Simul justus et peccator
O Tema e Lema da Igreja para 2019 nos instigam a refletir e promover a paz a partir da Igreja, da Economia e da Política. Todas as pessoas e as organizações, direta ou indiretamente, estão envoltas nestas três Ordens da Criação, segundo Lutero. Deus, por meio das Ordens e da sua atuação fidedigna dá sinais do Reino no mundo.
O Reino de Deus é definido biblicamente como sendo lugar onde Deus habita e vive com o seu povo, lugar em que as coisas velhas ficaram para trás, lugar onde dor, sofrimento e morte não existem mais. A reflexão vem acompanhada de uma arte como expressão incomensurável e maravilhosa em que pessoas diferentes estão construindo uma ponte para com o irmão e a irmã se encontrar e da paz desfrutar.
A conjuntura eclesiológica, econômica e política atual não se traduz em um ambiente de paz. Visível e audível são as dificuldades de convivência com pessoas diferentes. Infelizmente, a diversidade, maior riqueza que Deus nos deu, é menosprezada e mola propulsora para destilar ódio, sofrimento, perseguição e morte, bem como fomentadora de polarização.
Vivemos um tempo em que as pessoas de ambas as margens do rio só enxergam e falam sobre as imperfeições das pessoas da outra margem. Todavia, as pessoas de ambos os lados, quando olham para si mesmas, dizem: ‘Deus, quando vier da glória, irá nos salvar e os ‘do lado de lá’, para o inferno designar, pois somos as melhores pessoas do mundo’. Diante desse quadro, de que maneira compreender, refletir e promover a paz de Cristo neste ambiente como pessoas evangélicas de confissão luterana?
Lutero, em seu contexto vivencial no século 16, não muito diferente do nosso, ocupou-se em clarificar a essência do ser humano e a definiu como sendo, simultaneamente, justa e pecadora (Simul justus et peccator). Esta confissão é revolucionária no tempo de Lutero e também no nosso contexto, em que temos como Missão dar sinais do Reino de Deus.
Tu, Senhor Jesus, és minha justiça, mas eu sou o teu pecado. Levaste sobre ti o que era meu e deste a mim o que é teu. |
A dicotomia justo x pecador e bem x mal potencializa a polarização, a guerra, a condenação de algumas pessoas para o inferno e autojustificação de outras aos céus. Se confiamos na nossa retidão para chegar ao céu, estamos fundamentados em coisas vãs. Cremos que a nossa justiça, recebida pela fé, está em Cristo. Para dar sinais do Reino, promover a paz de Cristo e ir ao encontro das pessoas diferentes, preciso ter ciência que sou um pecador miserável, que necessita da graça incondicional de Jesus.
A Boa Nova que a IECLB, como herdeira da Reforma, tem é: somos pessoas declaradas justas por Deus não com base nas nossas obras, mas no que Cristo fez por nós. Então, ao ir ao encontro da outra pessoa, é necessário vê-la com essa essência, de pessoa justificada em Cristo, e que, ao mesmo tempo, é pecadora, pois não faz o bem que quer, mas justamente o mal que não quer (Rm 7.19).
Que o Pai e o Filho nos ajudem e nos iluminem com o Espirito Santo para permanecermos neste princípio, de modo que não caiamos no prazer da autojustificação, pois Cristo é a nossa justiça e nós somos o seu pecado. Que possamos desfrutar de um mundo com mais paz de Jesus!
Para refletir, leia Romanos 5.1-11
P. Mauri Magedanz | Pastor Vice-Sinodal do Sínodo Centro-Campanha-Sul e Ministro na Paróquia de Sinimbu/RS
Como promover a paz sendo pessoa justa e pecadora?
A partir de uma reflexão mais detalhada sobre a natureza e a condição humana diante de Deus, creio que vamos concordar com o Reformador Martim Lutero: a pessoa cristã é, de fato, justa e pecadora. Nascemos em pecado e continuamos sendo pessoas pecadoras, mas, por graça e fé em Jesus Cristo, nos tornamos também pessoas justas diante de Deus. O reconhecimento dessa ação de Deus promove, na vida da pessoa cristã, alegria, paz e convida a agir em gratidão no testemunho.
O Lema Bíblico que ilumina o Tema da IECLB para o ano de 2019 destaca as palavras de Jesus: Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou (Jo 14.27). Temos a Missão de administrar e propagar a paz de Jesus Cristo no mundo. Diante disso, cabe a pergunta: Como posso promover a paz de Jesus sendo uma pessoa justa e pecadora?
Primeiramente, preciso lembrar que a luz, a orientação e o impulso vêm da ação do Espírito Santo. A partir do Espírito Santo, se manifestam a transformação e os frutos na vida das pessoas que levam o Evangelho e, igualmente, recebem da Boa Nova, da Boa Notícia de vida e salvação.
Nascemos em pecado, mas, por graça e fé em Cristo, nos tornamos também pessoas justas diante de Deus. |
Quem anda sob a orientação do Espírito Santo, não se deixa guiar pelos próprios prazeres e pelas próprias vontades, mas por aquela que vem do Senhor, que conduz para a salvação. No Espírito Santo, é possível servir neste mundo conturbado e fazer diferença. Para isso, precisamos deixar Deus ser Deus em nossas vidas.
A paz que Jesus deixa é diferente da paz que geralmente imaginamos. A paz de Jesus é transformadora. Essa paz de Jesus brota de um relacionamento de amor com Deus, o Pai. Viver essa paz continua sendo o grande desafio da Igreja para dentro da sociedade. Exige humildade, obediência e reflexão frente à realidade. Requer escutar, olhar, sentir a dor, as necessidades, para compreender e, então, promover transformação. A nossa Missão como Igreja é contribuir para que a paz transformadora de Jesus Cristo chegue a todas as pessoas.
Promover a paz requer atitudes corajosas para fazer frente à desesperança com esperança, atitudes que nos levam a perguntar constantemente pelo lugar de Deus, de Jesus Cristo, o lugar da verdade, da justiça, do amor, da liberdade, do respeito, da paz... Esses valores próprios do Evangelho devem ser resgatados e fortalecidos pela Igreja em comunhão com a sociedade.
Nos últimos tempos, temos vivido grandes turbulências. O clima de insegurança tem afetado muitas pessoas. O clamor pela paz continua presente entre a população. Também em nossa Igreja. Nessa realidade, Jesus Cristo diz: Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou.
Essa paz devemos semear, propagar. Fácil? Não! Possível, entretanto, na força do Espírito Santo. O convite é para que cada um, cada uma de nós faça a sua parte.
Que Deus nos abençoe nessa Missão. Amém!
Para refletir, leia João 14.16-31
P. Mário Maass | Pastor Vice-Sinodal do Sínodo Rio Paraná e Ministro na Paróquia de Vila Nova, em Toledo/PR