Jornal Evangélico Luterano

Ano 2017 | número 804

Sábado, 21 de Dezembro de 2024

Porto Alegre / RS - 13:12

Bíblia

História, cultura e identidade

Bíblia, a Palavra de Deus

Apesar de ser sagrada, a Bíblia teve uma gênese muito humana. O cânon hebraico do Antigo Testamento (AT) reúne 39 livros, originais de diversas épocas. Muitos deles contêm tradição bem mais antiga que o próprio registro literário. Algo semelhante vale para os 27 livros do Novo Testamento (NT). Também ele se formou em longo processo, embora não tão demorado como o AT. Em ambos os casos, a Escritura é o resultado de uma coleção de escritos a que foi atribuída normatividade religiosa.

Para a Igreja Cristã, a Bíblia é mais que um livro de História. É uma Escritura a que se atribui qualidade sagrada. Por ela, Deus mesmo fala. A Bíblia é Palavra de Deus e, como tal, possui singular autoridade.

Tal coleção se tornara uma necessidade. Por mais importante que fosse a tradição oral dos conteúdos da fé, estes corriam o risco de ser esquecidos ou então distorcidos. É claro que a prédica dos profetas foi oral. Somente em casos excepcionais redigiram cartas, como a que Jeremias escreveu aos exilados ou tiveram protocolados os seus pronunciamentos, mas a palavra oral necessitava de registro para ser conservada às futuras gerações. O mesmo valia para leis, credos, orações e, não por último, para a própria prédica de Jesus. Quanto mais o tempo avançava, tanto mais se sentia a urgência de anotar a história e transformar a tradição em literatura.

Quais livros seriam incorporados ao cânon? No caso do AT, o assunto foi resolvido somente depois da queda de Jerusalém, em 70 d.C. Jesus e as primeiras Comunidades cristãs tinham uma Escritura, mas ainda não um cânon. A tradução grega, chamada Septuaginta, do século III a.C. e muito usada pelas Comunidades cristãs helenísticas, conta com 53 livros ao todo, mas também a Escritura hebraica ainda não estava fechada. Somente por volta do ano 100 d.C., a Comunidade judaica estabelece o cânon em suas atuais proporções. Enquanto isso, a tradução latina, chamada Vulgata, incorporou mais sete livros, constantes na Septuaginta, no cânon do AT. Visto que o Concílio de Trento, realizado em 1545 a 1563, acolheu oficialmente essa versão, o AT ‘católico’ e o ‘protestante’ divergem em tamanho, aquele tem 46 e este, apenas 39 livros.

Na canonização do NT, as principais partes, a exemplo dos Evangelhos e das cartas do apóstolo Paulo, estavam sendo reconhecidas como canônicas já no século II, mas o Apocalipse, a Segunda Carta de Pedro e outros escritos continuavam controvertidos. Em 367 d.C., o Bispo Atanásio da Alexandria listou pela primeira vez os atuais 27 livros componentes do NT, mas demorou até que essa lista recebesse o aval em toda a Igreja.

O NT deveria compilar a tradição apostólica. De fato, o NT contém a tradição cristã mais antiga. Oferece o ‘discurso fundante da fé cristã’, a prédica original da Igreja. Não foi decidido em Concílio Geral. A Escritura se impôs na Igreja por força inerente, por ação do Espírito Santo. Está aí a norma a que discurso e prática da Igreja estão comprometidos a se sujeitar.

A Bíblia explica costumes ainda hoje em vigor, mostra as raízes da nossa cultura e as bases da nossa identidade. Antes de tudo, a Bíblia é um livro de História. Inicia com a criação do mundo, por Deus, concentrando, a seguir, a atenção na vocação de Abraão e na história de Israel. Fala sobre a escravidão deste povo no Egito e a sua libertação, o êxodo, fala a respeito da aliança que Deus fez com ele por meio de Moisés, no Monte Sinai. Conta a caminhada pelo deserto e a tomada da terra prometida, a terra de Canaã, situada nas adjacências do Rio Jordão e do Mar Morto, território ocupado, hoje, pelos Estados de Israel e da Palestina. Temos a documentação da glória dos reinados de Davi e Salomão, como também da trágica queda de Jerusalém e do exílio na Babilônia.

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