Jornal Evangélico Luterano

Ano 2015 | número 786

Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Porto Alegre / RS - 08:02

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

   Igreja da Palavra é audível. É Igreja que proclama o verbo de forma sonora – falada ou cantada – porque Palavra cantada não é acessório para a Reforma! Para seguir a tradição da Reforma, ainda hoje, em nosso culto e na vida comunitária, a Palavra cantada não pode ser adorno ou preenchimento de tempo.

   Martim Lutero, no texto original do conhecido hino natalino Eu venho a vós dos altos céus, demonstra a indistinção entre Palavra cantada e falada. Perdemos, na versão em Língua Portuguesa, a força da expressão original na primeira estrofe. Referindo-se à Boa Nova do Evangelho, diz o Reformador: Davon ich singen und sagen will (Disso eu quero cantar e falar). A equivalência da Palavra cantada com a Palavra falada, contida nessa expressão, é um dos pilares para a compreensão da fé evangélico-luterana.

   No louvor a Deus cantado, todas as pessoas que creem podem e devem tomar parte. Nesse sentido, dá para dizer que há um sacerdócio geral (cantado) de todas as pessoas batizadas. Para Lutero, o canto representava uma das mais centrais formas de expressão e comunicação do Evangelho: no cantar e no falar se revela que a fé vem pelo ouvir. A pertença estabelecida entre Palavra e Música determina em grande medida a piedade e o culto evangélico-luteranos.

   Há concepções para a música na Igreja que vão para muito além do gosto pessoal e disso Lutero sabia. Para ele, importava ressaltar, reavivar, reanimar, dar preferência ao instrumento musical mais sublime: a voz humana, porque, na forma ideal, música e texto não só se complementam, como são o mesmo lado da mesma moeda.

   A música constrói uma elementar habilidade para a escuta e a expressividade e estas nunca deixam de ser também capacidades de escuta mútua! São pontos cardeais dessa compreensão: ouvir, ouvir-se, ouvir mutuamente, ouvir comunitariamente. Para quem aprendeu a fazer música, a palavra comunitário não soa estranha.

   O Mestre Cantor de Nürnberg, Hans Sachs, denominou Lutero de Rouxinol de Witt enberg, mas Lutero estava convencido de que também o povo é reconhecido e identificado pelas suas canções, como grupo, como Comunidade. O canto comunitário foi, desde o princípio, uma marca para o reconhecimento das Comunidades evangélicas.

   Foi por isso que ele chamou o seu primeiro livro de canto de Livro de Canto Comunitário (Gemeindegesangbuch, Witt emberg, 1529). Isso é linha-mestra e estratégia da Reforma: a Comunidade canta! Lutero, na verdade, escreveu poucas músicas. Não chega a 40 o número de hinos que tradicionalmente são a ele atribuídos, mas encontrou apoio e cooperação de muitas pessoas engajadas e convencidas da importância da Palavra cantada. Nesse sentido, Paul Gerhardt, cem anos depois, trouxe ao papel maior quantidade de contribuições. Em Lutero, também não é tudo sempre elegantemente formulado. Algumas rimas podem soar forçadas e duras, assim como os títulos dos hinos.

   Infelizmente, em Português, não se pode apreender os seus significados. Somente com Paul Gerhardt se encontra a medida arrebatadora da elegância e do poder imaginativo da poesia, do eu piedoso protestante em seu diálogo com Deus e com a Criação. Lutero não escreve sobre tulipas ou narcisos, antes a sua linguagem se refere a castelos, fogo, sofrimento e o Cristo. Ele fala sobre nós e sobre o nós da Comunidade, sustentada por Deus em tempos difíceis. Assim, Lutero musicou Salmos, trouxe hinos da Igreja antiga para a Língua Alemã, escreveu hinos com descrições bíblicas, além de canções espirituais para crianças. Hinos e canções criam vínculos, não somente com a Comunidade ali presente. Para Lutero, a música cria vínculos além do tempo, com personalidades como Salomão, Moisés, Débora, Zacarias, Simeão.

   Lutero insistia em formação musical desde a infância. Para cada criança deveria ser ensinado o canto – antes dos instrumentos. Hinos pregam de forma mais duradoura que qualquer texto falado, pois podem trazer para diante dos olhos os elementos centrais da fé, antes mesmo que as crianças aprendam a ler, de forma leve, agradável.

   Isso seria o cerne da Reforma da Música se perguntássemos a Lutero: na Música Sacra, Cristo precisa se tornar nosso Salmo, canção e canto. Isso, então, transforma o cântico que nós entoamos.  

   Esse é um aspecto. O outro é: cantar é algo íntimo! A alma precisa ter segurança para fazê-lo bem. Isso deve ser aprendido logo cedo. Com canções, a pessoa cantante vive Comunidade – se expõe, mostra as suas emoções e as suas convicções. Em uma canção, texto e melodia se unem, se fortalecem, tomam o coração de quem canta e de quem ouve. Lutero, em certa ocasião, formulou assim: Cristo mergulha com vigor incomparável na profundidade do coração cantante, e da profundidade do coração cantante ele emerge outra vez.

   Lutero e seus contemporâneos certamente não inventaram os cantos espirituais em Língua Alemã – estes já existiam, sendo cantados por peregrinos ou em funerais, mas o canto comunitário reduzia-se a três expressões: o Kyrieleis, o Aleluia e o Hosana – ainda que nenhuma das pessoas presentes soubesse ou entendesse nenhuma delas. Lutero recuperou essa ideia da música que emerge do povo. Entretanto, diferente do que eventualmente se ouve e quer acreditar, a Reforma não somente incorporou o repertório cantado pelo povo. Antes, ensaiou a crítica inteligente sobre a Teologia do repertório.

   As verdades bíblicas, mergulhando na alma, também formam a mente religiosa e aguçam a inteligência, o que tornou fundamental que as pessoas cantassem em seu idioma: o Alemão. Isso porque uma pessoa não canta (e ouve) somente com as palavras, mas com o coração e a mente. A fé vem pelo ouvir – mas daí também do ouvir o som. Como no canto, a palavra e o som estão juntos, a Comunidade que canta tem papel fundamental, logo após a pregação. Para Lutero, era óbvio: a música da Igreja é uma forma de pregação, um abrir de ouvidos e corações para a mensagem do Evangelho, por isso a Música Sacra é também sempre Teologia. Dizer e cantar: proclamação em frases e sentenças cantadas e faladas. Ambas em equilíbrio, lado a lado e juntas, para honra e glória de Deus e alegria dos seres humanos. Aí reside a força de ambas também, mas a sonoridade somente não é o elemento defi nitivo para a Palavra cantada: o texto correto e fi el faz uma música sacra que mereça tal nome.

   É uma alegria para nós que existam os queridos Salmos! Lutero, na docência em Teologia, sempre de novo tinha oportunidade de discorrer sobre eles. Como Monge, aprendeu a trazê-los para a devoção diária. Isso deu a ele a ideia de criar o Salmo cantado Alemão. Cinco Salmos cantados foram formulados por ele. Castelo Forte é nosso Deus é cantado vigorosamente, como sinal de identidade, inclusive por nós, evangélico-luteranos em solo brasileiro.

   Outro Salmo que foi musicado por Lutero, Das profundezas clamo a Ti, era compreendido por ele como hino de consolo. Assim como o Salmo 130, no qual ele é baseado, o hino precisa ser cantado completo, todas as estrofes, do início ao fim. Canções que se reduzem ao lamento não eram exatamente uma preferência de Lutero, lamentos melancólicos significando o fim da canção: Tal arte nós, cristãos, deveríamos saber, de cantarmos Te Deum laudamus, quando estivermos mais abatidos. Trata-se de cantar hinos de consolo e amparo, quando na maior angústia.

   Os anjos do céu têm Mozart no seu repertório? O Teólogo alemão Karl Barth pensava que sim. Já Albrecht Goes, Literato e Pastor de Württ emberg, na Alemanha, dizia que o repertório de Bach daria o tom nos céus. Ele imagina que os Corais de Bach pudessem ser cantados, acompanhados de trompetes e tímpanos. Martin Luther certamente se desgostaria de uma ou outra forma! Ele não era apreciador de trompetes e tímpanos, dizia que eram como gritaria no campo. Também o órgão não era seu instrumento preferido, dizia que os tubos gemem e gritam. Até mesmo a respeito dos instrumentos de corda, ele disse, certa vez, que era terrível ouvir uma canção ser tocada insistentemente sobre uma única corda de cada vez. Ele preferia o alaúde, instrumento de cordas suave, no qual conseguia tocar as quatro vozes, e ainda em consonância com os anjos, que entoam novo cântico, acompanhados da harpa (Apocalipse 5.8ss).

   Certamente, não precisamos compartilhar do gosto musical de Lutero. Antes, podemos encarar da seguinte forma: há concepções para a música na Igreja que vão para muito além do gosto pessoal e disso Lutero sabia. Para ele, importava ressaltar, reavivar, reanimar, dar preferência ao instrumento musical mais sublime: a voz humana, porque, na forma ideal, música e texto não só se complementam, como são o mesmo lado da mesma moeda. Isso seria o cerne da Reforma da Música se perguntássemos a Lutero: na Música Sacra, Cristo precisa se tornar nosso Salmo, canção e canto. Isso, então, transforma o cântico que nós entoamos.

 

   Mus. Dra. Soraya Heinrich Eberle, Bacharel em Regência Coral pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Mestre e Doutora em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, é Professora na Faculdades EST e Coordenadora de Música da IECLB 

 

 

 

 

 

 

 

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