Concílio da Igreja



ID: 2273

Habacuque 1.1-4; 2.1-4 - Liberdade para lamentar e crer

Culto de Encerramento do 18° Concílio Geral da IECLB

25/10/1992

Culto de encerramento do XVIII Concílio Geral da IECLB. Pelotas/RS, Paróquia da Trindade, Igreja São Lucas, 25/10/1992. [0 culto de encerramento do concílio foi celebrado em três comunidades distintas, ficando a prédica a cargo dos integrantes da Presidência. Na época eu exercia o cargo de Pastor Segundo Vice-Presidente.]


Cara comunidade, estimadas irmãs e estimados irmãos conciliares!

Permanecem a fé, a esperança e o amor (1 Coríntios 13.13). No encerramento de mais um concílio geral de nossa igreja, reafirmamos essa promessa do Apóstolo. Símbolo disso, tivemos neste concílio uma significativa troca de trabalhos efetuados por crianças em nossas comunidades, trabalhos que para cá trouxemos e aqui compartilhamos, numa bonita troca no seio de nossa comunhão. Tal gesto simbólico é muito benéfico como sinal e semente de nosso futuro.

Nosso texto de pregação se divide em duas partes: uma de lamento; outra, de caminho de libertação. Vejamos primeiramente o lamento.

Em nossa realidade não nos faltam exemplos de destruição e de violência, tão terríveis que poderiam nos fazer perder a fé e a esperança, tornando-nos incapazes para a prática gerada pelo sentimento de amor ao próximo. No começo deste mês ficamos todos como que paralisados de consternação e indignação com a chacina no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, quando a Polícia Militar reprimiu um motim de detentos, deixando um saldo de 111 mortos a facadas, pauladas e tiros.

Em Habacuque encontramos um lamento que poderia ser o nosso, um lamento erguido a Deus. Há, nele, algo de revolta. Como pode ser? Seria Deus responsável? Estaria Deus ausente? Seria Deus insensível? São perguntas que também nos acossam quando de enfermidades graves, de catástrofes naturais destruidoras.

O profeta clama a Deus aos gritos: Violência! (v. 1.2) E aparentemente nada acontece. A rigor, tudo fica ainda pior: A lei se afrouxa, a justiça nunca se manifesta, porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida. (v. 1.4) Não é isso também a nossa experiência? A violência desenfreada, e a justiça ausente!

Deus aceita e acolhe nosso lamento, ainda que tenha sido expressado com maior ou menor dose de revolta. Contudo, o profeta também sabe que a revolta, tão somente ela, não produz livramento. Ao contrário: a revolta, tão somente ela, magnifica o problema.

Por isso, observemos que o reverso da moeda do lamento do profeta é que, ao proferi-lo diante de Deus, ele, em verdade, conta com Deus. Estamos livres para erguer nosso lamento a Deus, porque podemos contar com ele. Não é assim muitas vezes, por exemplo, que também filhos e filhas podem se revoltar contra pai e mãe? Que dizer acerca dessa revolta? A revolta, tão somente ela, é destrutiva das boas relações familiares. Mas a revolta de quem sabe poder confiar na mãe e no pai em qualquer circunstância, pode até ser salutar. A compreensão de mãe e pai, sem violência, mas, ao contrário, com amor, em verdade abafa muito grito e gesto de revolta, porque abre novas perspectivas à frente.

Contar com Deus é motivo de esperança; é fonte de mudança.

Vejamos, então, em segundo lugar, o caminho de libertação.

Por-me-ei na minha torre de vigia. (v. 2.1) Temos aí a quebra do desânimo e da acomodação. Quem ousa clamar a Deus, também passa a um estado de atenção para detectar e enxergar a resposta de Deus, que outras pessoas poderão não perceber. O Senhor me respondeu. (v. 2.2) O quê? O livramento virá. Virá! (v. 2.3) É futuro. Ainda se está no aguardo, mas com confiança. A realidade talvez ainda seja a mesma: sofrimento, violência, injustiças. Mas atenção: ela já não é a mesma, porque é vista com outros olhos, com os olhos abertos por Deus e para Deus. A realidade passa a ser vista com a perspectiva do futuro, da mudança que virá. Por certo, virá. Então a realidade já não é mais a mesma. Está modificada. Passou a desesperança. Brota um novo vigor.

Brota a fidelidade. O justo viverá pela sua fé. (v. 2.4) Ou seja: em face da realidade tão pesada, não esmorecer, mas permanecer fiel. Nós que já viemos da obra salvífica de Deus em Cristo, nos recordamos das palavras do apóstolo Paulo: O justo viverá pela fé. Esta fé é um depositar da confiança em Deus somente; também é fidelidade de uma nova vida. Ela vem acompanhada de obras de amor. Ou melhor: a fé leva ao amor.

Assim, a confiança em Deus nos concede um novo olhar, e este é a origem da mudança que anelamos e necessitamos. A fidelidade e a perseverança que daí surgem, são a sua forma. O conteúdo é a fé como origem e o amor como alvo.

Em terceiro lugar, atualizemos lamento e libertação para nossa realidade de igreja. Realizamos neste mês o VIII Congresso Luterano Latino-Americano, em La Paz, Bolívia. E agora estamos encerrando o XVIII Concílio Geral da IECLB. Estamos no ano de 1992, 500 anos após a chegada das naus de Cristóvão Colombo a este continente, completados precisamente no dia 12 passado. Também no tocante a esse assim chamado descobrimento (de um continente já habitado por povos indígenas) e suas consequências funestas temos muitas razões para lamentos. E erguemos nossa prece a Deus. Damo-nos, então, conta de que necessitamos estar sempre vigilantes. Nessa celebração de 500 anos desse descobrimento da América, em verdade um processo de conquista destas terras, precisamos comprometer-nos com novos valores éticos. Aqui somos convocados pelo profeta à fidelidade.

Um concílio tem a ver com nossa fidelidade, nas celebrações, nas deliberações e nas decisões. Ocupamo-nos intensivamente com a previdência e também nessa área tivemos que reconhecer falhas, quem sabe culpa, em nossos procedimentos na igreja e sobretudo os registrados no país. Queremos empenhar-nos agora em favor de uma previdência complementar a ser criada profissionalmente em âmbito da igreja. Nossa fidelidade também pode e deve ser traduzida em programas, inclusive no orçamento — por que não?

Nosso sentido de fidelidade, o renovamos na Santa Ceia, ponto culminante de nossa comunhão, junto com a Palavra.

Contudo, de nosso Concílio levamos também um símbolo de comunhão e sinal de nossa esperança por um porvir melhor? Volto, portanto, às crianças. Tivemos trabalhos seus expostos em nosso recinto plenário. Vimos crianças cantando e representando meninos e meninas de rua. Admiramos crianças apresentando danças da tradição de seus pais e mães, seus avós, tradições tanto gaúchas quanto pomeranas. Hoje, ao chegarmos aqui, fomos recebidos por crianças; os trabalhos de crianças de outros lugares estarão ficando aqui. Expressão de nossa comunhão nacional, da igreja que somos.

Guardemos esse sinal de nossa confiança, esse sinal visível de que nosso lamento é ouvido por Deus. Já foi ouvido! Por que haveríamos de nos entregar ao desânimo? Podemos confiar, podemos nos engajar.

De fato, é verdade: Permanecem a fé, a esperança e o amor. É verdade, sim, é verdade: permanecem a fé, a esperança e o amor. E, por fim, não esqueçamos: [apontando para um panô com o coração] O maior desses é e sempre será: o amor.

Amém.


Fonte: Palavra a seu devido tempo. prédicas, alocuções e estudos bíblicos. Oikos Editora/Editora União Cristã. 2010.
 


Autor(a): Walter Altmann
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Concílio
Testamento: Antigo / Livro: Habacuque / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 4
Título da publicação: Palavra a seu tempo. Prédicas, alocuções e estudos bíblicos. / Editora: Oikos Editora/Editora União Cristã / Ano: 2010
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 30051

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