Culto de abertura do XXVI Concílio da IECLB. Estrela/RS,15/10/2008.
Conciliares, representantes de igrejas de nossas relações ecumênicas, autoridades, estimadas irmãs, estimados irmãos!
Missão de Deus — nossa paixão
Este é o tema de nosso concílio que estaremos enfocando nesses dias, de diferentes maneiras e desde diferentes ângulos. Iremos estudá-lo, alegrar-nos pelo seu desenvolvimento entre nós, pelo aumento da consciência e do compromisso missionário, mas também iremos nos perguntar em que medida, de que forma e até que ponto esse tema já é realidade entre nós ou até que ponto ainda resistimos à missão de Deus, somos tímidos em nosso testemunho e hesitamos em lhe dar nosso decidido apoio financeiro. Sobretudo, queremos que o tema Missão de Deus — nossa paixão nos anime e oriente em nossas deliberações, encaminhando processos futuros de planejamento da missão, de engajamento na missão de Deus.
Missão de Deus — nossa paixão.
Temos enfatizado que a missão não é nossa, mas de Deus. Em primeiro lugar, ela é voltada a nós, na vinda de seu Filho. Antes de sermos missionários, somos alvos da missão de Deus. E isso não é uma referência histórica, de algo ocorrido conosco no passado, mas uma indicação de que sempre continuamos sendo o alvo da missão de Deus. Nunca nos apropriamos dela, embora possamos ter o privilégio de dela fazermos parte. Por isso essa relação não se altera jamais: a missão é de Deus, mas ela pode se converter em nossa paixão. Somos por ela cativados, de modo que, agradecidos e alegres, podemos ser parte da missão de Deus. Ela se torna nossa paixão. E isso sempre de novo.
Na escolha do texto para esta prédica deixei-me orientar pela busca de uma história que pudesse nos inspirar na missão e, ao mesmo tempo, dar-nos critérios de como podemos participar na missão de Deus, o que devemos fazer e o que devemos evitar.
A história de como ocorre a missão de Deus no encontro de Felipe com o alto funcionário etíope, responsável pelas finanças de seu país, é de várias maneiras ilustrativa e inspiradora para nós. Irei listá-las, percorrendo o texto. Serão ao todo oito passos que iremos dar nessa caminhada de reflexão e inspiração.
Primeiro passo: A missão de Deus da qual iremos fazer parte, provém de Deus, de seu Espírito. Um emissário de Deus, que é o que significa a palavra anjo, dá a Felipe a ordem de ir ao sul, de Jerusalém a Gaza, lugares sobre os quais ainda hoje ouvimos com frequência nos noticiários, mas um caminho desértico. Ao longo da história toda, é Deus quem tece a trama, é ele quem a conduz de acordo com seu propósito, oculta ou desveladamente.
Assim, também podemos crer que é o próprio Deus quem tem um propósito com o plano de missão na IECLB. Podemos nos saber convocados e enviados.
É ele quem nos reúne aqui em Concílio, para refletirmos e nos comprometermos com a sua missão. E é ele quem há de conduzir nossos planos e nossas iniciativas.
Segundo passo: A missão de Deus nos desinstala e nos faz sair de onde estamos. Felipe foi enviado para longe de onde se encontrava, ao lugar mais improvável para a missão de Deus, ao deserto, sob o sol escaldante, e teve de alcançar um carro, não um automóvel que não os havia, mas certamente um veículo normalmente mais veloz do que uma pessoa a pé. Se Felipe foi enviado ao sul, a IECLB tem sido enviada ao norte e, mesmo, a outros países. Claro, há uma missão de Deus em todo lugar e a toda hora. Mas ela jamais se restringe ao nosso lugar de origem, por isso não está restrita ao âmbito de nossa comunidade e paróquia, de nosso sínodo.
Com o Plano de Ação Missionária da IECLB (PAMI), em sua primeira fase, de 2000 a 2007, nos acostumamos a dizer que somos chamados a irmos além fronteiras, ultrapassando tudo que é espécie de fronteiras, as geográficas, mas também as culturais, sociais, de discriminações e preconceitos de gênero ou de etnia, igualmente as fronteiras institucionais. Sempre temos o desafio de nos desinstalarmos, para movermo-nos a outros lugares, enfrentando novos desafios.
Terceiro passo: A missão de Deus requer uma postura humilde e solidária, de colocar-se ao lado das outras pessoas, uma postura de acompanhamento. Felipe acompanha a pé o carro (o que certamente lhe demanda um considerável esforço) e está atento ao que acontece, ao que está fazendo aquele estranho enquanto segue seu caminho. Surpreendente: ele está lendo a Escritura! As pessoas se mostram interessadas na palavra de Deus, nos lugares e nos momentos mais inusitados. Elas podem ter dificuldades em entender a mensagem, mas estão receptivas, à procura. Quem as auxiliará?
Estamos nós atentos ao que ocorre ao redor de nós? Quanto às perguntas que as pessoas se fazem sobre suas vidas, qual seu sentido ou qual direção querem lhes dar? Sentimos as necessidades das pessoas? Elas podem perceber que estamos com elas, solidários nas suas necessidades? Entendemos nossa ação diaconal como parte da missão de Deus?
Quarto passo: Na missão nada se impõe. De forma alguma pela força, como infelizmente ocorreram muitas e muitas vezes ao longo da história da cristandade, muito notadamente em nosso continente latino-americano, ao longo de cinco séculos desde seu assim chamado descobrimento. Povos indígenas e afrodescendentes foram e ainda hoje são vítimas de violência ou discriminação. Nó entanto, na missão de Deus nada se impõe tampouco por meios mais sutis: por artifícios de marketing ou espetáculos midiáticos, por ameaças de punição divina ou pela atração com promessas fáceis de bênçãos e milagres.
Na missão de Deus tudo é oferta gratuita, para a decisão livre de quem deseja acolher o evangelho, anseia por ele. Felipe coloca-se à disposição para explanar o evangelho de Jesus Cristo, quando solicitado a tanto pelo seu interlocutor. A iniciativa entre os dois é sempre do alto funcionário, nunca de Felipe. É o funcionário quem o convida a subir no carro e lhe explanar o sentido da escritura que lê. É ele quem, tendo crido, solicitou o batismo. Felipe, por sua vez, lhe ofereceu a boa nova de Jesus Cristo, e não cobrou nada por ela, nem de antemão nem ao final. (Aquele estranho, bem poderoso, por certo haveria de ter oportunidade de fazer suas generosas ofertas em outro lugar, lá em sua terra.)
Quinto passo: O conteúdo da missão de Deus consiste no testemunho da obra salvadora de Deus em Jesus Cristo. Felipe não bisbilhotou acerca da vida daquele estranho, não emitiu juízos sobre sua vida, sua espiritualidade e seu comportamento, simplesmente lhe apontou o caminho para Jesus Cristo. Era dele que a Escritura tinha profetizado. A conhecida palavra de Isaías acerca do servo sofredor se torna, na interpretação de Felipe, palavra viva e atual.
Como pessoas cristãs, temos seguramente muitas coisas a fazer no relacionamento com outras pessoas: sermos corretos e justos para com elas, ajudá-las em suas necessidades, consolá-las e abraçá-las nos momentos de aflição, defendê-las quando são injustiçadas, animá-las em seus propósitos e desafios. Por trás de tudo, porém, será necessário dar, em palavra e ação, um testemunho vigoroso de que tudo isso é feito por causa do evangelho de Jesus Cristo. Por ele somos motivados e à nova vida nele queremos apontar. Essa é a finalidade última do ser igreja.
Sexto passo: Do ouvir da palavra provém a fé. Ou seja, o Espírito Santo que chamara e enviara Felipe, continuava agindo ao longo de todo encontro, agora na mente e no coração daquele estranho e poderoso etíope. A iniciativa é deste também a esta altura do encontro. É ele quem solicita ser batizado. É ele quem espontaneamente confessa sua fé.
Em nossa reflexão acerca da missão, na IECLB, tem ficado mais e mais claro que não podemos nos acomodar nos louros de nossa história passada, confiarmos em nossa tradição, na ilusão de que a fé persista e se transmita espontaneamente. É através do testemunho da palavra que ela é despertada pelo Espírito, e nutrida pela comunhão, pelo culto e pela oração. De mesma maneira, ela se difunde também para além de nossos limites, dando à igreja crescimento e vigor.
Sétimo passo: Na missão de Deus não se cria nenhuma espécie de dependência entre as pessoas. Poderia parecer estranho, mas é o próprio Espírito Santo quem se encarregou de novamente separar aquelas duas pessoas. Felipe não se aproveitou para agora obter um bom emprego, nem, como já vimos, cobrou nada pelo seu serviço, ele simplesmente foi levado pelo Espírito para Azoto e seguiu anunciando o evangelho em todas as cidades até chegar à Cesaréia, na direção exatamente oposta da viagem daquele funcionário etíope que chegara à fé. Nunca mais haveriam de se encontrar. Mas o evangelho haveria de se espalhar. O funcionário seguiu seu caminho de volta à sua casa e seu país.
Podemos, como IECLB, ser uma igreja que se coloca assim à disposição das demais pessoas, ali onde estamos, mas também bem longe de onde vivemos? Alegramo-nos quando outras pessoas, que conhecemos de nome ou que porventura sejam desconhecidas por nós, tenham encontrado a fé, a alegria de viver e de participar da comunhão no corpo de Cristo? Há cinquenta anos a IECLB tinha uma única, pequena comunidade a oeste do Rio Paraná. Hoje são dezenas. Quantas seremos Brasil afora daqui a 50 anos numa comunhão de iguais chamada IECLB?
Oitavo passo: Na missão de Deus ocorre uma mudança fundamental, uma mudança de todo ser. Alguém poderia perguntar em face do desfecho da história de Felipe e do alto funcionário etíope, cada qual indo para seu lado: Mudou alguma coisa? Ou ficou tudo como era antes? Bem, o texto não nos diz o que aconteceu após a volta daquele funcionário a seu reino e a suas funções.
Uma antiquíssima tradição nos diz que de seu testemunho emergiu uma igreja cristã que subsiste hoje, pujante, na igreja ortodoxa da região. Mas o texto, embora nada dizendo das alterações posteriores, nos revela, sim, a mudança fundamental que ocorreu naquele encontro com Felipe: aquele funcionário continuou a sua viagem, mas o fez cheio de alegria. É assim que tudo se altera. Nada mais é como antes o foi. Quando a alegria toma conta do coração, podemos esperar os resultados mais extraordinários em todas as esferas da vida. Por isso, basta sabermos que também para aquele funcionário a missão de Deus se transformou em sua paixão, como era a paixão de Felipe. E pode ser a nossa. E será a nossa.
Transformam-se coração e mente; em decorrência, transformam-se também as relações e, com elas, a própria realidade é transformada. A missão de Deus não definha nem se extingue, mas, ao contrário, floresce e se irradia. Por isso também a IECLB é chamada a dela fazer parte. Nesse sentido, a IECLB é e está sempre chamada a ser agente de transformação, transformação de vida e de realidade.
Missão de Deus — nossa paixão!
Estamos sempre prontos a seguir o chamado?
Missão de Deus — nossa paixão!
Amém.
Fonte: Palavra a seu devido tempo. prédicas, alocuções e estudos bíblicos. Oikos Editora/Editora União Cristã. 2010.