incumbida do testemunho público e da criação de comunidades. É Igreja de Jesus Cristo, alicerçada na verdade da Palavra de Deus e por isto crítica frente a todas as formas de sedução religiosa. A oposição ao proselitismo não pode servir de pretexto para o imobilismo evangelístico. Importa tão-somente que o método esteja em consonância com o Evangelho. Assim sendo, a IECLB vai unir ao testemunho da palavra a ação do amor; à pregação, o gesto evangélico; ao chamado para a fé, a misericórdia. Sob a perspectiva evangélica, a missão autêntica necessita ser acompanhada da diaconia, e vice-versa. A união de ambas protege, a um só tempo, contra uma missão proselitista e uma diaconia que se esgota em mera promoção social. A salvação pretendida por Deus tem em vista o ser humano em seu todo, incluindo corpo, alma e espírito.
7. A IECLB, portanto, tem o dever de construir e congregar comunidade. Deixando de fazê-lo, vai pecar por omissão. Vivência cristã quer socializar-se numa comunhão concreta, estruturada, definida. A fuga da filiação a uma comunidade equivale à fuga do compromisso concreto. Logo, a IECLB deve ser uma Igreja convidativa, aberta para novos membros, capaz de integrar pessoas em sua comunhão de fé. O convite para filiar-se à IECLB de modo algum permite ser confundido com proselitismo. Decorre do próprio compromisso com o Evangelho, querendo materializar-se em estruturas e instituições. Cumpre à IECLB desenvolver força comunicativa e integradora de pessoas de diversas origens, culturas e segmentos sociais. Isto, na disposição de servir com os dons que lhe são peculiares.
8. É engano supor que a construção de comunidade com métodos não proselitistas esteja ferindo o espírito ecumênico. Ecumenismo é a convivência e cooperação de comunidades diferentes e simultaneamente irmanadas pelo mesmo Espírito. A multiplicidade de confissões requer o mútuo exame crítico das posições. Mas também oportuniza o intercâmbio de experiências e uma aprendizagem na fé que se esforça por aperfeiçoamento na verdade. A IECLB representa uma determinada proposta de Igreja decididamente baseada no Evangelho. Até que ponto é consistente, merece ser continuamente avaliado, não por último em diálogo com suas Igrejas-irmãs. Trabalhamos em favor da unidade visível do corpo de Cristo. Entretanto, esta unidade deve ceder espaço para diversas expressões, desde que não conflitam com o Evangelho. A IECLB se entende como uma delas. Convida as pessoas para participar de sua proposta e testar-lhe a solidez e fidelidade evangélica.
Em resumo, o não ao proselitismo não pode significar o não à missão. Caso contrário, a IECLB trairia a incumbência recebida de seu Senhor.
Florianópolis, 17 de março de 1994
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier