Gênero na missão da Igreja
...em qualquer lugar do mundo
onde o Evangelho for anunciado,
será contado o que ela fez,
e ela será lembrada.
(Marcos 14.9)
Por muitas vezes, pessoas experimentaram a presença de Deus somente por meio de Palavras ouvidas e mediadas por profetas ou a partir de elementos da natureza. Com Moisés, Deus se comunicou por meio da sarça ardente. Com o profeta Elias, que pensava encontrar Deus na força da tempestade, Deus se comunicou a partir da brisa suave. Na manhã da Páscoa, ao caminhar por entre as plantas do jardim, Maria se surpreendeu ao ser chamada pelo nome. Era o próprio Jesus revelando-se como o ressuscitado.
Com frequência, Jesus dizia: Quem tem ouvidos, ouça! O apóstolo Paulo ensinava que a fé vem pelo ouvir do Evangelho. Faz sentido quando, de forma corajosa, Pedro e João, diante das autoridades, afi rmavam que não podiam deixar de falar sobre o que viram e ouviram do amor de Deus. Foi assim que surgiam as primeiras Comunidades cristãs como núcleos de pessoas ouvintes das histórias da salvação.
Ouvir o Evangelho aproxima o passado para torná-lo presente. Esta memória do passado que traz novidade, que abre esperança no presente e que empurra para frente é memória que precisa ser contada. Por esse motivo, Jesus diz: ... em qualquer lugar do mundo onde o Evangelho for anunciado, será contado o que ela fez, e ela será lembrada.
A mulher de Betânia, a qual Jesus se refere, será eternamente lembrada por seu testemunho de fé, por sua ousadia e por seu amor, por sua capacidade de despojar-se em favor do Reino, de enfrentar olhares recriminatórios em favor da vida, entregando a Jesus, não as sobras de um dia, mas o que demais precioso tinha.
Semelhante à mulher de Betânia, há muitas histórias para serem ouvidas e contadas. Histórias de mulheres que vivem ou viveram em situação de violência. Histórias permeadas de medo, de ameaças, de cumplicidade no silêncio que não permite transformar a realidade violenta. Histórias de mulheres e homens que se unem para romper com o silêncio e, em um ato público de indignação, denunciar todos os tipos de violência que atingem as mulheres, as crianças, as pessoas jovens, as pessoas idosas. Histórias como a de Maria da Penha, que, ao ser contada e ouvida, reuniu apoio, mobilizou pessoas, colocou sinais de esperança no mundo, ao transformar a sua dor em leis de proteção e garantia à vida digna de toda mulher.
A cada encontro que promovemos na Igreja, seja de um grupo, seja em uma visita, histórias são ouvidas e contadas. No encontro de Ministras da IECLB, ocorrido em novembro do ano passado, importante para a nova geração foi perceber que, à semelhança da mulher de Betânia, colegas ousaram, arriscaram, investiram o que de precioso tinham para abrir caminho à Ordenação de mulheres. Um caminho que precisa ser continuado, refletido e abraçado pelas novas gerações, não só de mulheres, mas também de homens.
Se, por vezes, pensamos não ser mais necessário abordar conceitos e temas ligados ao ‘feminismo, à teologia feminista, às relações de gênero’, porque os considerávamos suficientemente maduros, o contexto atual revela que, tanto no passado quanto no presente, há uma necessidade urgente de nos posicionarmos de forma criativa e propositiva frente às relações humanas, em diferentes situações e espaços na família, nas instituições, na sociedade, na Comunidade.
Resgatar a memória ajuda a entender o presente e a planejar o futuro, por isso é tão importante narrar a história. História de pessoas que protagonizam em favor da vida é, sem dúvida, realidade que nasce da Palavra de Deus, é realidade que precisa ser contada adiante, é Evangelho que liberta, edifica e promove a Igreja de Jesus Cristo no mundo.
Nesse propósito, a IECLB, em parceria com a Faculdades EST, tem promovido a Campanha Em comunhão com as viDas das mulheres. Além de resgatar a história de mulheres que fizeram e fazem a história da Igreja, colocando os seus dons e as suas habilidades a serviço do Evangelho, a Campanha dá visibilidade às suas formas de viver e participar na Igreja e da sociedade, no passado e na atualidade, valorizando o papel das mulheres nesses espaços.
Ao resgatar as histórias de vida das mulheres luteranas, a história das nossas avós, mães, tias, irmãs, filhas, vizinhas, registramos o conhecimento e a experiência dessas mulheres e o que elas têm a nos ensinar a partir da sua fé e vida. É uma forma de sair do anonimato, dar voz a quem, em muitas situações e por um longo tempo, não teve voz.
Mulheres luteranas de todas as gerações, que atuam em diferentes atividades na Igreja e na sociedade, podem participar da Campanha. Saiba como acessando o link no Portal Luteranos .
Passos na caminhada
Há muito tempo, mulheres pleiteavam na IECLB a criação de uma Secretaria que tratasse de temas específicos relacionados às mulheres, reunisse informações a respeito do trabalho de mulheres na Igreja, articulasse o diálogo, a interação e a proximidade entre os diferentes grupos de trabalho com mulheres na IECLB.
Pela Justiça de Gênero |
Fruto dessa mobilização, em 2005, foi criada a Coordenação de Gênero. Em 2008, uma pessoa foi designada para conduzir os trabalhos da Coordenação, inicialmente com o propósito de acompanhar e promover a aproximação entre os grupos de mulheres da IECLB. Mais tarde, as metas incluíam a educação na área de gênero para mulheres e homens, a sensibilização e a superação da violência contra as mulheres e o acompanhamento de questões ligadas a HIV-Aids, Gerações (pessoas idosas) e Etnias.
O tema da Justiça de Gênero – compreendido como a proteção da dignidade e a busca pela equidade de direitos e oportunidades para homens e mulheres – é a base do trabalho da Coordenação. Para isto, ela se orienta pelas Cartas Pastorais emitidas pela Presidência, pela Política de Justiça de Gênero da Federação Luterana Mundial (FLM) e pela Cartilha de Estudos sobre Gênero, publicada pela IECLB.
Em diálogo com ecumene, organismos governamentais e sociedade civil, a IECLB, por meio da Coordenação de Gênero, Gerações e Etnias, busca promover e incrementar a justiça de gênero em seu meio e na sociedade a partir de ações de formação, produção de material, divulgação de conhecimento, pesquisa, articulação em redes e a transversalidade da temática.
Pa. Carmen Michel Siegle, formada em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS. Atua como Coordenadora de Gênero, Gerações e Etnias, na Secretaria da Ação Comunitária (SAC), da Secretaria Geral da IECLB, em Porto Alegre/RS