Prédica do Culto de Abertura do XXII Concílio
Cuiabá/MT
19 de outubro de 2000
Lucas 24. 36,39a,44-49a.
Leituras bíblicas: Números 11.11-12,14-17,24-25 e Atos 1.6-11
Agradeço a Deus pela presença de cada uma e cada um de vocês e, repetindo a saudação pascal, novamente lhes digo: Paz seja convosco! É justamente de paz de que mais necessitamos, nesta virada de milênio. Pois a dignidade humana, bem como a sobrevivência de toda a criação, estão seriamente ameaçadas. Basta lembrar de tantas pessoas desempregadas; pessoas sem lar; sem terra para plantar; sem acesso a educação e saúde; sem aposentadoria para alegrar-se com a velhice — realmente, há muitas pessoas esquecidas e excluídas neste mundo globalizado.
Também lembro como o meio ambiente — ou seja, a flora, a fauna, as águas e o ar — está sendo ameaçado por pessoas inescrupulosas que pensam somente em seus interesses, lucro e prazer. Nesta época pós-moderna todos os valores sofrem questionamentos a ponto de quase não mais haver critérios comuns de conduta ética.
Reconhecemos, com humildade e dor, que os poderes de fragmentação e desintegração também atrapalham a nossa vida comunitária em todos os níveis da igreja. Vejo líderes e obreiros sobrecarregados. Ânimo e alegria cederam lugar a queixas e amargura, a exemplo de Moisés, de quem ouvimos na primeira leitura bíblica. Esses poderes de não-vida ameaçam a eficácia de nossa missão.
Diante de tamanho sofrimento, não raras vezes sentimo-nos pequenos, fracos ou mesmo impotentes. Quantas vezes nós mesmos, que temos a tarefa de repartir e dar, estamos de mãos vazias!
Essa postura de mãos vazias, contudo, é alvissareira no início deste concílio, pois mãos abertas e vazias podem ser presenteadas e receber pão do céu, para seu próprio revigoramento, com vistas à missão do repartir.
Por isso ouçamos o que está escrito em Lucas 24, os versículos 36, 39a, 44-49a. (Leitura)
Oremos: Senhor, naquela vez em Jerusalém, te revelaste aos teus como o Cristo ressurreto. Manifesta-te também a nós, aqui e agora em Cuiabá e Chapada dos Guimarães. Age como aquele que vive e faz viver. Amém.
1. Vede as minhas mãos... que sou eu mesmo - ele diz aos seus. São aquelas mãos perfuradas pelos cravos da crucificação.
— São as mãos que acolheram crianças, doentes e pecadores. De maneira graciosa e incondicional justificaram quem não tinha com que se justificar.
— São as mesmas mãos que repartiam o pão e os peixes com a multidão de famintos.
— As mãos que, passando lama nos olhos do cego Bartimeu, o fizeram enxergar a luz do dia.
— Trata-se daquelas mãos que, fazendo parar o cortejo fúnebre entre Jericó e Jerusalém, devolveram à viúva enlutada o seu único filho, sinal de esperança para a sua velhice.
— São as mesmas mãos que derrubaram as mesas dos vendedores no templo de Jerusalém a fim de que ele se tornasse casa de oração para todas as pessoas, também para as que não podiam pagar sacrifícios.
— Realmente, são as mãos que resgataram o verdadeiro ser humano segundo a imagem de Deus.
Vede as minhas mãos... que sou eu mesmo! — diz o Cristo ressurreto. Ele vive com novo corpo, não mais sujeito ao espaço nem ao tempo, contudo identificável como Jesus, o Deus-ajuda, o enviado de Deus.
2. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras. A partir das Sagradas Escrituras, ele lhes mostrou a real condição das pessoas diante de Deus. Todas elas sem exceção pecaram e carecem da glória de Deus. Pois, além de Jesus, não há ninguém que ama a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. É disso que os seus se flagram, diante daquelas mãos perfuradas.
Iluminados pelo poder do Espírito Santo, porém, também percebemos que essas mãos e esses pés foram traspassados pelos cravos da cruz em nosso favor. O único justo sofreu em favor de nós, injustos. Que troca singular! O santo Deus nos aceita e acolhe por causa da cruz de Cristo. Naqueles braços de Jesus, estendidos na cruz, está estabelecida a ponte que atravessa o abismo entre a criatura alienada e o seu Criador.
3. O crucificado vive e faz viver. Pelo poder do Espírito Santo ele não só nos faz perceber nossa real situação diante de Deus, mas também nos motiva a abraçar, com fé e confiança, esse amor incondicional que vem ao nosso encontro. Já no santo Batismo ele disse sim a nós. Adotou-nos como filhas e filhos seus. Integrou-nos na grande família de Deus. Desde então, ele está nos cativando e constrangendo para lhe respondermos com o nosso amor recíproco.
Há mil maneiras de reagir. Contudo, quem respondeu uma vez sabe que esse amor quer ser abraçado e respondido a cada novo dia. A medida que esse milagre acontece e se repete, o amor traz os seus belos e doces frutos:
— Abre nossos ouvidos, olhos e corações para os clamores por vida digna. Esses clamores ecoam da boca de pessoas portadoras de deficiência, crianças de rua, pessoas desempregadas, solitárias, idosas; ecoam do silêncio de uma criação explorada e devastada.
— Esse amor põe os nossos pés a caminho em direção à periferia da vida. Abre as nossas mãos para repartir com famintos, para encaminhar doentes ao tratamento devido. Faz abrir os braços, os corações e as portas de nossas comunidades para acolher e integrar pessoas excluídas.
— Esse amor nos liberta para sujarmos as mãos na recuperação e preservação de uma natureza ameaçada ou mesmo estragada.
— De tal maneira concreta e palpável o amor faz as nossas mãos testemunharem que o Crucificado vive e faz viver. Ele mesmo diz: Vós sois testemunhas destas coisas!
Para finalizar vamos simbolizar esse mistério de sermos alvo e instrumento da missão de Deus no mundo em que vivemos.
4. Meditando, de maneira participativa, em torno do símbolo do globo e das mãos
Vocês lembram que, ao chegarem ao recinto de culto, foram solicitados a imprimir, por meio de tinta têmpera, uma de suas mãos em cima de cartolinas. Todas essas mãos representam as comunidades com os seus membros, unidas em 18 sínodos.
São 18 peças, que agora afixamos acima do globo, dentro do emblema da IECLB. Somos igreja de comunidades que abraçam a missão de Deus no lugar em que vivem. Observemos a diversidade das mãos, em termos de tamanho, cor e jeito. Ela corresponde a situações, lugares e pessoas diferentes. Dessa multiformidade Deus se utiliza de maneira criativa para que o Evangelho seja testemunhado em palavra, gesto e ação, ou seja, que a dignidade humana seja resgatada, que o equilíbrio ecológico seja recuperado e preservado. Assim será promovida a paz, em forma de sinais concretos, para toda a criação.
Essa missão, entretanto, não se restringe ao nosso próprio contexto. Pelo contrário, ultrapassa fronteiras as mais diversas, inclusive geográficas. O globo, no emblema da IECLB, nos lembra da universalidade da missão. Ela requer a união de esforços. Por isso cultivamos parcerias ecumênicas com igrejas-irmãs. E quando percebemos que órgãos governamentais e não-governamentais estão empenhados na promoção de vida digna, os estimulamos, apoiamos e, à medida do possível, cooperamos com eles.
Nesse sentido concreto e amplo, o Plano de Ação Missionária da IECLB, a ser apreciado e aprovado neste concílio, pretende nos estimular e unir com vistas à missão de Deus.
Diante de tamanha dignidade e responsabilidade da missão, não mais precisamos ficar assustados ou intimidados. O Cristo ressurreto nos mostra as suas mãos que sinalizam a vitória da vida sobre os poderes da não-vida e morte. Segundo Atos 1, ele prometeu aos seus: recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas.
Cristo cumpriu a sua promessa em Pentecostes e quer cumpri-la também aqui e agora, em Cuiabá e Chapada dos Guimarães. Venha, pois, Espírito divino.
E a paz de Deus que excede todo o nosso entender, falar e ouvir, guardará os nossos corações e mentes em Cristo Jesus. Amém.
Fonte: Novo Jeito de Ser igreja. Textos Selecionados. Editora Sinodal São Leopoldo/RS, 2002.