Uma canção para a Reforma
Como encontrar o Deus da graça e misericórdia? Como pecadores e pecadoras podem viver pela graça? Essas perguntas são fundamentais na formulação da Teologia da Reforma, bem como na vida de Lutero. Pela vontade do próprio Reformador, as respostas deveriam ser apresentadas em forma de hino: Cristãos, alegres, jubilai!
No hino, Lutero nos guia pelo caminho da justificação por graça e fé. Considerado em parte como uma biografia de Lutero, também representa o caminho de cada pessoa em relação à graça de Deus. Parece ser para isso que os estudos mais recentes do hino apontam, para um eu (primeira pessoa do singular) que todas as pessoas são chamadas a protagonizar. Soa, portanto, como uma confissão de fé. Aliás, a recomendação de Lutero era que se cantasse o hino entre a pregação e a confissão de fé, conforme a instrução de um Hinário de Wittenberg, Alemanha, pelo próprio Lutero.
Esse hino não é escrito estritamente para o espaço da Igreja. O objetivo principal era que fosse cantado em cada casa, taverna, mercado, no campo, por comerciantes, pessoas artesãs e camponesas... e, com isso, fazer conhecidas as bases teológicas sobre as quais se apoiava a Reforma. Lutero bem sabia que, ao estar na memória e nos lábios, a Reforma também estaria no coração. É por isso que se pode afirmar: muitas pessoas não fizeram uma adesão racional à Reforma, mas uma adesão cantada.
1. Cristãos, alegres, jubilai, felizes exultando; com fé e com fervor cantai, a Deus glorificando. O que por nós fez o Senhor, por seu divino excelso amor, custou-lhe a própria vida. (HPD155) |
Esse é um dos quatro hinos de Lutero que aparece no primeiro hinário luterano, o Achtliederbuch, impresso, em 1524, por Jobst Gutknecht. Na publicação, acima da partitura, consta o seguinte texto: Uma canção cristã de Dr. Martin Luther / A inefável graça de Deus e o verdadeiro conceito da fé.
A música procede de uma antiga melodia, já conhecida, de uma canção de amor ou uma balada romântica... Se, musicalmente, para nós, hoje, tal tipo de sonoridade não é tão familiar, não podemos dizer o mesmo da Idade Média.
Não é somente um texto sobre uma melodia de amor, mas uma canção de amor: narra a ação amorosa de Deus para com cada um, cada uma de nós. Tal conceito era novo naquela época. Muitas pessoas realmente acreditavam ser necessário comprar o amor de Deus com doações, indulgências e sacrifícios. Em sua Balada da Reforma, Lutero rompe com tal conceito, ao afirmar: Deus nos ama e vem ao nosso encontro!
No original Alemão(1523), dois verbos ganham destaque na primeira estrofe. Em Português, usamos jubilar e exultar, praticamente sinônimos. Em Alemão, apresenta-se outra ação em lugar de exultar: saltar de alegria (fröhlich springen). Portanto, temos uma convocação à alegria: jubilar e saltar de alegria, ou seja, todo o Corpo (Igreja) e todo o corpo (pessoa) são chamados a agir, mover-se, de forma integral, demonstrando a gratidão pelos feitos de Deus. Como diz o Lema, que apoia o Tema da IECLB para 2017, Alegres, jubilai! Igreja sempre em Reforma: agora são outros 500, viver, mover-se e existir, a partir dele (At 17.28a). Agir e movimentar-se a partir do Cristo.
Para Lutero, a Música, graça e dom de Deus, deveria glorificar a Deus e proclamar o Evangelho. Também o hino em questão tinha esses objetivos. Saltar de alegria não é uma expressão comum em nosso meio, principalmente no contexto do Culto, mas essa é uma canção para canto e movimento. A Boa Notícia ali revelada é capaz de mover rostos rijos para um sorriso grato, braços cansados em aplausos de alegria!
Mus. Dra. Soraya Heinrich Eberle | Coordenadora de Música da IECLB